domingo, 26 de junho de 2022

Há 45 anos, o último show de Keith Moon: um epílogo que não fez jus a sua genialidade


Muito já se disse a respeito do ator Robin Williams, que também era um dos comediantes mais celebrados e bem-sucedidos do cinema americano. Fazia rir como ninguém, apesar de sua vida depressiva e marcada por episódios bastante complicados, que culminaram em seu suicídio em 2014, aos 63 anos.

“Tears of the Clown” (Lágrimas de um Palhaço) intitula uma série de músicas dentro da música pop, entre elas uma do Iron Maiden (do disco “The Book of Souls) inspirada nele e dedicada a ele.

E bem que poderia ter sido inspirada e dedicada a outro notório palhaço que adorava fazer os outros rirem, mas nem sempre da forma mais bacana e lúdica.

Keith Moon, possivelmente o melhor baterista da história do rock, azucrinava, brincava, detonava e não parava quieto para tentar domar a hiperatividade e esquecer a solidão.

Moon, o Louco, da banda The Who, não era apenas força de expressão: ele agia como um louco e maníaco e fazia todo mundo crer que realmente tinha duas personalidades. Generoso, amoroso, brincalhão; perverso, maldoso, cínico, vingativo, ciumento e sabotador e autodestrutivo. Essa é a imagem terrível que fica quando se lê a biografia “Keith Moon – A Vida e a Morte de Uma Lenda do Rock”, de Tony Fletcher.

Diante das informações que lemos no texto, dá para imaginar como o transtornado músico estava vivendo em últimos meses - e como deve tr sido o martírio dele em seu último show, em 15 de dezembro de 1977, em Londres.

É evidente que não dava para cravar, na época, que seria o seu último show - morreria nove meses depois, em setembro de 1978, como consequência de uma overdose de medicamentos para combater o alcoolismo. No entanto, o atormentado baterista já dava sinais de que estava, no mínimo, desgastado e precisando de ajuda.

A última atuação de Moon em um palco de verdade foi gravada em vídeo e lançada em 2010 com o nome de "Live At Kilburn". É um epitáfio comovente, onde o baterista se esforça, dá o sangue e tenta reviver os seus melhores momentos, mas com pouca eficácia.

The Who chegava aos 13 anos de carreira com aquela formação - 15 desde que o núcleo de formara - em situação complicada, fora de forma e em crise criativa e de relacionamentos internos. 

Naquele dia, em Kilburn, em uma apresentação pra convidados e fãs mais dedicados, o quarteto buscava algum tipo de redenção, por mis que não admitisse. Foi um show meio "chutado", sem grande empolgação, com erros bobos além de conta e sem tanta dedicação.

O vocalista Roger Daltrey esteve quase impecável, mas o guitarrista Pete Townshend se mostra displicente e pouco preciso, deixando para o baixista John Entwistle a missão de manter tudo de pé lá atrás, driblando a inconsistência de Moon. 

O baterista tentava acompanhar a velocidade e a cadência dos companheiros, mas se mostra displicente, ora perdido. Não cometeu nenhuma atravessada atroz ou vergonhosa, porém estava em outra sintonia, longe da costumeira performance demolidora que costumava empurrar a banda.

Olhando em retrospectiva, Keith Moon fez apenas o suficiente em Kilburn para não tornar a apresentação um desastre. Era o que mais sentia falta das turnês, em um momento em que todos os integrantes buscavam alternativas para extravasar sua criatividade além de The Who.

Roger Daltrey estava firmemente convicto que se tornaria um astro de cinema, enquanto Pete Townshend tomava gosto por trabalhos solo e enveredava pela literatura. Já Entwistle nunca reclamou de ficar sossegado em casa remexendo nos arquivos da banda em busca de preciosidades pra futuros lançamentos.

Moon, afundado na bebida e nas drogas e jogando no lixo todos os tratamentos de reabilitação, tinha gravado um fracassado álbum solo - "Two Sides of the Moon", em 1975 - e ainda não aceitava a separação e divórcio da esposa, Kim. 

Depois das filmagens do longa-metragem "Tommy", também em 1975, e do fim, da turnê americana do mesmo ano, ficou à deriva. Só sobrou o álcool como companhia, seja em casa ou nas intermináveis noites pelos clubes noturnos de Londres. Para piorar, suas finanças pessoais, por conta dos gastos exorbitantes e desperdícios diversos, estavam no fundo do abismo.

