quarta-feira, 27 de julho de 2022

Precisamos resgatar o futuro, e 'cartas pela democracia' não ajudam muito



Quase 40 anos depois do fim das trevas, ainda buscamos um futuro - na verdade, qualquer futuro. Na encruzilhada das eleições, ainda se discute sobre "escolhas difíceis", como se fosse possível relevar a possibilidade de não haver democracia e assistir impassível ao ódio dominar todas as mentes.

"Num cemitério de ideias me vi sozinho/ Amanheceu o novo dia e tudo é sempre igual/ Um loop eterno de notícias tristes no jornal/ Mentiras e verdades que confundem o cidadão de bem/ Eu sei quem é quem, eu sei quem é quem/ Sua isenção que é o abrigo dos omissos", cantaram os Detonautas Roque Clube na profética canção "Carta ao Futuro". Mas que futuro?

No cotidiano coalhado de notas de repúdio e cartas bem-intencionadas, mas vazias de conteúdo e sem a contundência para fazer a diferença, só resta a hipocrisia de uma sociedade anestesiada e aniquilada em sua reação. 

Se nem mesmo a destruição da economia foi capaz de mover multidões, o que esperar de mais uma carta em "defesa da democracia? E pensar que em 2013 supostamente tudo foi por um reajuste de R$ 0,20 nas tarifas de ônibus...

Quando é necessário todos reafirmar a "crença na democracia e na sua força", é porque o jogo já está perdido. 

Quando é preciso que luminares do direito, juristas eméritos e importantes parlamentares escrevam e subscrevam uma carta aberta "apoiando a democracia e a sua manutenção", é porque a mesma democracia já está mais do que ameaçada - respira por aparelhos.

A tal "Carta em Defesa da Democracia" lançada pela Faculdade de Direito da USP, infelizmente, é tão falaciosa quanto todas as outras. Não será relevante e capaz de alterar o rumo perigoso de uma eleição á beira do ataque e do golpe fascista.

Até a note desta quarta-feira (27) a carta já tinha mais de 100 mil assinaturas. É capaz de ultrapassar as 500 mil até o domingo 31 de julho. 

Várias personalidades/celebridades aderiram, principalmente entre o pessoal das artes, do entretenimento e da ciência. O rock e a MPB mergulharam em peso, em um movimento letárgico e lento. Será que esse movimento não veio tarde demais?

Quando só restam notas de repúdio e cartas inúteis para defender a democracia é sinal de que perdemos, e logo no começo do jogo. 

Não há vozes capazes de mobilizar multidões contra as diárias medias inconstitucionais, como a nojeira migalha/esmola anunciada pelo governo federal a muita gente, em clara depredação da Constituição e da lei eleitoral - e com o apoio oportunista da oposição, em postura tão ou mais canalha que a do nojento governo fascista.

O vexame joga por terra qualquer efeito positivo da inútil carta da faculdade de direito, incapaz de sensibilizar nem mesmo o mundo sindical, outrora tão aguerrido - hoje não passa de um sistema frágil e falido, sem credibilidade entre o parcos trabalhadores minimamente conscientes e organizados.

E não adiante alardear a "adesão" de banqueiros e empresários graúdos, sócios e fiadores do desastre colossal que assola nossa sociedade e nosso país. Serviu apenas para confirmar que o governo é realmente fascista, a julgar pela manifestação de um ministro - "quem assina a carta está contra o presidente", ou seja, o presidente é contra a democracia...

Amanheceu o dia e é tudo sempre igual, como cravaram de forma certeira os Detonautas na música "Carta ao Futuro". São milhões de olhares perdidos em desespero, de muitos que sabem que serão abatidos, continuarão invisíveis e nada além.

E então temos mais uma carta, lida muitos e compreendida por ninguém, quando não desprezada por quase todos. Chega de cartas inúteis e notas esquálidas de repúdio desprovidas de sentido e relevância. Não dá mais para esperar que resgatemos o nosso futuro apenas nas eleições de outubro.

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