Flavio Leonel - do site Roque Reverso
O mês de setembro de 2023 marca o início das comemorações de 30 anos do clássico disco “Chaos A. D.”, do Sepultura. Pertencente à lista de álbuns clássicos do grupo e também da fase de ouro da banda brasileira, o disco agradou em níveis acima da média a crítica e o público, ampliando a legião de fãs de heavy metal do grupo em todo o planeta.Com a qualidade e peso que marcam a fase clássica do Sepultura, mas com elementos novos que trouxeram o grupo também para o groove metal, sem deixar o thrash metal de lado, “Chaos A. D.” também traz os primeiros sinais claros de que a banda brasileira começaria a enriquecer seu som com elementos da música de seu próprio país.
Já no estrelato internacional e já consagrada como orgulho nacional, o Sepultura viu com o “Chaos A. D.” suas vendas de discos aumentarem em níveis elevados, emendou uma turnê gigante por países novos e participou como atração entre as mais aguardadas nos maiores festivais de heavy metal do planeta.
Para vários fãs do Sepultura, o álbum “Chaos A. D.” é considerado o melhor do Sepultura. Para a maioria da crítica especializada, o disco de 1993 faz parte da “trinca sagrada” do grupo, que traz ainda os álbuns “Arise”, de 1991, e “Roots”, de 1996.
Controvérsias em relação à data de lançamento
Neste dia 2 de setembro de 2023, muitos sites de veículos especializados em música do mundo inteiro dá esta data como a de lançamento oficial do “Chaos A. D.”. Há, no entanto, uma controvérsia sobre isso, já que detalhes nada desprezíveis mostram que o disco teria chegado oficialmente somente em outubro ao restante do planeta.
No próprio site oficial do Sepultura, a data de lançamento está como 19 de outubro de 1993. Nos Estados Unidos, os registros da Associação da Indústria de Gravação da América (RIAA, na sigla em inglês, para Recording Industry Association of America) apontam também a data de 19 de outubro. No Reino Unido, surge uma terceira data, já que a British Phonographic Industry (BPI) dá como data de chegada do álbum o dia 11 de outubro.
O fato é que, com todos esses detalhes, o próprio Sepultura comemorou nas redes sociais os 30 anos, assim como membros antigos da banda, como o baterista fundador Igor Cavalera, membro atual da banda Cavalera Conspiracy.
Expectativa
Controvérsias à parte, o disco chegou a todos em 1993 e, antes desta chegada, havia toda uma expectativa sobre como o Sepultura viria após o ótimo álbum “Arise”, que havia trazido o grupo dando aquele “chute na porta” e chamando a atenção definitivamente de todo o cenário do heavy metal.
Após o “Arise”, imprensa especializada e fãs esperavam uma evolução natural do Sepultura que, se confirmada, levaria a banda a um nível ainda maior do que já ocupava, perto dos gigantes do metal, como Metallica, Slayer, Megadeth e Anthrax.
O problema é que, depois do momento avassalador do thrash metal durante toda a década de 1980, o estilo havia perdido no início da década seguinte popularidade para outros gêneros do rock, como o grunge, de Seattle.
Após o Metallica lançar o histórico “Black Album” em 1991, com uma sonoridade menos thrash, mais densa e até com balada, várias bandas do estilo, com exceção principalmente do Slayer, tentaram seguir o mesmo caminho para repetir o sucesso comercial e financeiro da banda de James Hetfield e Lars Ulrich.
O que se viu, no entanto, foi boa parte desses grupos minando o thrash metal com álbuns fracos em relação ao seu passado promissor. Na corrente oposta, aproveitando elementos do groove metal e salvando o peso do metal estava principalmente o Pantera, com seu impactante “Vulgar Display of Power”, lançado em 1992.
O Sepultura até poderia fazer como outras bandas, deixando seu som menos thrash e mais fraco, mas, acertadamente, optou pelo incremento de elementos do groove metal, fazendo enorme sucesso entre os fãs que queriam a manutenção do peso e trazendo os fãs decepcionados com outras bandas para o seu lado.
O disco
“Chaos A. D.” começa com dois cartões de visita que poucas bandas têm condições de oferecer. As faixas “Refuse/Resist” e “Territory” são clássicos eternos do heavy metal e passaram a ser obrigatórias no repertório dos shows do Sepultura desde que foram lançadas.
“Refuse/Resist”, para muitos, é a melhor do disco, com uma riqueza sonora, peso, agressividade e letra que a levaram para o patamar das melhores das carreira do Sepultura. Logo na introdução, há a sacada genial da banda colocar o som dos batimentos cardíacos, ainda no útero da mãe, do primogênito de Max Cavalera, Zyon, que, anos mais tarde, passaria a tocar ao lado do pai no grupo Soulfly.
Na sequência, batidas de Igor Cavalera que lembram as de tamborins de escola de samba já mostram que o Sepultura estava ousado e pouco preocupado com os puristas do heavy metal. Depois, vem tudo aquilo que transformou a música num clássico: riff matador, vocais agressivos de Max Cavalera, além de letra poderosa e atual não só para aquela época como para as décadas seguintes.
Para completar, um clipe muito bem feito, com diversas cenas históricas de resistência, como a do “herói desconhecido” à frente dos tanques na China, em 1989, no fato que ficou mundialmente conhecido como o Massacre da Praça da Paz Celestial.