Não deveria ter sido o último show de Keith Moon e nem deveria ser tão desleixado. Era uma pessoa em busca de ajuda séria - por mis que, na verdade, recusasse qualquer tipo de auxílio. Precisava de atenção, muito mais do que já tinha e menos do que necessitava. 

Mergulhado no tédio e na falta de perspectivas, e sem a ajuda dos companheiros, também em crises emocionais e/ou profissionais, Moon pedia socorro. Foi ouvido em parte, mas não da forma que necessitava.

Na emblemática canção "Won't Get Fooled Again", talvez a melhor de todos os tempos e o ápice de Pete Townshend como compositor, o guitarrista muda alguns compassos e segue uma trilha um pouco diferente do normal. 

Moon tenta fazer o de sempre, com um certo esforço adicional, e evita as mirabolantes viradas que caracterizam a canção. Parece mais cansado e menos esfuziante, em um esforço enorme para manter a concentração. Nada parecido com o vulcão de energia do Monterey Pop Festival, de 1967, ou da série mágica de shows na Inglaterra no primeiro semestre de 1970, registrada em parte no disco maravilhoso "Live at Leeds".

O esforço é louvável, Keith Moon recupera, aqui e ali, alguns momentos brilhantes, mas o cansaço mental predomina, e a banda se mostra pouco à vontade em quase duas horas de show. Exausto como se tivesse corrido uma maratona, o baterista parecia entorpecido ao final da apresentação, com cara de quem estava consciente de que as coisas não foram tão bem.

Se a ultima imagem é que fica, então Moon passou a ideia de que era um instrumentista ultrapassado e esgotado, em fim de carreira e pouco propenso a alterar o estado das coisas.

No meses seguintes, Moon continuou enfiando o pé na jaca, intempestivo, ciclotímico e com o humor oscilante, mas alguma coisa mudou. Já não estava mais disperso e displicente, e mostrou isso no estúdio, durante as gravações do disco "Who Are You", de 1978, lançado um mês antes de sua morte.

Ainda apresentava algumas dificuldades no estúdio antes inimagináveis, como na jazzística "Music Must Change" e na eletrônica "905", só que compensava com um certo brilho nos olhos de quem curtiu bastante voltar às gravações.

Também estava empolgado com o projeto do filme "The Kids Are Alright", uma espécie de documentário sobre a banda cm base em compilações de vídeos feita por um ardoroso fã.

A fita teria como ponto alto a exibição de dois "videoclipes" ao vivo de "Baba O'Riley" e "Won't Get Fooled Again", em registro de palco feito no começo de 1978 no Shepperton Film Studios, em Londres, com a presença de pouco mis de 400 espectadores - convidados, funcionários do local e do próprio filme.

Keith Moon continuava na vida de excessos e chegou ás gravações em estado lastimável, mas se transformou quando se sentou no kit de bateria. Recuperou a aura de indomável e tocou bem como há muito não o fazia, tanto que colaborou muito para que a banda fizesse a melhor performance ao vivo de "Won't Get Fooled Again" de sua história. O solo final de bateria é estupendo.

Em muitos aspectos, dá para dizer que essa performance o redimiu do quase fiasco de Kiburn meses antes, e poderia até enganar os menos informado a respeito do futuro da banda. Parecia que havia uma chance séria de recuperação do louco baterista.

Bem que ele tentou ficar longe dos excessos nos últimos meses de vida, mas as recadas eram muitas. Em um tratamento alternativo, digamos assim, passou a tomar remédios contra o alcoolismo - sem parara de beber. Não tinha como dar certo.

Em 7 de setembro de 1978, esteve presente na estreia de um filme sobre Buddy Holly, em Londres, produzido e financiado por Paul McCartney. Na festa, não bebeu as quantidades industriais que costumava beber, mas incomodou alguns convidados com falas inconvenientes e desconexas. 

Acabou indo embora cedo - ironicamente, a última pessoa com quem conversou foi Kenney Jones (ex-Faces e Small Faces), que viria a substituí-lo no Who um ano depois. 
Acreditando em milagres, abusou do remédio antiálcool alternativo, como se fosse fácil curar  doença com comprimidos. Tomou um monte deles e sofreu uma overdose durante a madrugada. Foi encontrado morto, na manhã seguinte,  pela namorada sueca.
 
O gênio da bateria morreu aos 32 anos de idade quando ensaiava uma recuperação artística mesmo que se recusasse a tratar a doença. Kilburn foi a derradeira visão de um baterista genial longe de sua forma, mas não fez jus à genialidade e ciativiade de Keith Moon.

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