Das situações mais improváveis, a artista mais engajada e ativa politicamente é a cantora Anitta, que pratica uma espécie de funk carioca eletrônico com toques pop de qualidade bastante discutível.
No entanto, sua coragem e rebeldia provocam espanto, admiração e inveja na maioria dos roqueiros caretas que se sentem confortáveis no mundo da isenção/silêncio ideológico(s) em tempos arriscados e perigosos.
A cantora não hesitou um minuto sequer em pregar no ano passado em apoio às urnas eletrônicas, atacadas diariamente pelo nefasto presidente da República e seus seguidores/cúmplices.
Ela dobrou a aposta e pediu nos palcos e nas lives diversas, e também em entrevistas, para que os jovens de 16 e 17 anos torassem título de eleitor para votar neste ano. Ganhou mais ira dos bolsonaristas, já que ela não escondia a antipatia ao capitão fascista.
Avançou mais quando citava vários descalabros administrativos, políticos e sociais, além de apoiar minorias, movimentos LGBTQIA+ e antirrascistas. Por fim, apostou tudo quando a violência política e social vitimou indígenas, negros e ativistas de esquerda/petistas, declarando oficialmente apoio e voto no ex-presidente Luiz Inácio Lul da Silva, do PT.
Mais do que ousada, foi uma atitude arriscada, perigosa e quase irresponsável quando se observa que é uma das cinco mais importantes e ouvidas artistas da música em todo o mundo.
Com milhões e milhões de seguidores onde quer que seja, é provavelmente a maior influenciadora digital do mundo hoje - e não pestanejou em escolher um lado na batalha pela sobrevivência da democracia e da civilização.
Ela deixou bem claro que não é filiada nem apoiadora de carteirinha, muito menos afinada ideologicamente com a esquerda de inspiração petista.
Declarou várias vezes que sua opção é a favor da civilização contra a barbárie; dos direitos humanos contra o ódio e preconceito; da paz contra a violência; da educação contra as armas; do conhecimento contra o obscurantismo; da democracia contra o autoritarismo; da modernidade contra o medievalismo de viés religioso. Fez muito mais e foi muito mais longe do que qualquer roqueiro.
Não é coincidência que Anitta tenha assumido a liderança artística nacional ao mesmo tempo em que Roger Waters subiu o tom contra espectadores conservadores e o Rage Against the Machine, tenha chutado canelas e bundas cm força em seu primeiro show em 11 anos.
Incomodado cm algumas vaias recebidas em canções consideradas engajadas e durante os rápidos discursos antifascistas em uma apresentação recente nos Estados Unidos, o ex-baixista e cantor do Pink Floyd disparou: "Todo mundo sabe o que esperas da minha música e do meu show. Portanto, sumam daqui; refugiem-se no bar e se encham de cerveja!"
No caso do Rage Against the |Machine, banda política e engajada por excelência, a coisa foi mais insana. Anos atrás guitarrista Tom Morello, em show solo já havia comentado a respeito, no palco, a "protestos" contra falas entre as músicas e a algumas canções: "Não é possível que, depois de 25 anos, só agora vocês tenham percebido - ou entendido - o que significam as mensagens".
Pois aconteceu de novo. Após o primeiro show de retorno, em Wisconsin, nos Estados Unidos, uma torrente de críticas ao "discurso político" da banda inundou as redes sociais.
Antes do show, o grupo já tinha anunciado a doação de quase meio milhão de dólares para organizações de direitos reprodutivos em Wisconsin e Illinois. Nos telões, frases como "Nazi Lives Don't Matter" (vidas nazistas não importam) e contra a decisão da Suprema Corte americana que derrubou a lei nacional que permitia o aborto - agora a decisão cabe a cada Estado americano. Ao menos 20 dos Estados imediatamente proibiram a interrupção da gestação ou estão em vias de fazer isso em breve.
O site Loudwire fez uma rápida busca no Twitter e pescou algumas pérolas, como essa: "Não há nada pior do que pagar para assistir a um show e receber uma aula sobre as crenças políticas da banda". Ou então essa: "Tô aqui escutando os tempos pré-políticos do Rage Against The Machine. Não era legal quando eles só tocavam guitarra alto pra caramba?"
O imbecil se referia a uma música de 1992, no COMEÇO da banda - "Know Your Enemy" fala sobre ignorância política e denuncia a "elite" - qualquer uma - como "inimiga do povo". O site Tenho Mais Discos do Que Amigos fez um texto onde expõe alguns dos tuítes dessa gente estúpida e ignorante.
São tempos tenebrosos e terríveis, certamente os mais perigosos para a democracia em boa parte do mundo desde a Segunda Guerra Mundial. No entanto, vamos reconhecer: não deixa de ser estimulante combater o fascismo, a ignorância e a deformação de caráter dessa gente que quer espalhar trevas e destruir a democracia.
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