segunda-feira, 12 de abril de 2021

O mundo perdia, há 30 anos, a fúria e a paixão de Steve Marriott

  Marcelo Moreira

 


A entrevista coletiva do guitarrista inglês Peter Frampton terminara havia minutos em um hotel em São Paulo, em 2010. Muito solícito, foi cercado no saguão por um alguns fãs e jornalistas ávidos por respostas. 

Um dos jornalistas não teve pudor e sacou de uma sacola um LP do Humble Pie, “As Safe as Yesterday”, de 1969, o disco de estreia da banda. Frampton pareceu surpreso, mas na verdade estava atônito. Fazia tempo que ele não via alguém lhe mostrar um álbum de sua segunda banda. 

Paralisado por alguns momentos, pegou o álbum de vinil, observou-o e só depois o autografou. Quando devolveu ao dono, disparou: “Excelente álbum, som fantástico. Toquei muito nele. Um salve à memória de Steve Marriott, que morreu há 20 anos.” 

Marriott, ex-guitarrista e vocalista do Small Faces e do Humble Pie, morreu no dia 20 de abril, em 1991, em sua casa no interior da Inglaterra. 

Exausto após uma viagem de avião vindo dos Estados Unidos, deitou na cama para descansar, mas acabou cochilando com um cigarro aceso entre os dedos. A casa pegou fogo e consumiu um dos maiores astros que o rock já teve.

Bom guitarrista e carismático, o jovem Martiott formou os Small Faces para tocar covers de rhythm & blues norte-americanos e clássicos rockabilly. 

O baixista Ronnie Lane, seu companheiro de banda e exímio compositor, perturbou-o para que criassem material próprio aproveitando a voz aguda e potente de Marriott. 

A mesca de rock dos anos 50 e rhythm & blues acabou dando certo e foram contratados ainda em 1965 pela Decca como uma resposta ao Who e aos Animals, que estavam estourando na mesma praia. 

E, assim como o Who, os Small Faces fora adotados pelo movimento mod, fanáticos pela música negra dançante dos Estados Unidos e que caprichavam no visual elegante, com terninhos e gravatas.  

 No ano seguinte, os amigos do Who – Kenney Jones, o baterista, substituiria Keith Moon na banda em 1979 – acabaram com essa história de símbolos dos mods e caíram de cabeça no rock and roll mais visceral. 

Os Small Faces ainda aguentaram até 1967 nessa situaçã um pouco constrangedora até que decidissem optar pela psicodelia e por letras mais abstratas, o que desagradou Ronnie Lane, até certo ponto. 

Em 1968 o quarteto entrou em declínio em termos de popularidade, ficando fora do topo das paradas na maior parte do tempo, apesar de estar no auge da criatividade, como o álbum "Ogden's Nut Gone Flake" demonstrou naquele ano.

Cada vez mais desinteressado, Steve Marriott começou a fazer jams com muitos músicos de Londres e começou a ficar fascinado com o blues pesado do Free, de Paul Rodgers. 

No final do ano, comunicou o Small Faces que estava fora e convenceu o novo amigo, Peter Frampton, da promissora banda The Herd, a criar um novo grupo para tocar um rock mais pesado, algo entre Free e Led Zeppelin. 

A formação clássica: da esq. para dir., Marriott (guitarra), Kenney Jones (bateria), Ronnie Lane (baixo) e Ian McLagan (tecldos) (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Em 1969 surgia o Humble Pie. Ao mesmo tempo, o trio remanescente do Small Faces – Ronnie Lane, Kenney Jones (bateria) e Ian McLagan (teclados) – se uniu a Rod Stewart e ao guitarrista Ron Wood, demitidos do Jeff Beck Group. Estava formado o The Faces, de sonoridade mais pop e folk. 

O Humble Pie, com Marriott e Frampton, surgiu como um furacão e logo ocupou o lugar do Free no coração dos apreciadores de blues pesado – o quarteto de Paul Rodgers sempre esteve envolto em conflitos internos e praticamente acabou em 1972. 

Mais entrosados do que nunca, Frampton e Marriott criaram verdadeiros clássicos do rock inglês, como “Natural Born Boogie”, “Wrist Job”, “Desperation” e “As Safe As Yesterday Is”. Mas não demorou para que o encrenqueiro Marriott começasse a implicar com Frampton, reclamando que o Humble Pie estava ficando pesado demais. 

Ele voltou a se interessar por soul music e rhythm and blues, enquanto que Frampton buscava algo mais acessível e pop, mesmo que fosse hard rock. As brigas constantes causaram a saída de Frampton no final de 1971, logo substituído por Dave “Clem” Clemson, que também era bom cantor além de guitarrista. 

O redirecionamento musical da banda foi imediato, mergulhando fundo na soul music clássica. O público, no começo, aprovou, mas depois abandonou o Humble Pie, que encerrou as atividades em 1975.  

Inquieto, Marriott tentou recriar os Small Faces em 1977 com Jones e McLagan, que estavam parados desde o fim dos Faces, também em 1975. 

Mesmo sem Ronnie Lane, que recusou para continuar sua bem-sucedida carreira solo (fez apenas um ensaio com os antigos companheiros), a nova encarnação lançou os fracos “Playmates”, em 1977 e “78 in the Shade” em 1978. 

Novas decepções, novas brigas e novo fim. Marriott então parte para o desespero e tenta reformar o Humble Pie. Peter Frampton recusa, assim como o baixista Greg Ridley. 

Ao lado do baterista original Jerry Shirley, contrata o vocalista e tecladista Bob Tench e o baixista Anthony Jones para gravarem “Go for the Throat” em 1980. Mesmo com as fracas vendas, ainda insistiram no ano seguinte com “On to Victory”, que teve desempenho pior ainda. 

O fim da nova encarnação do Pie era apenas uma questão de tempo. Nos anos seguintes Marriott montou bandas diversas para fazer shows solo pelo interior da Inglaterra e pela Alemanha, mas o máximo que conseguiu foi se tornar um cover de si mesmo, ainda que bastante admirado por uma legião fiel de fãs.

Os anos 80 foram de certo ostracismo, mas os 90's prometiam com uma renovada parceria com Peter Frampton, então reconciliado com o amigo e reenergizado após ter trabalhado por alguns anos com David Bowie. Não tiveram tempo de concretizar o trabalho: uma bituca acesa de cigarro pôs fim à vida de Steve Marriott quando ele tinha apenas 44 anos de idade.

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