sábado, 14 de maio de 2022

O maior gesto de solidariedade entre roqueiros faz 55 anos

 Imagine os músicos do U2 decidindo fazer uma versão de uma música do Metallica, ou do Iron Maiden, para ajudar financeiramente essas bandas por conta de um problema judicial que poderia levar os homenageados à falência? Imagine isso acontecendo entre Oasis e Blur, ou vice-versa? Ou oFoo Fighters fazendo o mesmo em relação a qualquer banda grande, do mesmo tamanho?

Foi mais ou menos isso o que aconteceu há 55 anos, naquele que pode ser considerado o maior ato de solidariedade entre bandas gigantes de rock em todos os tempos. The Who lançou dois singles com versões de clássicos dos Rolling Stones em 1967 para manter o trabalho dos amigos em alta enquanto estes tentavam se livrar da cadeia. Ganharam a gratidão eterna de Mick Jagger e Keith Richards.

Em uma perseguição policial e judicial absurda por conta de uma vingança envolvendo jornalistas sensacionalistas e policiais corruptos e preconceituosos, Jagger e Richards - e mais tarde, Brian Jones - foram presos e processados por estarem de posse de quantidades muito pequenas de drogas. 

A batida policial foi considerada ilegal por muita gente, mas não intimidou os agentes da lei que decidiram invadir a casa de Richards durante uma festa graças a uma "denúncia anônima".

Os dois músicos ficaram uma noite na cadeia e foram libertados, mas ficaram sujeitos a uma pena de 18 meses de reclusão, caso fossem condenados pelas mais brandas alegações. Foram meses de processo - e gastos - que colocaram a continuidade dos Stones em risco, como admitiram mais de uma vez Jagger e Richards.

O caso absurdo gerou comoção nacional e indignou até mesmo gente que odiava os Stones, como vários circuitos conservadores. Não que fossem simpáticos aos músicos. 

O problema era o flagrante abuso policial e judicial, além da desproporção da punição e do processo em relação ao delito - os músicos estavam sendo tratados como grandes traficantes por portar quantidades mínimas de drogas e substâncias ilegais.

O caso foi tão complicado que gerou um editorial em defesa dos Rolling Stones e do estado de direito/direitos civis do jornal The Times, uma espécie de Estadão de Londres, conservador até a medula óssea. Para o jornal, o abuso poderia gerar precedentes muito perigosos para sempre.

A pressão deu certo, e as punições foram abrandadas e os dois músicos escaparam da cadeia, em um caso que representou um ponto importante na luta contra os abusos do Estado e pela valorização dos direitos civis.

A polêmica durou três meses, mas colocou em xeque a carreira dos Stones. Pete Townshend, guitarrista do Who, amigo chegado de Jagger e Richards, foi o principal artista inglês a se engajar na campanha contra os excessos judiciais que o "sistema" infligia aos Stones.

Com a concordância da banda, anunciou publicamente que o Who gravaria e lançaria uma música dos Rolling Stones por mês enquanto o processo durasse como forma de ajudar os amigos a manter o trabalho em alta.

A toque de caixa, m uma versão urgente, apressada e mal mixada, o Who lançou "Under My Thumb" poucas semanas depois da prisão. O trabalho de baixo de John Entwistle é magistral, mas os vocais de Roger Daltrey estão estranhos, fanhosos, como se tivesse cantado com algum tipo de filtro ou megafone. Entretanto, o sucesso foi imediato.

Quase 30 dias depois, chegou às rádios "The Last Time", desta vez mais bem cuidado e bem produzido, com a guitarra à frente bem timbrada. Já os vocais de Daltrey foram gravados com mis cuidado e mais empolgação, embora respeitando demais as linhas originais de voz de Mick Jagger.

Antes de decidirem pela terceira canção, o caso teve um desfecho satisfatório e Townshend e Daltrey posaram ao lado dos vitoriosos ao final da campanha. 

Nunca mais foi necessário que o Who encampasse coisa semelhante. Quando Keith Richrds foi preso com drogas pesadas no Canadá, em 1977, Townshend manifestou apoio público, mas só, já que a coisa era bem mais complicada e, efetivamente, o stone era realmente culpado. Em processo longo, Richards só se livrou da condenação em 1979 ao prestar serviços comunitários e realizar dois shows beneficentes.

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