Flavio Leonel - do site Roque Reverso
O Metallica fez na terça-feira, 10 de maio, seu maior espetáculo na cidade de São Paulo desde 1989, quando se apresentou pela primeira vez na capital paulista. Com um palco gigantesco e uma estrutura nunca trazida para a maior metrópole da América do Sul, o lendário grupo norte-americano de thrash metal simplesmente “hipnotizou” cerca de 70 mil pessoas que lotaram o Estádio do Morumbi.
Somado aos detalhes estruturais que transformaram o show no mais impactante do Metallica em São Paulo, a cidade foi presenteada com o melhor set list até então na perna sul-americana da WorldWired Tour, que já havia passado por Santiago (Chile), Buenos Aires (Argentina), além de Porto Alegre e Curitiba.
Tudo porque o repertório apresentado mesclou clássicos de sempre da carreira da banda com músicas nunca tocadas em São Paulo, como “Holier Than Thou”, “No Leaf Clover” e “Spit Out The Bone”, ou até mesmo nunca executadas no Brasil e em toda América Latina, como “Dirty Window”.
Para uma cidade que já havia recebido o Metallica nada menos que seis vezes das até então nove passagens da banda pelo País, a repetição de músicas a cada vinda também não chega a ser algo totalmente interessante, por mais que existam clássicos intocáveis no set list. A sorte do fã do Metallica é que o grupo tem uma longa tradição de promover alterações interessantes entre um show e outro. E costuma levar em conta o local onde está tocando e seu histórico.
Ansiedade após período crítico da pandemia
Já não é segredo para ninguém que o fã de shows foi um dos que mais teve que se adaptar durante o período crítico da pandemia, dada a longa ausência de apresentações desde o começo de 2020 no País para evitar a propagação da covid-19. Com mais de dois anos sem os grandes shows para presenciar, o retorno dos espetáculos de rock com mais de 40 mil pessoas vem sendo marcado pela lotação das arenas e grandes estádios, como o Allianz Parque e o Morumbi.
No fim de abril, muito do espetáculo grandioso e histórico visto durante o show do KISS na Arena do Palmeiras teve a ver com a emoção do público de 45 mil pessoas sedento por shows. Com o Metallica no Morumbi para cerca de 70 mil pessoas não seria diferente. Ainda mais para um público que foi obrigado a assistir a seguidos adiamentos por causa da pandemia e que temeu pelo cancelamento definitivo dos shows dos reis do thrash metal no Brasil.
Tal qual o cenário visto na apresentação do KISS no Allianz Parque, a alegria e a emoção dos fãs no Morumbi para ver o Metallica era palpável. Amigos de longa data que não se reuniam para se divertir estavam ali para ver uma das maiores bandas do planeta. E isso era motivo de grande comemoração por todos os cantos do estádio.
Bandas de abertura
A abertura do show do Metallica em São Paulo foi feita pelo grupo brasileiro Ego Kill Talent e pela novata e elogiada banda norte-americana Greta Van Fleet, que o Roque Reverso teve o prazer de ser um dos primeiros veículos no Brasil a destacar em textos.
O grupo brasileiro trouxe um show curto, mas passou seu recado para uma plateia que prestou atenção e respeitou a apresentação. É uma banda que vem aproveitando os espaços e ganhando os elogios por onde passa.
Quanto ao Greta Van Fleet, os meninos encararam o público do Metallica sem medo e foram ganhando a plateia a cada música executada. Quem chegou a cogitar a possibilidade de alguma resistência do público ao som mais leve do que a banda principal da noite acabou errando feio.
A despeito de qualquer acusação já rotineira de o Greta ser alguma espécie de cópia do Led Zepellin, os moleques mostraram categoria, improvisações e foram aplaudidos pelo público no final, para desespero dos haters de plantão.
O espetáculo do Metallica
O Metallica subiu ao palco com cerca de 15 minutos de atraso, mas o que eram 15 minutos pra quem esperou mais de dois anos pelo show? Para muitos ali, a adrenalina aumentava a cada segundo de atraso.
Após a tradicionalíssima introdução com a música gravada de “Ecstacy of Gold”, de Ennio Morricone, e as cenas do filme “Três Homens em Conflito”, de Sergio Leone, o Metallica trouxe nada menos que “Whiplash” como primeira música do seu repertório, seguindo o padrão dos outros shows da turnê.
