quinta-feira, 25 de abril de 2024

Quando existir se torna muito mais do que um ato político

 Em um mundo devastado pela desinformação e pelo ódio cada vez maior, o simples ato de existir ou mesmo de se levantar da cama já é um ato político importante e, em muitos casos, fundamental. Esse é o recado importante que ao menos duas mulheres engajadas e combativas do mundo da música estão passado na atualidade - e que precisam ser cada vez mais ouvidas.

O fato de existir se tornar um ato político poderoso é um conceito disseminado desde sempre na música pop e entre ativistas, sobretudo aqueles que se dedicam aos direitos humanos. 

O cantor e compositor da MPB Chico César usou esse argumento quando rebateu recentemente, de forma educada, mas indignada, um internauta que pediu para que fosse "menos político" em seus shows.

 Na mesma linha escreveu e esbravejou Perry Farrell, cantor americano do Jane's Addiction e criador do Lollapalooza, ao combater gente preconceituosa de todos os tipos nos anos 90. 

Tom Morello,guitarrista do Rage Against the machine, banda engajada por natureza, é outro que faz de sua arte um forte instrumento político de disseminação de ideias progressistas e de apoio aos direitos humanos e das minorias.

Alvo de críticas e ataques de pessoas mal intencionadas e de analfabetos políticos de todos os tipos, a cantora holandesa Sharon den Adel segue firme na lota em apoio à população da Ucrânia, que vítima de uma guerra expansionista perpetrada pelo governo da vizinha Rússia.

Ela e sua banda, a Within Temptation (que é uma das atrações deste final de semana do Summer Breeze Brasil, festival que ocorre em São Paulo), lançaram recentemente o clipe da música "A Fool's Parade", gravado nas ruas de Kiev, a capital ucraniana frequentemente bombardeada, com a participação do cantor local Alex Yamak.

"Sempre fomos politicamente engajados", diz a cantora em boa entrevista ao portal UOL. "Quando nós fizemos  a canção 'Deceiver of Fools', do disco 'Mother Earth' (2000), ela falava sobre os partidos de ultradireita que aqui na Holanda estavam crescendo cada vez mais. Na verdade, já era uma canção política." 

Ela nem pisca quando fala sobre a necessidade de engajamento político dos artistas no mundo atual. "Acho que o mundo está pegando fogo neste momento, é como se estivéssemos dançando na beira do vulcão. Se não falarmos sobre isso agora, vai ser tarde demais."

No Brasil, quem encarna desde sempre esse espírito libertário e combativo é a cantora e guitarrista gaúcha Laura Finocchiaro, dona de uma respeitável obra que compreende 25 álbuns lançados em 42 anos de carreira. 

Uma rápida passada de olho na trajetória da artista é o suficiente para constatar que a sua existência é muito mais do que um ato político - é a própria resistência diante do avassalador acúmulo de reveses que a vida costuma empurrar contra minorias e grupos mais vulneráveis.

Artista independente e com histórico de engajamento político e social, retorna ao cenário artístico com o evento "Quinze Minutos com Laura Finocchiaro", um festival musical que visa apoiar e revelar novos talentos da cena LGBTQIA+ das periferias sem chances de mostrar seus trabalhos.

"Sou uma artista veterana que sempre foi underground e que sofre de certa invisibilidade artística mesmo com uma obra relevante", afirma a musicista. "Se eu, que já tive alguma proeminência e tenho um nome com certa evidência no mercado estou nesta situação, imagine esse pessoal da periferia que não tem apoio nenhum?

O evento pretende premiar o melhor entre oito concorrentes classificados para as fases finais, que começam em 26 de maio no Centro Cultural Penha, na zona leste de São Paulo.

Pioneira das apresentações musicais autorais na Parada Gay de São Paulo e militante pelos direitos de um grupo vilipendiado por toda uma vida, Laura enxergou na criação do festival uma forma de emergir artisticamente em 2024 ao mesmo tempo em que acentua o ativismo político e social. 

É uma questão de resistência, evidentemente, mas sobretudo de sobrevivência, tanto pessoal quanto artística. "Artistas engajados e ativistas como eu enfrentam dificuldades para conseguir agendar shows, ainda mais os veteranos. Portanto, quando eu laço um single, um álbum ou promovo artistas que estão fora da mídia e são das periferias, é uma maneira de dizer que continuo existindo. Se acham que eu muitos outros incomodam, então contem com isso> quero continuar incomodando."

O som de laura é engajado, está encharcado e ativismo, mas é plural e tem elementos de rock, MPB, música eletrônica e outros gêneros. Celebra a diversidade e a inteligência fazendo pensar e combate a intolerância. 

Ela está na mesma prateleira, em boa companhia, de artistas fundamentais como Black Pantera, Autoramas, Cazuza, Dorsal Atlântica, Inocentes,, Plebe Rude, Inocentes, Ratos de Portão, Garotos Podres, Dead Fish, Subalternos The Mönic, Crypta, The Damnnation e algumas outras que se orgulham de seu engajamento e que fazem de suas existências em verdadeiros atos políticos. 


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