quinta-feira, 23 de junho de 2022

Como o Black Sabbath desperdiçou a sua 'segunda chance' há 40 anos

 Dez anos depois a decadência. Fato bastante corriqueiro no mundo do música, mas que sempre choca quando se trata de um gigante do rock. A banda que praticamente criou o heavy metal tentava iniciar a sua segunda década de vida desprezada pelo mercado, sem vocalista e sem perspectivas.

O Black Sabbath demitira finalmente Ozzy Osbourne em 1979 por uma série de motivos - o cantor já tinha debandando no ano anterior, mas decidira voltar. "Never Say Die", o último disco daquela fase, era bom, mas muito diferente do que se esperava - mais técnico, menos pesado. A crise piorou e Ozzy foi demitido na mesma época em que estava enlutado pela morte do pai.

E então veio a segunda grande chance de voltar ao topo, mas que foi desperdiçada por questões de ego e dinheiro. Há 40 anos, o quarteto implodia em pleno sucesso e ficaria no ostracismo pelos próximos 15 anos, chafurdando em mudanças de formação e álbuns que foram quase que ignorados perlo grande público.

Em sua autobiografia, "Iron Man", o guitarrista Tony Iommi, indiretamente, concorda que foi realmente um desperdício, por mais que não se mostre arrependido pelo fim daquela encarnação do Black Sabbath de 1980-1982 - ele, Geezer Butler (baixo), Ronnie James Dio (vocais) e Vinnie Appice (bateria).

"Havia muita intriga durante a mixagem do ao vivo 'Live Evil' e nos deixamos levar pelas discussões e diferenças a respeito de como deveria soar o disco. Eu via Ronnie paranoico e tive de tomar providências", relata Iommi no livro.

Muita gente não acreditou quando a potência Black Sabbath ressurgiu com força em 1980, e menos ainda quando o "dream team" do metal implodiu menos de dois anos depois.

Tudo era improvável. Ronnie James Dio, um estupendo cantor, ficou incógnito praticamente por 20 anos nos Estados Unidos até ser "descoberto" por Roger Glover, baixista do Deep Purple que começava a engatinhar na carreira de produtor.

A banda ELF tinha Dio nos vocais, mas parecia empacada no mercado depois de três álbuns em que misturava rock, blues e country. Quando saiu do Deep Purple, Glover adotou a banda e a produziu, mas as vendas boas não vieram.

Dio já tinha 33 anos de idade em 1975 e temia continuar no quase ostracismo. Foi então que o rock pesado surgiu em sua vida com o convite de Ritchie Blackmore para cantar em seu primeiro disco solo. Na verdade, a banda ELF serviu de suporte para o então ex-guitarrista do Deep Purple.

O disco solo virou o primeiro da banda Rainbow, capitaneada por Blackmore , e o mundo descobriu a qualidade e a imponência da voz do baixinho Ronnie James Dio. Finalmente ele se tornava uma estrela.

Foram três anos de convivência conturbada com o irascível e excêntrico - e controlador - Ritchie Blackmore, que decidira enveredar pelo pop e gravar canções de amor. Era o que Dio precisava para sair do grupo - outras fontes dizem que foi demitido por bater de frente com o "chefe".

Dois perdidos no desvio

Encontros casuais com Tony Iommi e Geezer Butler em Los Angeles, em 1979, deram a letra para que houvesse algum entendimento. Havia receio de todos os lados, mas o entrosamento veio rápido.

Dio temia a liderança forte de Iommi, recordando a experiência ruim anterior. O guitarrista do Sabbath temia trabalhar com um músico mis velho e de personalidade forte. Será que o Black Sabbath seria descaracterizado.

Em processo de divórcio, Butler não participou dos primeiros ensaios. Iommi e Dio (tocando baixo) viram que havia química entre os dois, auxiliados por Geoff Nicholls (um amigo de Iommi e músico de apoio) no teclados e na bateria - Bill Ward, em recuperação alcoólica, só se integraria muito tempo depois.

As primeiras composições surgiram e foram lapidadas com o retorno de Butler. No final de 1979, veio o anúncio do novo cantor do Black Sabbath. Era uma formação poderosa, que logo encararia uma turnê e as gravações de um disco.

Dio impressionou pela potência vocal e pela adaptação ao repertório antigo do Black Sabbath. Ozzy Osbourne continuava sendo "deus", mas o baixinho americano deu nova vida ao grupo com suas interpretações poderosas. Os shows ainda eram irregulares, mas percebia-se que havia uma energia atômica prestes a ser liberada.

"Heaven and Hell", o disco novo, deixou todo mundo abismado com a qualidade e com o peso do Black Sabbath; Dio parecia feito para cantar heavy metal e a faixa-título era a maior prova. E ainda tinha "Neon Knights", "Live Evil", "Die Young"...