Para quem temeu na pandemia pelo fim da própria vida, pelo fim da vida de seus parentes, de seus amigos, de seus ídolos, de suas bandas favoritas, pelo fim do Metallica e de James Hetfield, Lars Ulrich, Kirk Hammett e Robert Trujillo, a emoção, os olhos marejados e a respiração ofegante foram uma tendência incontrolável naquele momento. Era como se o planeta finalmente estava começando a voltar ao normal após meses consecutivos de sofrimento e angústia sem a necessária válvula de escape que costuma ser um show de rock.
Quem já achava que os telões eram grandes antes de a apresentação começar, facilmente ficou extasiado com a proporção que eles tomaram com as luzes e os efeitos em tom alaranjado e vermelho em “Whiplash”. Talvez, tenha sido o maior telão em shows de rock no Morumbi, sem contar os de algumas turnês do U2, como a PopMart, em 1998, quando os telões, incrivelmente, acompanhavam a curvatura das arquibancadas do estádio. Com relação ao Metallica, não havia dúvida alguma: era o maior palco já trazido pelo grupo ao Brasil.
O que foi possível notar logo de início e que se seguiu em algumas músicas durante o show é que o Metallica parece estar tocando ligeiramente mais lento do que antes da pandemia. E, para isso, basta resgatar na memória o que foi o excelente show no Lollapalooza de 2017, com o grupo numa de suas melhores exibições dentre todas as vindas ao País. Em contrapartida, o peso dos bumbos da bateria de Lars ouvido no Morumbi em 2022, talvez, tenha sido o mais impactante dos últimos anos com o grupo.
Como já escrevemos aqui em resenhas de shows de outras bandas, é algo sem sentido querer exigir que um grupo toque de maneira idêntica com o passar do tempo e da idade. Com os integrantes do Metallica beirando os 60 anos, chega a ser até ridículo um fã querer exigir que a banda toque no ritmo que lançaram o disco de estreia e moldaram o thrash metal. Adaptações, portanto, são mais do que bem-vindas, até mesmo para que o grupo continue na estrada por mais tempo, evitando, por exemplo, trajetória final como a do grande Slayer, que teve questões de saúde minada dos integrantes, como o vocalista Tom Araya, como fundamental para acelerar o fim da carreira.
O Metallica deu sequência ao show no Morumbi com a sempre ótima “Ride the Lightning” e seus riffs maravilhosos e grudentos que fazem até o mais frio dos fãs se empolgar. A plateia acompanhava com gritos em volume elevadíssimo que ecoou por todo o estádio do São Paulo Futebol Clube.
Antes de iniciar “Fuel”, o vocalista James Hetfield não perdeu a oportunidade de brincar com o fato histórico e inusitado do nascimento de um bebê em pleno show do Metallica realizado dias antes em Curitiba, depois que uma mãe com 39 semanas de gestação deu à luz a um menino ao som de “Enter Sandman”. “Quem for ter um bebê, por favor, venha para este lado do palco”, disse ele, em inglês, arrancando risos da plateia.
Foi então que o Metallica provocou mais um de seus absurdos momentos de impacto no show em São Paulo. Com um telão recheado de efeitos e labaredas que esquentavam todos os presentes na Pista Vip. “Fuel” resultou num espetáculo à parte numa apresentação memorável. O fã mais atento ainda percebeu que havia, na divisa da Pista com a Pista Vip, torres que emitiam labaredas gigantes no alto do Morumbi, como se fossem plataformas de petróleo, algo poucas vezes visto em território nacional na história dos shows de rock.
O megaclássico indispensável “Seek & Destroy” veio na sequência e manteve o Morumbi em êxtase, com rodas de mosh multiplicadas em vários pontos do gramado coberto do estádio. É o tipo da música que o Metallica sabe que vai marcar um golaço se colocar no set list. E a capital paulista, mais uma vez, teve o prazer de presenciar.
Eis que o primeiro presente inédito da noite foi dado pela banda com a música “Holier Than Thou”, do clássico “Black Album”. Este jornalista até pensou erroneamente que há havia visto ela ser executada no histórico show no Estádio do Palmeiras em 1993, mas ali, na verdade, a música de segunda prateleira (se comparada aos hits) tocada do disco recordista de venda do grupo foi “Through the Never”, conforme informação confirmadíssima no magnífico site do Metallica, que traz histórico completo de shows e todos os repertórios em mais de 40 anos de carreira – e ainda há haters que tentam criticar o sucesso do lendário grupo.
Outro megaclássico foi tocado na sequência no Morumbi. “One”, que dispensa apresentações, trouxe as já tradicionais imagens no telão de soldados caminhando na guerra. Nos telões gigantescos, acompanhados de efeitos de raio-laser, o estádio ficou parecendo uma sessão de cinema no estilo Imax. Som perfeito e apenas um errinho ou outro de Kirk Hammett nos acordes clássicos, mas nada que comprometesse o momento.
