sábado, 1 de abril de 2023

Morre Ray Shulman, o motor criativo do Gentle Giant



Uma banda que ninguém levava a sério, mas que depois levaram muito a sério e se tornou um dos nomes mais importantes do rock progressivo dos anos 70 sempre apostando no inusitado e na mistura de sons e influências. 

Uma banda que era mais radical, em vários pontos, do que King Crimson, Van der Graaf Generator, Gong, Henry Cow e muitas do cenário de Canterbury, na Inglaterra.

O Gentle Giant, fundado por três irmãos intelectuais e exímios músicos, tinha tudo para dar errado e quase deu, mas a persistência os levou a patamares surpreendentes para aqueles estudantes arrogantes e pretensiosos. 

Um dos irmãos, Raymond Shulman, baixista e violinista, morreu aos 73 anos neste sábado (1º) após uma longa doença não especificada pela família. Era considerado o mais versátil dos três - os outros são mais velhos, Derek e Phillip.

A criatividade e ousadia do grupo ao longo dos anos 60 e 70 era tão ipressionante que, em dados momentos, parece que estamos ouvindo algo de Hermeto Paschoal em plena Inglaterra de 1972, com sons de garrafas quebrando, barulhos vindos do vento, porta batendo e muito mais.

É essa intrigante banda inglesa, que implodiu em 1980 e retomou a carreira para aparições esporádicas em 2005, que decidiu lançar uma caixa muito pesada, literal e fisicamente falando: "Unburied Treasure" é um pacotaço com 29 CDs e um Blu-Ray, incluindo toda a discografia – tem até um disco com entrevistas dos integrantes, uma chatice sem tamanho – e inúmeros discos ao vivo gravados entre 1970 e 1980 na Europa. Quem em sã consciência lançaria ma coisa dessas? Foi em 2020 e vendeu tudo em poucas horas...

Os principais críticos de música popular da Inglaterra preferem, hoje, considerar o Gentle Giant como uma banda incompreendida.

Entretanto, seus ecos e influências podem ser observados no trabalho de gente como Neal Morse (ex-Spock's Beard e atual Transatlantic e Neal Morse Band), Flower Kings, Steve Hackett, Opeth, Steven Wilson, Big Big Train e muito mais gente, todos quase unânimes em reconhecer a banda como genial.

Por mais que consideremos as qualidades do quinteto, o destino mesmo parecia ser o underground por conta de opções radicais de direção artística e, depois, mudanças radicais em busca de um sucesso comercial que gente como Yes e Genesis obtiveram. 

Surgida em 1971 das cinzas de uma banda de ares psicodélicos, o Gentle Giant era frequentemente comparado ao King Crimson na época, embora este já fosse um dos principais nomes do rock progressivo.

A música era considerada complexa e detalhada. Tinha tantos elementos que estonteava os analistas e fãs. As mudanças de tempo, quase sempre irregulares, intrigava a todos, assim como como amplo uso de polifonias.

 Havia o abuso do contraponto instrumental e vocal e, como bem assinalou a revista "All About Jazz", havia as abordagens da música madrigal, frugal e outras músicas clássicas, com uma predileção particular pelas formas da era primitiva e barroca/renascentista/medieval; harmonias vocais polifônicas de várias partes que frequentemente mudavam de dissonância desafiadora para maior (mas ainda complexa) consonância que era frequentemente trocada de um cantor para outro, incluindo o uso de ritmos escalonados.

O quinteto ainda abordava elementos como a 'sincopação', polímeros e, talvez o seu maior definidor acima de tudo, contraponto; o desmembramento e revocalização de mudanças de acordes inicialmente simples; como alguns de seus arranjos vocais, a passagem de frases/motivos de um instrumentos para outro, de maneira semelhante a um time de tags; e contrastes estilísticos surpreendentes, como passar de corais medievais em um momento para passagens de rock difíceis no próximo.

As composições foram creditadas inicialmente aos dois irmãos Shulman cofundadores da banda, Derek e Ray. Também integravam o time o irmão mais velho, Phil, que saiu após o lançamento do excepcional "Octopus", de 1972; e a arma secreta do grupo, o multi-instrumentista Kerry Minnear. 

 A maior parte instrumental é de autoria de Ray Shulman e Minnear, com ideias adicionais adicionadas por Derek. Phil e Derek Shulman foram, por outro lado, responsáveis ​​pela maioria das letras da banda.

Minnear se ocupava dos teclados, mas também tocava vibrafone, marimba, xilofone, violoncelo, tímpano e outros instrumentos de percussão, além de cantar. 

O vocalista Derek Shulman contribuiu com saxofones, baixo e percussão; o também vocalista Phil Shulman tocava saxofones, clarinete, trompete, piano, percussão e mellophone (em português, melofone ou melofono; assemelha-se fisicamente ao trompete, mas tem dimensões maiores. Seu timbre médio-agudo lembra a sonoridade da trompa).

Ray Shulman, além de ser um violinista talentoso (elétrico e acústico) e excelente baixista, tocou várias guitarras, além de órgão, pedais de baixo, percussão, viola e trompete nos álbuns de estúdio e apresentações ao vivo. 

O guitarrista Gary Green, além de uma variedade de guitarras, contribuiu com percussão, bandolim e, em concertos, fazia vocais adicionais; e John Weathers, o baterista mais duradouro da banda (primeiro ingressando como substituto de Malcolm Mortimore após um acidente de moto deste em 1972, mas permanecendo no grupo até a separação), adicionou percussão, vibrafone e, como Green, vocais adicionais durante performances ao vivo.

Ao longo de três décadas e meia, foram várias as reedições e masterizações de toda a obra, assim como o lançamento de diversos DVDs e shows ao vivo, com destaque para os trabalhos realizados por Steven Wilson (ex-Porcupine Tree), que já realizou remixagens e remasterizações de CDs de King Crimson, Jethro Tull e Yes. 

Fora da banda, Raymond produziu bandas e trabalhou em diversas áreas do entretenimento na Inglaterra e da Escócia. Era reconhecido como o motor da banda em termos criativos e de composições.


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