Marcelo Moreira
Rock é um hobby bem caro. O que deveria ser uma piada de um empresário bem-sucedido soou como uma ofensa para o filho baterista que tocava em duas bandas e estudava cinco dias por semana com um professor renomado.
O filho decidiu voar e se tornou um baterista bastante requisitado no circuito São Paulo-Rio de Janeiro para artistas de jazz e rock, com o nome espalhado em pelo menos 30 encartes de CDs importantes. i
O currículo é esplendoroso, mas infelizmente não foi acompanhado pelo devido reconhecimento financeiro, o que o levou a ficar cada vez mais apertado, endividado e, para desespero geral, pendurado no desgostoso pai abonado.
A historinha acima é uma realidade cada vez mais recorrente na vida de músicos de todos os calibres no Brasil, e desde sempre. A pandemia de covid-19 apenas aprofundou a gravidade da questão. Ah, você é músico? Que legal, mas trabalha em quê? Qual a sua profissão?
É só vasculhar nas redes sociais para encontrar rapidamente histórias tristes de gente vendendo os instrumentos musicais e equipamentos para sobreviver - já são 13 meses sem shows ou festivais na maior parte do mundo.
Também são recorrentes os relatos de gente mudando de profissão, procurando emprego ou simplesmente fazendo bicos.
O guitarrista virou motorista de aplicativo, o cantor e gaitista se tornou barbeiro, baixista conseguiu uma vaga de atendeu de call center e alguns, bacharéis, voltaram, a dar aulas particulares ou retornaram pra rede estadual de ensino.
A tragédia do fim da música como fonte de renda e trabalho razoavelmente bem remunerado ficou evidente em duas declarações recentes de músicos importantes nas redes sociais.
Timo Tolkki, guitarrista finlandês e ex-integrante do outrora gigante Stratovarius, teceu muitas lamentações quando teve de cancelar um curso de música acoplado de palestras sobre o mercado.
Músico mundialmente conhecido, esperava ao menos vencer 50 ingressos/matrículas para o curso, que seria ministrado em inglês. Apenas cinco pessoas se interessaram.
"Nunca estivemos tão próximos do desastre", escreveu Tolkki. "A música como entretenimento ainda mantém a sua aura, mas já não rende em quase todos os aspectos. Quase sempre foi assim, mas desta vez não vejo perspectivas. Se esse mundo fosse justo, um gênio como André Matos [ex-Angra e Shaman, morto há dois anos] estaria milionário e não teria de cantar covers em bares para sobreviver."
O sempre bem-humorado e sincero Jordan Rudess, tecladista norte-americano que hoje está no Dream Theater, não amenizou quando falou sobre a carreira recentemente em uma entrevista para um site.
"Ser músico atualmente não dá dinheiro", soltou o tecladista. "Se quiser fazer música, procure ter alguma outra fonte de renda ou trabalho para que não haja preocupações maiores na hora de compor e gravar. Depender só da música neste momento não é viável."
Muitos vão dizer que, na verdade, sempre foi assim, principalmente no rock, onde artistas e compositores sempre foram os que menos ganhavam na cadeia financeira.
Pode até ser verdade., embora tal afirmação careça de dados confiáveis, mas havia, ao menos, algum tipo de perspectiva até o começo do século de que, mesmo no underground, haveria chances de se ganhar o suficiente para o suficiente. Era possível até mesmo viver de blues no Brasil, algo totalmente segmentado.
Hoje os músicos desta área ou estão migrando para o exterior ou mudam de profissão. O porto seguro de antigamente, os bares mais descolados e frequentados por uma galera mais antenada, há muito deixaram de ser uma opção, seja por estarem em extinção, seja por mudarem radicalmente a política de remuneração por conta da queda busca de clientes. Em tempos de pandemia e distanciamento social, não sobrou lugar algum para tocar.
Se a casa master de shows do jazz e do blues Bourbon Street, em São Paulo, está às vésperas de encerrar as atividades caso não encontre patrocinadores ou investidores, o que dizer dos inúmeros bares menores e menos conhecidos?
Alguns amigos não compram muito esses discursos de que não vale a pena ser músico, que o dinheiro sumiu e a música, em si, perdeu o valor agregado e a importância. Sempre sacavam do bolso os famosos exemplos da bandas underground bem-sucedidas, que ganhavam dinheiro entre os independentes e viviam fazendo turnês no exterior da antes da pandemia.
Na ponta da língua vinham os nomes de Autoramas, Boogarins, Far From Alaska, The Baggios, Electric Mob, Ego Kill Talent e mais dois ou três que, na verdade, nunca passaram de exceções, com suportes de conglomerados ou projetos em alguns casos, além, é claro, de terem um público cativo bastante numeroso.
Nunca passaram de meras exceções neste século em que a música e a cultura deixaram de ter a importância que tinham e o valor financeiro que mereciam.
As bandas citadas, infelizmente, são (ou foram) exceções. Também estão tateando em busca de um mundo novo pós-pandemia, se é que algum dia teremos o fim da pandemia ou um mundo novo...
A profusão de lives no período de confinamento trouxe in´meras ideias e discussões sobre como sobreviver dentro de casa e fora dos palcos, além de observar o surgimento de iniciativas e empreendimentos que tentam encontrar caminhos nesta terra escura e devastada.
Qual o modelo de negócio a seguir? O que esperar do tal NFT, a tal venda do trabalho/objeto não fungível, um conceito totalmente abstrato para a maioria das pessoas? Para saber mais sobre isso, leia aqui texto publicado neste Combate Rock.
Desde que a indústria musical como a conhecíamos implodiu neste século estamos em busca de algo que possa dar um suporte mínimo para os artistas, que estão optando por vender os direito sobre seus catálogos musicais - ou parte dos direitos - diante do desmoronamento do mercado. Bob Dylan não hesitou em fazer isso. Será que essa é a saída, mesmo para gente ziliardária?
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