quarta-feira, 19 de abril de 2023

Cream terminava, há 55 anos, a primeira experiência de supergrupo no rock

 O melhor estava por vir, mas não veio. Para evitar um pugilato dentro da banda, foi necessário para terminá-la. E o primeiro supergrupo de rock da história desmanchou em menos de dois anos com os integrantes praticamente não se falando.

O Cream foi o começo de tudo quando se fala em união de gênios já consagrados e deveria fazer história como a consagração do rock enquanto arte, as ficou pelo meio do caminho, por mais que seu legado tinha sido imenso.

Faz 55 ano que o trio de blues pesado implodiu e decidiu acabar com uma longa e exuberante, mas triste, turnê pelos Estados Unidos e pela Inglaterra. Foram shows concorridíssimos e, para muitos os melhores de Eric Clapton, Ginger Baker (1939-2019) e Jack Bruce (1943-2014) juntos.

Para os detratores, foi o fim de um projeto fadado ao fracasso desde o começo por conta de uma notória inimizade entre Bruce e Baker, originada uando os dois eram a seção rítmica da Graham Bond Organisation, grupo inglês importante entre 1964 e 1965.

O baixista escocês Bruce não suportava as grosserias do baterista inglês Baker, que era muito técnico e fazia viradas que davam calafrios em Bruce. Baler, por sua vez, não suportava a arrogância e som muito alto do baixo de Bruce. Estranharam-se logo que se conheceram e levaram as disputas pessoais até quase o fim de suas vidas.

O guitarrista gênio Eric Clapton, chamado de "deus" em pichações nos muros de Londres, sabia desse enredo quando decidiu fundar a própria banda ao sair do John Mayall's Bluesbreakers. A teimosia o levou a insistir naquela "cozinha", com Bruce cantando.

Os três estavam sem trabalho fixo naquele final de 1966 e Clapton demorou para convencer Baker a voltar a tocar com Bruce. Havia respeito musical, não respeito pessoal. O baterista resistiu até que jornalistas começaram a telefonar para saber do "novo grupo" - obra de Clapton para forçar a barra.

A relutância continuou até que os três se juntaram no estúdio para ensaiar clássicos do blues. Bruce recusou de primeira, mas mudou de ideia na segunda abordagem de Clapton, por quem tinha imensa admiração.

A química apareceu nos primeiros acordes e os três perceberam que estavam prestes a fazer algo poderoso, embora baterista e baixista demorassem quase um mês para trocar algumas palavras.

Banda estabelecida, ensaios voando, logo os primeiros sows vieram e encantaram a todos, principalmente os concorrentes, como The Who, Jeff Beck e seu novo grupo e um guitarrista americano então desconhecido, Jimi Hendrix.

A "cozinha" continuava se odiando, mas os shows eram intensos e maravilhosos, assim como os álbuns, produzidos pelo americano Felix Pappalardi (1939-1983), que mais tarde seria o baixista do Mountain.

 "Disraeli Gears" e "Wheels of Fire" foram trabalhos dos mais brilhantes do rock e do blues ate então. Lançarm as bases do rock pesado dos anos 70 e apontaram os caminhos que The Who e Led Zeppelin tomariam na década seguinte.

Eram sucesso absoluto nos dois lados do oceano Atlântico, mas o clima interno só piorava. Clapton achou que conseguiria domar os dois inimigos e fazia vista grossa às provocações entre Baker e Bruce no palco, e não conseguia conter as línguas ferinas fora dele.

Depressivo, o guitarrista tomou a decisão de encerrar as atividades da banda no auge, no começo de 1968, para alívio dos companheiros. A turnê de fim de ano seria a última e a "nata" (Cream, em inglês) mostrou-se incompatível com o sucesso e com os egos.

Com o fim do trio magistral, os três demoraram a se encontrar nas carreiras a partir de então. Clapton insistiu em supergrupos e criou o Blind Faith com o tecladista e vocalista Steve Winwood, o baixista Rich Grech e Giner Baler.

Tudo parecia ir bem na turnê americana do primeiro disco quando várias coisas fizeram a depressão de Clapton voltar. Desfeito o grupo, criou outra banda, Derek and the Dominos, onde pretendia ser apenas um integrante a mais, sem maior destaque. 

Claro que isso era impossível e esse projeto durou meses apenas, rendendo só um álbum, como o Blind Faith. Tentou se esconder como músico de apoio da dupla Delaney and Bonnie enquanto se afundava nas drogas e no álcool. 

Deu certo por um tempo até que decidiu gravar o primeiro álbum solo, em 1970, ótimo, mas que não foi um grande sucesso. Desiludido, se enterrou em sua propriedade rural com uma namorada grã-fina e totalmente junkie por quase dois anos. 

Bebeu demais e consumiu drogas demais até ser resgatado por Pete Townshend e Ron Wood em janeiro de 1973, que organizaram o concerto de sua volta, em Londres. Demorou para engatar a carreira solo, mas conseguiu, ainda que os vícios se tornassem ainda mais sérios. A reabilitação o tornou sóbrio no fim dos anos 80.

Jack Bruce se tornou um músico cult e passeou pelo jazz, pelo blues e pelo rock nos anos 70, entre carreira solo e colaborações com Mick Taylor (ex-guitarrista dos Rolling Stones) e Robin Trower (guitarrista que tocou com Procol Harum), entre outros. A carreira solo foi errática, mas rendeu ótimos discos.

Ginger Baker, por sua vez, criou a sua banda, o Air Force, e largou tudo para morar na Nigéria, onde construiu um estúdio que foi usado por gente como Paul McCartney. Tocando ocasionalmente com amigos, morou na África do Sul e pouco fez de importante a partir dos anos 80.

O Cream ensaiou uma volta em 1993, quando foi introduzido no Rock and Roll Hall of Fame 25 anos depois do fim da banda. os três se encontraram e ensaiaram três músicas para tocar na cerimônia. A química tinha voltado, mas o clima ainda era tenso. 

Fizeram o show e discutiram sobre uma pequena turnê para ver se a coisa daria certo. Clapton passava por problemas pessoais e estava inseguro quanto ao comportamento dos dois companheiros e recusou continuar semana depois do show de retorno. 

De forma surpreendente, os empresários de baker e Bruce os convenceram de que dava para manter o projeto com o convite ao prodígio irlandês da guitarra Gary Moore, então astro mundial depois que trocou o hard rock pelo blues.

BBM (Baker, Bruce and Moore) lançou um ótimo disco e os shows pelos Estados Unidos foram concorridos e disputados, mas o clima interno azedou não só pelas rusgas entre baterista e baixista, mas também pelo gênio mercurial de Moore. Não durou nem um ano.

Foi só em 2005 que uma série de shows em Londres foi articulada pelo trio para celebrar os então 40 anos de atividades profissionais dos três. A condição básica para a reunião: seriam apenas aqueles shows e só. De forma surpreendente, Baker e Bruce não brigaram e se mantiveram cordiais.

Sucesso estrondoso, os shows de Londres renderam convites mundiais, e o trio aceitou fazer mais alguns shows nos Estados Unidos para encerrar de vez esse capítulo da história do rock, algo que o Led Zeppelin copiou dois anos  depois, também com sucesso.

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