terça-feira, 14 de junho de 2022

Documentário destrincha como é ser músico no 'país do heavy metal'



Duas máximas a respeito do rock são bastante propaladas dentro da música, mas que quase ninguém nunca comprovou na prática: rock/ meta é um estilo de vida e é possível viver disso dentro de um contexto onde existe respeito e tolerância. Mas será que um lugar como esse existe, sendo que nem mesmo nos Estados Unidos isso foi uma verdade absoluta?

"Heavy Metal Civilization", um documentário de autoria das jornalistas Cristina Ornellas e Maila-Kaarina Rantanen tentam responder a essa questão e a provar que, se esse lugar não existe de forma perfeita, a Finlândia, no norte da Europa, é o local em que se chegou mais perto disso.

O documentário é uma das atrações do 14º In-Edit - Festival Internacional de Documentários Musicais, que ocorre de 15 a 26 de junho. Será exibido na Cinemateca Brasileira (nos dias 16 e 25, sendo que neste segundo o dia o jornalista Marcelo Moreira fará a apresentação e mediação de debate) e no Centro Cultural São Paulo (no dia 26).

A ideia do trabalho é mostrar os motivos de o metal ser um estilo de vida na Finlândia, ter ampla aceitação e ser considerado como um patrimônio cultural imaterial do país, assim como o rock, algo que outro gênero musical nunca alcançou com tanto sucesso - e olhe que a música erudita e bastante difundida no país.

O metal. embora não esteja mais no auge, sempre foi algo natural para os finlandeses, que nunca manifestaram intolerância e ou restrição à música pesada e extrema. A palavra-chave aqui é tolerância, que tem como suporte uma educação de primeiro nível e o estímulo a todas as manifestações artísticas, banindo quase que totalmente as formas de preconceito.

Sempre se soube que a Finlândia era um país do metal e do rock, mas coube a duas jornalistas com ligação com o Brasil a tarefa de sistematizar e tentar explicar o porquê de um gênero nascido nos Estados Unidos e aperfeiçoado na Inglaterra praticamente ter se tornado um sinônimo de manifestação cultural finlandesa, especialmente nos gêneros mais pesados e extremos.

Cristina Ornellas é brasileira e mora há nove anos no país europeu. Ela se tornou praticamente uma assistente em tempo integral do guitarrista brasileiro Kiko Loureiro (Megadeth, ex-Angra), que se casou com uma finlandesa e tem casa na capital do país, Helsinque.

Maila-Kaarina Rantanen é uma finlandesa que pode ser considerada a escandinava mais carioca que existe. Viveu alguns anos no Rio de Janeiro, cantou em diversas bandas e fala português sem sotaque, como podemos comprovar em vídeos que grava para a TV Penedo, no sul do Rio de Janeiro. Atualmente está em seu país natal.

O documentário é bem simples e curto, apenas 40 minutos de duração Sem rebuscamento ou sofisticação estilística, empilha depoimentos com os mais importantes músicos finlandeses de rock e heavy metal na tentativa de explicar o porquê de a Finlândia ser a |"terra feliz onde o heavy mnetal é um estilo de vida". 

Ok, faltaram alguns nomes, como Tuomas Holopainen (tecladista do Nightwish), Tarja Turunen (ex-Nightwish, mas que mora na Argentina e no Caribe), Timo Tolkki (ex-Stratovarius) e Timo Kotipelto (Stratovarius), mas isso não chega a influenciar no resultado final.

Como produto informativo, "Heavy Metal Civilization" é precioso por abordar de forma objetiva um gênero musical que recebe pouca atenção de documentaristas. Não consegue responder à pergunta principal, mas levanta tantas evidências com as várias entrevistas que oferece um panorama bacana para que o expectador consiga chegar a várias conclusões.

Duas coisas parecem ser unanimidade entre os músicos finlandeses: o alto nível de vida da sociedade finlandesa - país rico, que investe muito em educação e cultura - favorece demais a proliferação do metal dentro de um ambiente onde predominam a liberdade e a tolerância; país pequeno e gelado, que permanece 90% do ano no "inverno e no no escuro", não restando outra coisa para fazer a não ser estudar muito música e mergulhar de cabeça no heavy metal, como declararam ao menos dez dos músicos entrevistados  entre eles Kiko Loureiro, o único não finlandês ao lado de Scott Ian (guitarrista do Anthrax) a falar para as duas jornalistas.

