terça-feira, 26 de julho de 2022

Rock ativista e engajado: a raiva do Uganga e a mensagem direta dos Inocentes

 O rap deu a letra ainda lá nos anos 80: o buraco era bem embaixo, muito mais feroz do que se podia imaginar. E então Racionais MC's e Pavilhão 9 urgiram e mostraram que nenhuma banda de rock brasileira conseguiria ser tão contundente. Aquele rock branco, de classe média, nem chegaria perto...

E então os mineiros do Uganga, 35 anos depois, ousaram chutar a porta e colocar o dedo na cara, enquanto que os paulistanos Os Inocentes decidiram queimar tudo e resgatar a ferocidade punk e também colocar s punhos nos focinhos dos autoritários e inimigos da razão. 

São tempos difíceis e cruéis, mas a mesmo instigantes. Será que o combate pela liberdade justifica tanto entusiasmo? As duas bandas garantem que sim, para a redenção de quem espera muito mais do que o rock vem oferecendo na insurgência contra o fascismo e as ameaças à democracia. 

"Libre¹" e "Queima!" vêm na onda da pancadaria sonora e na contundência lírica que marcam o underground nacional desde o ano passado, quando os cariocas Detonautas Rque Clube ("Álbum Laranja") e Dorsal Atlântica ("Pandemia") assumiram a linha de frente para danificar o discurso autoritário e fascista do bolsonarista.

O Uganga parecia ter chegado ao ápice com "Servus", extraordinário álbum que recolocava as coisas nos lugares e chutavam muitas canelas. "Libre!" não é tão elaborado e rebuscado. É um EP que traz a urgência pesada com muita raiva e distribuição de pancadas para todos lados.

Se o som é cada vez mais thrash e hardcore, as letras estão ainda mais cortantes e bacanas, mais sofisticadas e mais desafiadoras, como em "Terra dos Ventos" e "Mal Vinda a Morte dos Teus Sonhos".  Guitarras pesadíssimas destroem os tímpanos em velocidades variadas, assim como em "IS 666", a melhor do EP.

"Libre", a faixa-título, flerta com o heavy tradicional enquanto os vocais de Manu Joker explodem nos falantes explicando didaticamente que ser livre é crucial, algo que também ocorre no rap pesado "Alguidar", a canção em que "alguém pensou em desistir, mas seguiu em frente e mudou tudo".

"Retrovisor" é uma homenagem aos "headbangers de Araxá" citados no rap, com sua ode à liberdade em um mar de riffs à la Anthrax com letra vociferada e cortante. 

Destoando do conjunto que pesa uma tonelada está "Depois do Dub", um reggae/dub que não acrescenta muito, por mais que ofereça uma chance ao ouvinte de saborear uma versatilidade que costuma ser bem-vinda em outras oportunidades. Não compromete, mas quebra o clima. De qualquer forma, "Libre!" é um trabalho primoroso.

Manu Joker não economizou nas palavras e aponta dedos em declarações n material de divulgação: "Apesar de ser um álbum curto, com pouco menos de meia hora, ‘Libre!’ deixa claras as várias referências da nossa música. Quem nos acompanha de forma atenta desde nosso início sabe que essa fusão de estilos sempre nos norteou e que a liberdade artística é algo que não abrimos mão."

Ele sabe que a posição de "vanguarda e de ousadia" trarão queixas principalmente do "fogo amigo", u seja, daqueles que deveriam se esforçar mais para entender os conceitos embutidos em uma bra importante no contexto atual. 

"Acredito que alguns puristas desinformados novamente vão se surpreender… Talvez sejam as mesmas pessoas que ficaram chocadas quando descobriram, 43 anos depois, que ‘The Wall’ do Pink Floyd é uma obra antifascista (risos)", afirmou o vocalista.

Os Inocentes decidiram manter o tradicionalismo do punk como todos se acostumaram. Não há peso, mas a urgência, a velocidade e a mensagem são as de sempre.

"Queima!" está sendo chamado de EP, mas na verdade são apenas duas músicas, o que antigamente era o compacto simples. Além da faixa em questão, tem também "Eu Quero Ouvir Ramones", que acaba sendo um equilíbrio em relação à contundência tão característica das letras do guitarrista e vocalista Clemente Nascimento.

As duas músicas foram (bem) gravadas no Wah Wah Studio, na cidade de São Paulo (SP), em 27 e 28 de abril deste ano de 2022, com eficiente produção musical de Michel Kuaker. A masterização foi feita por Carl Saff.

Mesmo sem nomear os bandidos de sempre, Os Inocentes se mostram antenados e atualizados, com um punk estilo 77 afinado estilisticamente com o que a banda sempre fez, mas com alguns detalhes que tornam "Queima!" uma canção contemporânea e no espírito do ativismo político que predomina nestes tempos difíceis.

Clemente e seus companheiros querem queimar a nova ordem mundial, conciliando o ativismo de sempre com  frescor de uma certa "inocência" que ainda perdura em muitos meios acadêmicos, estudantis  e políticos de esquerda. 

Que bom que isso ainda exista, ajudando a empurrar o ativismo para o que realmente importa em tempos onde o obscurantismo fascista nos espreita a cada dia. 

Os Inocentes nos lembram que o muno já foi mais simples e mais humano, ainda que as lutas nunca deixassem de ser encarniçadas contra as forças do atraso. 

É o tipo de saudosismo saudável, que no remete a trabalhos que marcaram época e que moldaram de alguma forma, o caráter e a trajetória de muita gente.

Nem, vale a pena ficar comparando o impacto que tais canções tiveram em cada época. "Panico em SP" é um clássico nacional, e "Queima!" começa a sua trajetória. 

Clemente não tem mais 20 ou 25 anos de idade - tem 59 e pensa de modo diferente, com mais maturidade e mais sabedoria, é óbvio. Mas a nova música exala frescor e contundência, nos lembrando sempre que contestar e questionar é fundamental para que consigamos suportar retrocessos e ignomínias. 

É bom lembrar para "essa gente" que prega o ódio, a morte e  preconceito que estamos aqui e que nunca seremos vencidos. Eles querem nos destruir, mas nós vamos queimar o "mundo novo" deles...

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