sexta-feira, 20 de maio de 2022

O blues paulista lidera a retomada em tempos de pandemia

Esperança e glória por resistir e retomar a vida, com alguma dificuldade, mas com superação e gratidão. A volta é um caminho necessário e terapêutico, seja à escola, ao trabalho, aos palcos. E palco é vida, como sempre disse o guitarrista Hélcio Aguirra, do golpe de Estado, morto em 2014.

Era óbvio que não seria fácil, mas a vida está seguindo. O pessoal do blues brasileiro está voltando devagar, sem aquela febril atividade que caracterizou o gênero em alguns períodos. Já estava assim antes da pandemia de covid-19. O impacto da doença foi quase fulminante, mas os blueseiros respiraram fundo.

O guitarrista Nuno Mindelis escreveu um livro com cores autobiográficas e fez uma bela reflexão sobre a vida de refugiado enquanto a guitarra pedia passagem, ao mesmo tempo em que outro guitarrista, Duca Belintani, burilava o projeto pedagógico "Blues na Floresta" e dava toques finais aos primeiros singles de seu futuro álbum.

Completando a trica, Filippe Dias engata uma campanha de financiamento coletivo para terminar seu próximo trabalho, que promete ser mais blues e menos soul do que o EP de estreia, "Borderline".

Mindelis está divulgando o primeiro single depois que lançou o festejado "Angola Blues", trabalho cantado em idiomas africanos e imerso na cultura daquele continente.

Angolano de nascimento e brasileiro de coração, revisitou suas origens e cometeu uma obra-prima de rara beleza e qualidade. Já conhecido internacionalmente,  guitarrista ganhou fartos elogios mundo afora, só que sentiu que era a hora de voltar ao blues tradicional, digamos assim, gênero que o catapultou ao cenário nacional e internacional ainda nos anos 80.

"That's What It Is" é uma imersão ao cancioneiro próprio, com várias características que o distinguem como um instrumentista elegante e com infinitos recursos. 

É um blues com cara de Chicago, com fraseados sofisticados e certeiros, limpos e claros. Caberia perfeitamente em "Angels and Clowns", o disco de 2012 onde exibiu toda a sua variedade de repertório.

Não há como não admirar a simplicidade e, ao mesmo tempo, a riqueza de arranjos em uma canção igualmente simples, mas que esbanja bom gosto e qualidade. 

Mindelis é um raro guitarrista que tem o domínio completo de seu ofício, dai a simplicidade com que toca, compõe e causa grande impressão no ouvinte. Sua atenção aos detalhes impressiona, com um toque cheio de suingue e um groove que faz o seu blues ser bem diferente.

O guitarrista Duca Belintani, de São Paulo, foi um dos primeiros do blues brasileiro a abrir as gavetas e colocar novidades na praça. Duas músicas novas, que farão parte do novo disco, anunciam a nova fase.

Ele teve algum tempo para desfrutar de um projeto muito bem-sucedido antes que o mundo parasse. “Blues da Floresta”, álbum autoral de cunho pedagógico, foi altamente elogiado pelo conteúdo educativo acessível para crianças e pré-adolescentes ao adaptar contos do folclore nacional para a música. A covid-19 interrompeu o projeto.

"I’m Back" e "A Long Time", as novas canções, são frutos de um trabalho iniciado antes da pandemia, mas parecia que Belintani previa o que viria. São canções que casam muito bem com o momento de retomada das atividade artísticas.

"No final de 2019, após um show que havia acabado de fazer, resolvi que o novo trabalho seria no seguinte formato: lançar de duas em duas músicas, mas não nas plataformas de streaming, mas e sim em Vinil 7” (compactos). Seriam quatro ou cinco compactos, mas a pandemia mudou os planos", explica o guitarrista.

Ele gravou as canções em dezembro de 2020 e imaginava que as bolachinhas d vinil estivessem, prontas rapidamente, mas em janeiro de 2021 recebeu a informação de que a primeira leva só ficaria pronta entre 60 a 90 dias. Aí veio a pandemia.

"A fábrica só pôde operar em setembro e fui retirar os discos em novembro de 2021, que foi um ano em que nada foi possível ser feito. Parada total", contou Belintani. "Nesse período de pausa fui produzindo e gravado, mesmo com dificuldades e com todos a distância. Sem muita receita de shows e com o valor do dólar em alta inviável de lançar tudo em vinil."

Empolgado com a retomada da carreira, planeja lançar mais músicas ao longo de 2022 e, quem sabe, finalizar um álbum e lança em CD,
 
"I’m Back" teve boa receptividade em algumas rádios americanas em janeiro. É um blues mais próximo do rock, A produção simples realçou as linhas de guitarra, com fraseados limpos e rápidos em cima de uma batida marcante.

"A Long Time" segue por um caminho mais tradicional e, por enquanto, é apenas um bônus que sai apenas em compacto de vinil – são poucas as cópias – e poucos os felizardos que as possuem. Belintani não prevê lançá-la digitalmente, por enquanto.

Em relação ao último álbum de blues tradicional do guitarrista, "How Long", as novas canções se encaixam como uma sequência.
 
Belintani não é um estilista e não apela para arroubos guitarrísticos ou solos monumentais – nada contra isso. Consegue dosar de forma equilibrada fraseados elegantes e dedilhados incandescentes nos solos, o que acaba sendo uma característica de instrumentistas brasileiros do gênero, como Cris Crochemore, Big Gilson, Netto Rockfeller e Igor Prado.

As novas músicas de Duca Belintani são ótimas notícias para estimular a retomada de um mercado ainda sob grande impacto da pandemia.

O mais novo da trinca, Filippe Dias retoma os trabalhos no estúdio para um novo disco. Já lançou dois singles neste mês de março como aperitivo do que está por vir, e impressiona pela maturidade e pela qualidade das canções. O EP registrado há alguns anos, “Borderline”, que é excelente.

Em suas palavras, “‘Till I Get Her Back Again” traz reminiscências do blues elétrico de Howlin’ Wolf e Muddy Waters, com uma sonoridade moderna, base rítmica pulsante e riffs contundentes”, o que é verdade.

A outra música é um contrates, um blues raiz, acústico, "inspirado por Blind Blake, Blind Willie Johnson e Led Zeppelin, gravada em um violão Dobro dos anos 60 em afinação aberta".

Dias é um instrumentista versátil, que transita com facilidade entre o blues tradicional acústico e o blues rock, passando pela soul music. Seus dedos ágeis constroem uma cama sólida para solos mais incandescentes e a busca por riffs mais identificados com o rock. O resultado costuma ser ótimo.

Filippe Dias mantém aberta uma campanha de financiamento coletivo pra ajudar a terminar as gravações. O link para colaborar e ter acesso ao disco e outros brindes é esse – clique aqui.

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