Eugênio Martins Júnior - do blog Mannish Blog
No dia 28 de julho de 2006 produzi meu primeiro show internacional e o primeiro do grande Teatro Coliseu, aqui de Santos, que havia sido reformado.
A história começou um pouco antes, em janeiro do mesmo ano. Folheando a revista de sexta-feira de um jornal aqui de São Paulo, que traz a programação cultural do final de semana, li que dois de meus ídolos viriam ao Brasil para tocar no Bourbon Street Music Club, o gaitista Charlie Musselwhite e, nada menos do que um dos maiores guitarristas de blues de todos os tempos, Otis Rush.
Aquilo não saiu da cabeça. Fiquei pensando em como poderia trazer os caras a Santos. Num estalo peguei o telefone e liguei para o Bourbon. Me passaram o diretor artístico da casa, o Herbert, que atendeu e disse que estava com viagem marcada para os Estados Unidos, mas que quando voltasse poderíamos nos encontrar.
Um mês depois almoçamos num restaurante no centro de Santos, na histórica Rua XV: o Herbert, sua irmã Thais e o Beto, da produtora Lucas Shows.
Na época eu ainda não sabia, mas no mundo da produção cultural existem dois tipos de gente: as que fazem e não falam e as que falam e não fazem. Ali estavam algumas do primeiro time. Saímos daquela reunião com um nome na cabeça: Jazz, Bossa & Blues.
Por uma série de motivos, os shows de Charlie Musselwhite e Otis Rush não aconteceram no Brasil naquele ano. O Charlie encontrei na estrada um par de vezes, mas o Otis Rush nunca. Uma pena. Rush morreu em 29 de setembro de 2018 e eu nunca o vi tocar.
Mas o projeto andou e entre algumas opções de artistas, apareceu o nome de Eric Gales. Irmão do não menos famoso Little Jimmy King, Eric Gales nasceu em 1974 em Memphis, berço do rhythm 'n' blues.
A partir de quatro anos de idade o garoto canhoto aprendeu a tocar guitarra com o seu outro irmão, adivinhem o nome?! Eugene. Então, começamos o projeto de música da maneira certa, com a mão esquerda.
O show rolou. O teatro Coliseu havia acabado de ser reinaugurado após anos de uma reforma mal feita e incompleta, cortesia da péssima administração municipal da época.
A prefeitura estava tomando porrada na imprensa por causa da reforma porca do local e nada como um showzinho legal pra trazer prestígio à casa, não é verdade?. Acredito que tenha sido o primeiro show internacional dessa nova fase do grande teatro. É, às vezes a gente serve o diabo sem saber.
No dia 28 de julho de 2006, o time que subiu ao palco do Teatro Coliseu foi o Eric Gales (guitarra e voz), Ugo Perrota (baixo) Papel (bateria) e Fred Sun Walk (guitarra). Para abertura não poderíamos ter colocado outro músico senão Mauro Hector, de Santos. Outro canhoto e discípulo de Jimi Hendrix.
Gales havia acabado de lançar o álbum "Crystal Vision" e estava em uma fase "atribulada", fazendo o uso de substâncias que estavam afetando sua vida e música.
A produção incluiu alguns rolos, as tais substâncias, prostitutas e outros ilícitos. E eu tendo de lidar com tudo isso porque as outras pessoas envolvidas estavam preocupadas em tirar fotos com o prefeito e aparecer na imprensa. Só uma coisa a dizer, fuck’em all, eu fiz a minha parte.
Antes do show eu conversava com o Mauro no backstage quando surgiu a ideia de ele entrar no final do show de Gales para uma jam, e a dúvida de qual música apresentar apareceu.
Então mandei essa: “Os dois são canhotos, discípulos de Jimi Hendrix. Por que não tocam Red House?”. E assim foi. Na hora do “mais um” Gales chamou o Mauro e os dois tocaram juntos.