Por sinal, Kirk, Lars e até James chegaram a errar mais de uma vez durante músicas que tocam há mais de 40 anos. Perfeccionista que é, o próprio grupo, em outros tempos, ficaria incomodado com tais erros. Mas, passados tantos anos de história gigantesca proporcionada ao heavy metal, a reação deles é uma risada para os outros membros, como precisa ser no mundo dos mortais. O que se vê atualmente no Metallica, desde a entrada de Robert Trujillo após a fase tensa da saída de Jason Newsted, é que o grupo curte cada momento de suas apresentações, tendo prazer no que faz.
Após a execução do hit “Sad But True”, o Metallica trouxe mais um presente da noite. Antes, James Hetfield perguntou se a plateia gostava do ultracriticado disco “St. Anger”, mas a reação foi mais positiva do que negativa. Foi então que a banda tocou “Dirty Window”, como já dito lá no começo deste texto, pela primeira vez na América Latina.
Mais do que isso, foi a primeira vez que o Metallica tocou uma música desse álbum no Brasil, para privilégio dos paulistas!!! E, se a produção crítica do disco conseguiu fazer a bateria de Lars Ulrich ter som de lata de tinta, ao vivo, a sensação foi completamente diferente, deixando a música pesadíssima, num dos melhores momentos do show, para surpresa de muitos ali.
As surpresas não paravam, com o Metallica trazendo na sequência nada menos que “No Leaf Clover”, do álbum ao vivo “S&M”, gravado com a Orquestra Sinfônica de São Francisco. Também inédita em São Paulo, a bela canção serviu para o público dar uma respirada e contemplar o momento mais calmo do show.
Mas esse momento duraria pouco, já que o Metallica emendaria em seguida 4 superclássicos que o fã de carteirinha nunca reclama: “For Whom the Bell Tolls”, “Creeping Death”, “Welcome Home (Sanitarium)” e “Master of Puppets”. Com efeitos magníficos no incrível telão e muito peso, a banda terminou a primeira parte do show com chave de ouro. Destaque para a proliferação de rodas de mosh em “Creeping Death” e “Master of Puppets”, como manda o bom e velho thrash metal.
Após brevíssima pausa, o Metallica retornou ao palco para tocar mais uma inédita em São Paulo. Desta vez, “Spit Out the Bone”, do mais recente álbum, “Hardwired… to Self-Destruct”, de 2016, veio acompanhada pela bandeira do Brasil no telão gigante com o logo clássico do grupo.
Foi aí que o fã mais atento lembrou que o próprio título da turnê, WorldWired Tour, dava a entender que o grupo apresentaria canções do disco recente. Com os inúmeros cancelamentos gerados pela pandemia, a banda passou a focar no aniversário de 40 anos, completados em 2021, e, com isso, privilegiado foi o público que esteve no Lollapalooza em 2017, tendo a oportunidade de presenciar cinco faixas do álbum: “Hardwired”, “Atlas, Rise!”, “Now That We’re Dead”, “Moth Into Flame” e “Halo On Fire”.
Reclamação no show do Morumbi? Nenhuma, já que o Metallica entregava ali um concerto histórico em São Paulo.
As duas últimas faixas na capital paulista em 2022 repetiram, por sinal, o roteiro do show no Lollapalooza. “Nothing Else Matters” e “Enter Sandman” completaram a apresentação de gala do Metallica, deixando os fãs extasiados e felizes.
Foi sem dúvida o maior espetáculo trazido pelo Metallica a São Paulo. Quanto à questão musical e técnica, os shows de 1989, 2010 e 2017 podem ter sido melhores, assim como a apresentação histórica do grupo no Rock in Rio, em 2011, continua sendo imbatível por uma série de fatores marcantes para a banda e para o público de 100 mil pessoas naquele festival.
O que já nem se discute, porém, é o gigantismo do Metallica no cenário musical. Desde que rompeu as barreiras entre o underground do thrash metal e o mainstream, a banda viu seu público multiplicar assustadoramente. Altos e baixos à parte vivenciados na fase entre os álbuns “Load” e “St. Anger”, desde que o grupo emplacou o disco “Death Magnetic”, seu tamanho pode ser mensurado pelas grandes turnês e shows.
Já há algum tempo, não há nada errado em comparar os espetáculos do Metallica ao outros gigantes dos shows, como os Rolling Stones, o U2 e o AC/DC. Quem esteve no Morumbi no dia 10 de maio de 2022 não tem mais dúvida alguma sobre isso.
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