Antenado com os fatos que moviam o mundo, o Sepultura aproveitou a segunda faixa do disco, “Territory”, para tocar num tema sensível: a guerra por territórios, com letra do guitarrista Andreas Kisser, num disco no qual Max fez a maior parte das composições.
Não bastasse a introdução matadora e histórica de Igor Cavalera, que vivia grande fase técnica na bateria, o clipe da música foi filmado simplesmente em Israel, fazendo sucesso mundialmente. No Brasil, além do sucesso gigantesco na MTV, o clipe ainda passou no tradicional programa “Fantástico”, da TV Globo, algo inédito para uma banda de heavy metal num país conservador que até então sempre torcia o nariz para o estilo, da maneira mais preconceituosa possível.
O disco acelera no ritmo e no peso com a faixa “Slave New World”, que é composta por Max e o vocalista do Biohazard, Evan Seinfeld. Com qualidade gigante e um riff que sempre foi capaz de abrir rodas de mosh insanas nos shows, a música ainda ganhou um clipe muito bem feito e que também chegou a fazer sucesso na MTV.
Na sequência, “Amen” diminui a rapidez, mas traz peso e uma letra apocalíptica de Max Cavalera em formato de oração.
Em “Kaiowas”, faixa puramente instrumental, o Sepultura vem com elementos mais brasileiros que seriam ampliados no álbum seguinte. A mistura do violão com as batidas de percussão mais minimalistas podem ter tido uma recepção natural dos nascidos no Brasil, mas encantou que era de fora daqui.
Muito atento a isso, o Sepultura levou a música para os shows e, no momento da percussão final, transformou aquilo num grande acontecimento, ora trazendo componentes da equipe de apoio para participar das batidas, ora convidando, especialmente no exterior e em festivais, integrantes de bandas amigas para aquele grande momento. Hoje, muitos copiam essa sacada, mas quando o Sepultura trouxe isso para o palco, era algo bastante raro para a época, deixando os gringos maravilhados com as pitadas de brasilidade no heavy metal.
De volta as músicas com letra, “Propaganda” vem na sequência com mensagem forte de Max Cavalera e um turbilhão sonoro que faz o fã quase perder o pescoço no bate-cabeça. Em tempos de thrash metal mais leve, aquela pancada do Sepultura era um bálsamo para os amantes do estilo.
Em seguida, na faixa “Biotech Is Godzilla”, com letra de Jello Biafra, do Dead Kennedys, o Sepultura amplia ainda mais a velocidade e toca no assunto do meio-ambiente e na inferência dos laboratórios na vida humana, ampliando um assunto que já havia tocado menos intensamente no clássico “Dead Embryonic Cells”, do álbum “Arise”.
“Nomad” vem na sequência e tem também letra de Andreas Kisser. Com uma levada parecida com “Territory”, a música também foca em tema de territórios, além das tribos dizimadas e enganadas por invasores.
“We Who Are Not as Others”, traz uma mudança no ritmo para algo mais cadenciado, sem perder o peso. Com letra curta, é 80% instrumental e traz novamente Igor Cavalera dando um show à parte.
O Sepultura já vinha há algum tempo tocando na ferida em alguns temas que muitos não gostam de enxergar. Com mais da metade do álbum, a postura crítica da banda a temas político-sociais já era bastante nítida.
A dose crítica sobe um degrau em “Manifest”, que aborda sem meias palavras o Massacre do Carandiru, que aniquilou 111 detentos na Casa de Detenção de São Paulo em outubro de 1992. Com letra forte e música pesadíssima, o Sepultura recordava para o Brasil e para o mundo um dos fatos mais marcantes do sistema prisional brasileiro.
A única música cover da versão oficial do “Chaos A.D.” é “Nomad”, do grande New Model Army. Com uma roupagem mais pesada e moderna, o Sepultura deixou a canção ainda mais interessante, numa sacada que agradou crítica e público.
“Clenched Fist” fecha o disco. Ela destoa um pouco das demais, mas esta longe de ser uma faixa ruim ou fraca.
Nas versões brasileira e norte-americana do álbum, ainda havia uma faixa-bônus, com o Sepultura executando “Polícia”, dos Titãs. Com mais peso e mais agressividade do que a versão original, ela se transformou em presença obrigatória em vários shows da banda.
Novo patamar
Após o lançamento de “Chaos A.D.”, o Sepultura subiu mais um degrau em importância entre as grandes bandas do heavy metal. Para os fãs brasileiros de heavy metal, especialmente, havia um orgulho imenso de o grupo estar muito próximo do nível dos grandes do estilo.
Respeitada por outras grandes bandas internacionais e presente nos maiores festivais de música pesada do planeta, o Sepultura finalmente ganhava seu lugar histórico no metal e, quando se apresentava no Brasil (o que se transformou em algo raro na época), também tinha shows lotados.
Um reconhecimento merecido para uma banda que sempre batalhou demais para chegar onde chegou. Anos mais tarde, em 1996, o grupo traria ainda o álbum “Roots”, que deixaria o heavy metal de cabeça para baixo e influenciaria diversas bandas. Também seria o último álbum da formação clássica, mas ampliaria ainda mais a importância histórica do grupo brasileiro.
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