O negócio começou suave como "Red House". Costuma ser um tremendo slow blues, mas logo descambou pra violência. Todo mundo sabe que o Mauro não sabe brincar. Logo ele chutou a canela de Gales que retribuiu e os dois acabaram duelando e fritando. Essas histórias de bastidores é que dão prazer nessa profissão.
Novembro de 2021 – Encontrei Eric Gales 15 anos depois, no Rio das Ostras Jazz e Blues Festival como um outro homem, recuperado dos vícios e considerado um dos grandes guitarristas dos Estados Unidos.Os shows foram excelentes e escancararam os motivos pelos quais Eric Gales é considerado um dos grandes guitarristas da atualidade. Grandes performances no palco, técnica impecável num show que não é chato apesar de todo esse virtuosismo.
Eugênio Martins Júnior - Como foi a sua infância musical, crescendo em uma família de músicos?
Eric Gales – Foi maravilhosa. Vivia em uma casa com muita música. Todos estavam envolvidos em algum momento com música.
EM - Qual foi a maior influencia recebida de seu irmão Little Jimmy King, que partiu muito cedo?
EG – Ser persistente. Estar sempre focado. Era um grande guitarrista e me proporcionou uma base, como toda a família.
EM - Você nasceu e cresceu em Memphis, uma das cidades chave para o blues mundial. Qual é a importância do blues pra cultura americana?
EG – Sim. É uma cena muito forte.
EM – Como sua carreira se desenvolveu desde seu primeiro álbum, The Eric Gales Band, lançado há 30 anos?
EM - Fizemos um show na minha cidade, Santos, há 15 anos. Naquela época você estava mais, como posso, dizer, “rebelde”. Gostaria que falasse sobre como esses anos afetaram a sua vida.
EM – Você usa a sua história de vida nas letras?
EG – Sempre. Pra mim não há melhor forma para contar as histórias vividas ao longo dos anos. Sou abençoado por estar vivo e poder contar a minha história. Manter a mente sã. E espero que essa história inspire as pessoas. Só estou tentando me manter na linha.
EM – Você é um homem religioso?
EG – De uma certa forma sim. Acredito que há alguém lá em cima.
EM – Olhando por você?
EG – Sim.
EM - "The Bookends" foi lançado em 2019, antes da pandemia. Nem teve tempo de mostrar esse trabalho nos palcos. Como tem sido a vida sob a pandemia de covid-19?
EG – Estava tudo correndo bem. Estava gravando, concorrendo em algumas premiações de rock e blues. Acredito que seja um grande álbum e com uma boa trajetória até tudo isso acontecer. As pessoas se retraíram e tudo parou.
EM – Penso que você ganhou muito mais fãs fazendo um som que mistura a agressividade de solos de guitarra com melodias pop, porém muito bonitas. Você concorda?
EG – Obrigado. Concordo. Sou um afortunado em por receber essa energia do universo, criar essas melodias e depois poder dialogar com o público dessa forma.
EM - Teu álbum "Middle of The Road" traz parcerias com Gary Clark Jr e Kristone Kingfish, outros dois nomes que estão se tornando importantes no mundo do blues.
EG – São grandes amigos e estou feliz que tenham feito parte do disco com o que eles têm de melhor.
EM – O veterano Tail Dragger disse que os jovens negros dos Estados Unidos não se interessam mais pelo blues. Eles só querem fazer rap hoje em dia. Você concorda?
EG – (risos) Tem alguma verdade nisso. Eu cresci ouvindo rap, fez parte da minha base. Eu sou fã de rap.
EM – Mas você acabou indo para o blues, ainda que um blues rock. Que importância você dá para esse gênero musical para a cultura dos Estados Unidos?
EG – É uma forma de vida. Uma necessidade. Que deve estar sempre entre nós. O blues está em tudo.
EM – Você fala sobre política?
EG – Não.
EM – Você se vacinou?
EG – Sim, tomei duas doses. Mas conheço muitas pessoas que não. Veja, minha carreira me coloca em contato com muitas pessoas ao redor do mundo. Tenho que me proteger dá melhor forma possível. Não vou dar mole, já conheci gente que morreu.
Nenhum comentário:
Postar um comentário