Era apenas uma banda de Liverpool que tentava alguma sorte em Londres depois de a Decca tê-los recusado. "A moda das bandas de guitarras já passou", teria dito um executivo, referindo-se a uma certa tosquice daqueles quatro moleques e também com a perda de prestígio do grupo The Shadows - movido a guitarras.
Um selo periférico da EMI resolveu pagar ara ver e aceitou gravar um compacto com duas músicas naquele começo de setembro de 1962. "Love Me Do" e "P.S. I Love You", de autoria de dois dos integrantes do grupo, surpreendeu e foi bem nas paradas inglesas, e The Beatles iniciou a sua escalada para dominar o mundo.
Eram apenas garotos, o mais velho tinha 21 anos, mas era uma banda muito experiente e muito confiante. Os anos tocando em pardieiros de Liverpool e Hamburgo, na Alemanha, os colocaram na linha de frente de uma incipiente e quase inexistente cena pop inglesa. Com "Love Me Do", eles criaram uma cena o inglesa que dominaria o mundo.
A banda tomou forma a partir de 1956, quando John Lennon e Paul McCartney se conheceram em uma festa de uma igreja. Pau entrou para os Quarrymen, liderada por John, como guitarrista e alterou toda a dinâmica, pois era excelente músico aos 14 nos e sabia exatamente o queria.
George Harrison chegou dois anos depois apresentado por Paul e imediatamente ficou. Eram três guitarristas que faziam um som diferente e mais pulsante e presente.
Stu Sutcliffe, amigo artista, comprou um baixo depois de muita insistência, entrou na banda e ficou, mas não sabia tocar, o que irritava Paul.
Não durou um ano e decidiu virar artista plástico n Alemanha ao lado da namorada, a fotógrafa Astrid Kirchher. Morreu um ano depois vítima de um AVC (acidente vascular cerebral).
Paul herdou o baixo e se tornou um mestre do instrumento, elevando demais o nível da coisa. Tocando inicialmente como um guitarrista, criou novas formas e linhas de ataque ao instrumento, duelando com a guitarra base de John. Estava moldado o som dos Beatles.
Restava resolver o problema da bateria. O que fazer com Pete Best, o menos inspirado instrumentista que passou pelo grupo, mas amigo de fé desde sempre. Além do mais, era o filho da dona do Cavern Club, que catapultou a banda. Era o baterista dos Silver Beatles, depois Beatles, desde 1960 e tinha a sua própria e reluzente bateria...
Mas o sonho de consumo estava a pouca distância, nos quartos imundos ao ldo das pensões e dos cinemas abandonados de Hamburgo, na Alemanha. A banda Rory Storm and the Hurricanes, também de Liverpool, divida os palcos com eles na cidade portuária alemã. Eram amigos, mas também concorrentes, pois sabiam que eram as duas melhores bandas da cidade natal.
De forma incomum, o baterista de Rory Storm, Richard Starkey, era mais amigo dos Beatles, por mais que se desse bem em sua banda. Logo transformado em Ringo Starr, considerava os Beatles, que eram mais jovens, como um grupo mais "quente" e moderno - quando não mais pesado e envolvente. Chegou a brincar que um dia tocaria com aqueles "amigos".
Ele não sabia, mas era uma profecia/premonição. Em agosto de 1962, ele recebeu o convite para substituir Pete Best, que seria demitido dois dias depois. Era uma orientação do produtor George Martin, da EMI, que praticamente os "obrigou" a trocar de baterista.
O que Best e Ringo não sabiam era que desde o ano anterior a banda queria o baterista de Rory Storm, mas sempre esbarravam na difícil missão de demitir o amigo filho da dona do Cavern Club, um cara mais pacato e que não encrencava cm ninguém. OK, os Beatles ainda não tinham bala para pagar mais do que Rory Storm em 1961.
Depois de um ano e com um contrato grande prestes a ser assinado, não foi difícil convencer Ringo a trocar de banda, até porque não via perspectivas na semiprofissional Rory Storm and the Hirricanes. Estava correto, já que a banda nunca decolou.
Depois da recusa da Decca, os Beatles não impressionaram na EMI, mas George Martin, que dirigia um selo periférico, achou que dava para apostar naqueles quatro moleques insolentes e meio "acaipirados". Tinham músicas próprias, mas o repertório era vasto com versões de clássicos do rock americano.
Martin não gostou das canções apresentadas por eles e sugeriu uma agridoce e fraquinha para o primeiro single, "How Do You do It". Os músicos torceram o nariz e bateram o pé: tinham de ser "Love Me Do" e "P.S. I Love You", duas originais de John Lennon e Paul McCartney.
Dobraram o produtor, mas tiveram de ceder: assim como tinha odiado Pete Best, Martin achava Ringo muito ruim e sem cacife para uma gravação profissional. Tiveram de engolir um profissional de estúdio, Andy White, que tocou nas duas músicas da forma exigida pelo produtor.
Ringo tocou maracas nas duas gravações, mas conseguiu que a versão com ele na bateria fosse inserida no primeiro álbum da banda, lançado no começo de 1963.
O single foi um sucesso - não tão grande quanto os seguintes, mas o suficiente para colocar os Beatles no mapa da música pop da época, ou melhor: praticamente criaram a cena de música pop dos anos 60 na Inglaterra.
Também foi o suficiente para enquadrar Martin e todos no selo Parlophone: nunca mais nenhum músico seria imposto à banda e nunca mais ninguém obrigaria os Beatles a trocar algum integrante. Foi a vez de Martin engolir a exigência.
Com "Love Me Do", lançada h´60 anos, os Beatles mudaram a história da música pop e da cultura do mundo ocidental. Era o verdadeiro nascimento do maior fenômeno musical de todos os tempos, a melhor de todas as bandas de rock.
Praticamente tudo o que ouvimos hoje veio diretamente dos Beatles e de suas inovações e criações em estúdio. Elvis Presley, Chuck Berry e outros pioneiros começaram tudo e deram o pontapé inicial, mas a música moderna, como a conhecemos, guarda mais elementos e semelhanças com as criações dos Beatles do que com a música rockabilly/fifties (anos 50).
Se não fossem os Beatles praticamente explodirem há 60 anos, estaríamos ouvindo outra coisa, provavelmente não muito boa. E a maior prova disso é ver Paul McCartney nos palcos aos 80 anos de idade tocando e cantando muito bem vários dos hinos que imortalizou na história da cultura ocidental.
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