Um guitarrista com pegada de música erudita apaixonado por jazz e Bob Dylan. "O cara não pode ser ruim", diria o magrelo de voz fininha. O grandão de mãos pesadas olhou meio torto para o franzino esquisito com cabelo esquisito.
A rapidez dos dedos nos braços da guitarra e o som estridente e sólido convenceram Jon Anderson e Chris Squire de que Steve Howe era o cara certo para o som grandioso que queriam para o Yes.
O rapaz franzino se tornou referência histórica para o rock progressivo com seus fraseados eloquentes e seu timbre cristalino, além dos inventivos riffs e efeitos que emanavam de seus pedais e das mesas de som dos estúdios.
Howe, que completou 75 anos de idade, não era desconhecido quando entrou para o Yes, em 1970. Já tinha adquirido sólida reputação de instrumentista de primeiro nível na banda Tomorrow e em outros combos ingleses. A questão era como encaixar um cara virtuoso, muito técnico e ambicioso no som ainda mais ambicioso da banda.
Peter Banks, quer tocara guitarra nos dois primeiros discos o Yes, rejeitava a aura de "inovação" que a banda estava tomando. Embora gostasse do som psicodélico e do viés beatlemaníaco, queria mesmo era fazer um blues rock calcado no rhythm and blues e resistia às sugestões da banda por mudanças. Não era genioso, mas demonstrava insatisfação com o som mais elaborado requerido.
Cada vez mais distante do resto do grupo, Banks pressentia que seria "ejetado" e resolveu facioitar as coisas. Howe estava na mira, mas havia desconfianças de que o encaixe seria demorado.
Um engano enorme dos dois líderes. Howe tomou a liderança melódica e empurrou a seção rítmica - o baixista Chris Squire e o baterista Bill Bruford - para um patamar mais elevado.
O tecladista Tony Kaye, entrosado com Banks, sentiu que perdia espaço e levou um, baque. Sairia pouco depois, em 1971, soterrado pelas toneladas de riffs grandiosos do novo guitarrista.
Seu substituto, Rick Wakeman, dos Strawbs e com um ego gigantesco, assim como seu talento, casou bem com as endiabradas aventuras de Howe, mas logo viriam as colisões de dois pretensos líderes e com egos estupendos.
A disputa por espaço e as "assembleias" intermináveis para discutir aspectos musicais nos ensaios logo empurraram Bruford para fora e para as baquetas do King Crimson. Menos virtuoso, mas mais afável, o baterista Alan White (morto no final de maio passado, aos 72 anos) chegou para acalmar tudo e servir de liga para o que se chamou a formação "clássica do Yes" a partir de 1972.
Apesar das "colisões e choques de ego", o virtuosismo de Howe e Wakeman serviu de mola propulsora da banda e tornaram possível a realização do disco "Close to the Edge", uma obra-prima, em 1972, e uma obra colossal, embora incompreendida, que foi "Tales From Topographic Ocean", no ano seguinte.
Com a saída de Wakeman, em 1974, a guitarra de Howe reinou soberana e assim continuou depois de 1977, que marcou o retorno do tecladista. O guitarrista já mandava bastante e acabou influenciando diretamente nos rumos cada vez mais progressivos do Yes.
Quando a banda acabou, em 1981, sufocada pela autoindulgência e pela falta de horizontes, Howe percebeu que estava na hora de mudar e não hesitou em abraçar o mundo pop com o Asia, ainda em 1981, e o GTR, anos mais tarde, com o então amigo Steve Hackett, ex-guitarrista do Genesis.
Foi um acerto, no seu ponto de vista, já que o Asia foi um estrondo, com a conjugação inteligente entre a guitarra faiscante de Howe e os teclados menos exuberantes de Geoff Downes. Pena que tinha um novo Yes no caminho.
Os ex-Yes Chris Squire e Alan White quase montaram um grupo com Jimmy Page, então ex-Led Zeppelin - o XYZ - em 1981 (Robert Plant, outro ex-Zep, chegou a ir a alguns ensaios), mas o projeto fracassou.
Com outro ex-yes, Tony Kays nos teclados, começaram a articular o Cinema em 1982. Apostaram na guitarra de um jovem talentoso sul-africano, Trevor Rabin, novato em Los Angeles (Estados Unidos), que seria o também o vocalista e o maior responsável pelas composições e produção mais pops e acessíveis.
O quarteto não contava com a visita aos estúdios de Jon Anderson, que tinha parceria com o tecladista grego Vangelis na época. O cantor adorou o material do Cinema e convenceu Squire e Rabin a aceitarem-no no projeto. Mais ainda: que houvesse a troca do nome para Yes.
Howe se sentiu traído por não ter sido convidado para esse novo Yes renascido e ficou irado com o sucesso da nova formação, que superou Asia.
Equilibrando-se entre o Asia, o GTR e uma carreira solo elogiada, Howe embarcou em uma aventura desastrada: Anderson, Wakeman, Bruford & Howe, uma espécie de Yes paralelo, em 1989.
Brigado com o Yes, Jon Anderson saiu da banda em 1988 e reuniu antigos membros o grupo para reviver uma espécie de Yes clássico, inclusive usando o nome.
Quase deu certo, mas Squire tinha sido mais rápido e registrado o nome em seu poder. Além do mais, a banda Yes, com Squire e White, continuava existindo.
"Anderson, Bruford, Wakeman & Howe", o disco, era uma espécie de caldo requentado do que o Yes tinha feito nos anos 70, mas sem nenhuma inspiração, mas teve boa repercussão, a ponto de inspirar uma turnê grande e a possibilidade de um segundo disco.
Steve Howe teve de ter convencido a continuar no projeto, mas ficou irado quando Anderson e os empresários sugeriram uma "união" com o Yes em 1990.
As duas bandas estavam trabalhando separadamente, e o vocalista e o baixista Squire fizeram novamente as pazes. Não se sabe bem quem teve a ideia esdrúxula, mas quase todos toparam juntar tudo o que estava composto sob o nome Yes em um álbum chamado "Union".
Pela primeira vez, e por poucos meses, o Yes seria um octeto. Howe foi contra, mas acabou sendo convencido a participar do projeto, que deu certo parcialmente. Em 1992, o Yes quase acabou de novo, mas voltou a ser um quinteto.
A partir de 1995, Trevor Rabin decidiu se dedicar às trilhas sonoras para cinema e saiu do Yes, sendo substituído por Howe de forma definitiva. Nunca mais saiu e acabou se tornando o chefão com a morte de Squire, o que inviabiliza a volta de Jon Anderson.
Frequentemente incluído em listas dos 100 guitarristas mais influentes do rock, Howe divide seu tempo entre o Yes e a carreira solo, que hora se inclina para a folk music, ora para a música erudita e não parece inclinado a voltar a gravar álbuns com trabalho inédito da banda - os dois lançados desde 2008, com os vocalistas Benoit David e Jon Davidson, fracassaram em todos os sentidos e são esquecíveis.
Questionado na Inglaterra se a turnê atual pode ser a última da banda, Howe escorregou e apenas disse que o momento é para desfrutar a possibilidade de revisitar um material "mágico e vigoroso" que se mantém relevante 50 anos depois de sua criação.
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