Era a ressurreição e a uma nova escalada dentro do rock. Nem mesmo os problemas de saúde de Bill Ward - que seria substituído pelo americano Vinnie Appice - ofuscaram a trajetória inicial. A sa´pida do baterista resolveu um outro problema, as constantes desavenças com Dio.

"Mob Rules", o disco de 1981, outro clássico, não teve o mesmo impacto do primeiro, mas vendeu bem, mantendo no Black Sabbath no topo. Já havia algumas fissuras dentro do grupo, mas todos mantiveram as aparências e seguiram em frente.

Iommi tinha as suas próprias paranoias e achava que Dio queria tomar conta de tudo e liderar o grupo. Geezer Butler não economizava nas desconfianças e ainda reclamava do estilo bruto e menos versátil de Appice.

Crise e separação

Com o fim das turnês no começo de 1982, vieram as férias e os planos para mixar oi primeiro disco ao vivo do Black Sabbath. E então as pequenas fissuras se transformaram terremotos destruidores.

Dio e Iommi estavam estremecidos desde o fim da turnê americana e não se entendiam na mesa de mixagem, a cargo do engenheiro de som Lee de Carlo, um bom profissional, mas meio depressivo e meio sem limites pra o álcool.

Iommi e Butler não entendiam os motivos de a mixagem estar de uma maneira à noite e, de manhã, estar de outra. Foram descobrir por meio de um chilique de Carlo: os dois faziam a mixagem e, na manhã seguinte, Dio aparecia e mudava tudo para deixar a sua voz na frente - o que o vocalista nega em sua autobiografia.

O clima azedou tanto que Dio e Appice decidiram deixar o Black Sabbath antes mesmo do final da produção do disco ao vivo - o baterista foi creditado como músico convidado, uma vingancinha infantil de Iommi.

O disco, duplo em LP, foi um sucesso de vendas, mas foi superado por "Speak of the Devil", o disco ao vivo solo de Ozzy Osbourne com canções do Black Sabbath, em todos os quesitos.

Se Dio tivesse permanecido na banda as coisas poderiam não ter degringolado como ocorreu em seguida? Muito provavelmente sim, a banda se recuperaria dos resultados não tão exultantes de "Live Evil" e poderia ter engatado uma sequência.

Em vez disso, Dio lançou clássicos solo como "The Last in Line" e "Holy Diver", clássicos absolutos em LP, enquanto o Black Sabbath submergia - "Born Again", de 1983, com Ian Gillan (então ex-Deep Purple nos vocais), se tornou um clássico, mas não decolou na época; e ainda teve "Seventh Star", de 1986, que deveria ser um solo de Iommi, mas gravadora o obrigou a lançar como Black Sabbath, com Glenn Hughes (ex-Deep Purple) nos vocais, que fracassou.

Idas e vindas

A tentativa de reconciliação daquele trabalho interrompido viria dez anos depois, mas duraria apenas meses - durante a bem-sucedida turnê de "Dehumanizer", Ozzy anunciou a sua "aposentadoria" e queria fazer um show de despedida com a presença do Black Sabbath.

Para decepção de Dio, Iommi e Butler aceitaram fazer um show de abertura e, ao final do dia, depois de Ozzy se apresentar, tocar quatro canções antigas da banda - e foi o que aconteceu. Dio se recusou a participar e abandonou o posto. 

Naqueles dois shows de dezembro de 1992, Rob Halford, do Judas Priest, foi o vocalista. Vinnie Appice também saiu para trabalhar com Dio de novo.

Em 1997, finalmente Ozzy aceitou se reunir os antigos companheiros para gravar duas músicas inéditas, uma turnê e um disco ao vivo. E assim foi até 2005, quando Ozzy decidiu retomar a carreira solo e não tocar com os antigos companheiros antes de 2008 ou 2009. 

Percebendo uma nova oportunidade, empresários convenceram Dio a gravar três músicas inéditas com Iommi e Butler para uma coletânea de sua passagem pela banda. Surpreendentemente, todos fizeram as pazes e o entrosamento voltou. 

Antes do anúncio do retorno do Black Sabbath com Dio, Ozzy e sua esposa e empresária, Sharon, ameaçaram todos de processo por causa do nome da banda, já que o vocalista original exigiu participação nos direitos da marca quando voltou, em 1997.

Então nasceu a banda Heaven and Hell, que lançou um álbum de estúdio muito bom e um ao vivo. A morte de Dio, em 2010, de câncer no estômago, encerrou definitivamente essa encarnação do Black Sabbath, que foi destruída por egos inflados no seu auge, em 1982


Nenhum comentário:

Postar um comentário