Abaixo, leia uma rápida entrevista feita com a jornalista brasileira Cristina Ornellas, codiretora do filme:

Qual é o seu envolvimento com o heavy metal e o rock?

A música sempre foi o meu motor. Desde que me entendo por gente, me lembro de ter essas preferências musicais de forma espontânea. No decorrer da vida, trabalhar com isso aconteceu naturalmente. O documentário veio como parte de uma materialização desse amor pelo heavy metal.

Desde quando você está morando na Finlândia? 

Há nove amos!

Como surgiu a ideia do documentário?

Em algum momento, por volta de 2016,  me lembro de conversar com a Maila (Maila Karina Rantanen, codiretora) sobre a vontade de elaborar algo assim. A vontade era criar algo visual, que primeiro foi um canal no YouTube, hoje regido por mim apenas, mas que depois evoluiu para a ideia de um produto único, o documentário.

Hoje há apenas duas rádios rock em São Paulo, praticamente dedicadas ao clássico rock. O gênero no Brasil virou underground, com a diminuição dos locais para rock autoral ao vivo (até por conta da pandemia). Exatamente o contrário da Finlândia, onde há um espaço grande para a música pesada. Como é o cenário aí para bandas pequenas ou iniciantes?

Posso te dizer com certeza que essa queda também aconteceu aqui, inclusive é um assunto falado por vários artistas do gênero durante o documentário. Estamos num momento de maré baixa, pouco impulso, se comparado há 20 anos. As bandas novas têm um certo espaço, concursos internacionais como Eurovision têm tido muita abertura para rock e heavy. A audiência local ainda frequenta pequenos bares e vai aos shows. Mas, de forma menos intensa e efervescente, se comparado ao boom do metal finlandês entre 1995 e 2005. Atualmente temos em torno de quatro estações de rádio com esse foco. Ou seja? Podia estar bem melhor, mas podia ser pior também. A concorrência aqui e alta, e para se destacar tem que ser bom músico! 

O rock deixou de atrair os jovens no Brasil e nos Estados Unidos, já não "fala" mais língua deles, perdendo espaço para rap, hip hop, sertanejo e funk carioca. Os jovens finlandeses ainda se interessam por rock em nível maciço? 

Acredito que não mais, o baterista Gas Lipstick fala sobre isso, o rock deixou de ser rebelde há muito tempo, e na Finlândia também. E eu concordo totalmente com o pensamento: se é algo que seus pais gostam… logo ficou sem graça! E isso, misturado ao politicamente correto, tornou o rock sem sal! Não se pode fazer ou falar mais nada. Tem coisa menos atraente do que uma banda de rock e metal que não se expõe? Não se rebela? As bandas estão castradas! Sem paixão não tem adolescente que queira se associar aquilo!

Você tem algum trabalho concluído ou em andamento que envolva rock ou outro gênero musical?

Sim! Além de ter trabalhado como assistente do Kiko Loureiro (guitarrista do Megadeth, ex-Angra) nos últimos anos, estou lançando novos quadros neste mês no YuTube, no canal "Live After Midnight". Dus vezes por semana - terças e sextas - terei vídeos sobre "true crme", casos policiais envolvendo sempre artistas do meio do rock e metal! Chama-se "True Crime & Heavy Metal", nas terças. Às sextas-feiras serão vídeos lembrando o legado de ícones que já se foram,  "Life and Death of..", sempre falando de alguém que foi marcante pra história do metal, mas que já partiu. Além desses quadros fixos, continuarei com as entrevistas com músicos relevantes do gênero, e cobertura de shows também.

Como é o consumo de música (rock) na Finlândia? As vendas de produtos físicos ainda têm relevância?  Como a música ficou praticamente de graça e muito acessível, em grande parte do planeta a música ficou meio descartável, perdendo valor agregado e ficando "desimportante" para o usuário, que não valoriza mais o artista como antes.

Isso é algo interessante. O artista hoje não faz mais dinheiro vendendo música, ele vende a si mesmo! Nada NUNCA vai substituir a experiência ao vivo! Então, nesse ponto, o produto físico é o artista que performa bem ao vivo, em carne e osso. As vendas de merchandise existem, aqui todo show aqui tem a banca do artista, seja grande ou pequeno, a galera sempre valoriza! Usam mesmo! Não passo um dia sem ver alguém na rua aqui com camisa de banda! E ninguém te julga como esquisito! O pessoal curte muito! É algo que se manteve de certa forma mesmo com a queda do mercado!


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