Os mais ambiciosos músicos de rock nunca deixaram de perseguir a nota perfeita, ou a batida perfeita. Lou Reed (1942-2013) era um desses perfeccionistas que imaginavam sempre estar á caça da canção mais sublime dentro do mundo pop, e quase chegou lá algumas vezes, como em "Perfect Day" e "Walk on the Walk Side".
Paul McCartney e Elton John se encaixam nesta categoria, e chegaram lá várias vezes. A lista não é muito longa, mas é bem estrelada.
Há também aqueles que estão mais relaxados e que não fazem da busca da batida perfeita uma obsessão. Veteranos, preferem deixar a vida seguir e se divertir depois de anos de serviços relevantes prestados. Batida perfeita? Canção pop perfeita? Será sempre aquela do momento, a recém-lançada. Quem pode dizer o contrário?
De modos diferentes, três cantores septuagenários e compositores extraordinários lançam seus novos trabalhos e atingem um patamar elevadíssimo de qualidade, ainda que de modo descontraído e sem muitas pretensões. Deixaram a vida seguir e obtiveram resultados ótimos: Alice Cooper, Paul Rodgers e Steve Lukather.
O mais subestimado deles é o que lançou um dos melhores trabalhos de 2023. Integrante da banda Toto - excelência em música p dançanop - o norte americano Steve Lukather é um extraordinário compositor. Sua carreira solo é cheia de trabalhos de muita qualidade, sempre calcando canções pop ganchudas no blues e no rock mais palatável.
"Bridges" é tão bom que parece uma coletânea. Lukather é um guitarrista inspirado. Usa o instrumento para compor e obtém diretamente o som que deseja imprimir em suas canções repletas de melodias bonitas e bem construídas .
"When I See You Again" é um melhor exemplo: é uma canção pop na melhor acepção da palavra e é possível qualificá-la como uma música pop perfeita no ano de 2023: sua melodia é cativante, o riff simples é dançante e projeta um refrão que é ótimo para emissora de rádio - se é que elas existem ainda pata o rock,
"Burning Bridges" é poderosa , com acento blues e uma levada de guitarra que encanta desde a primeira nota. Transpira alma e ainda escancara como ele é bom letrista. Bem simples, bem certeira, é uma bela canção de estrada.
Mas ainda há uma gema pop melhor do que "When I See You Again", o primeiro single. "All Forevers End" é uma aula de como compor e interpretar uma balada blues.
Melancolia e reflexão se equilibram sobre uma letra triste, mas que transmite uma certa esperança de redenção. E o pequeno solo do meio é primoroso, com a guitarra chorando sem estridência.
O blues mais puro comparece em "Take My Love", reunindo todo os elementos que fazem outro guitarrista americano, Joe Bonamassa, ser o mais incensado artista de blues da atualidade: bom riff, refrão clássico, arranjos vocais de apoio belíssimos e solos incandescentes de guitarra, que penetram na alma.
E ainda tem o rockão "Far From Over", que resgata uma sonoridade AOR (álbum orientado para o rock) dos anos 70, que cai bem nas pitas de dança; "Not My Kind of People", com um suingue à la Aerosmith, também transpirando anos 70; e "Someone", que lembra os melhores momentos e The Police, com uma pegada pop de excelência. É um álbum em que não há nada de errado e tem a duração ideal para os dias de hoje, com oito músicas ótimas.
O inglês Paul Rodgers, aquele que já foi considerado o melhor cantor de todos por Rod Stewart e Glenn Hughes (ex-Deep Purple e Black Sabbath), dedicou-se por muitos anos a álbuns tributo e a uma parceria com o Queen anos depois da morte do vocalista Freddie Mercury. Visitou a música negra americana, principalmente p rhythm & blues e o catálogo de Muddy Waters.
"Midnight Rose" é o seu primeiro álbum de inéditas em muitos anos e preferiu não inventar. São oito canções que lembram demais o Bad Company, sua banda entre 1974 e 1983, com algumas reuniões posteriores.
O bom gosto, que é uma de suas características, predomina em oito canções pop de várias inspirações. "Highway Robber", lembra bastante "Seagull", do Bad Company, com um violão delicado e uma interpretação com acento folk, algo em falta atualmente na música pop britânica. Na mesma linha, mas sem o mesmo impacto, vai a faixa-título.
"Take Love", o primeiro single, é um pop básico movido a guitarras meio preguiçosas que escondem uma melodia interessante e um vocal descontraído, mas apaixonado.
É uma típica canção radiofônica para as rádios inglesas. O arranjo inicial de violão é claramente inspirado no Led Zeppelin, do amigo Jimmy Page (com quem tocou na banda The Firm entre 1984 e 1986).
"Melting" é um grande blues movido a violões encharcados de uísque e arranjos de guitarra extraordinários. Aqui temos a inspiração vinda lá de trás, do início da carreira de Rodgers com o Free, ainda os anos 60. Não é coincidência que algumas linhas de guitarra remetam diretamente a Paul Kossoff, o atormentado guitarrista do Free morto em 1976.
Tem rock de arena também com a irresistível "Coming Home", que quase esbarra no hard rock com sua guitarra frenética e faiscante. Poderia estar em qualquer disco do Bad Company. Dá para dizer o mesmo de "Photo Shooter", outro rock setentista com uma guitarra interessante, mas é uma canção não tão inspirada. "Livin' Up" é mais interessante, com riffs zeppellinianos dos seus tempos de The Firm - aqui a produção do ótimo Bob Rock fica evidente.
Há também "Dance in the Sun", mais simples e sem tantos adornos, ams que cumpre bem a sua função de resgatar, uma aura mais hard dos nos anos 80.
Revisitando várias passagens de sua extraordinária carreira, Rodgers comete um disco muito bom, mostrando que demorou demais para voltar a compor canções próprias.
Alice Cooper, um dos nomes fundamentais do rock pesado dos Estados Unidos, entrou no modo satisfação total, aquele modo em que não precisa - e nem quer - provar nada para ninguém. E resolveu homenagear a si mesmo em "Road", seu mais recente trabalho de inéditas.
Se não é um álbum tão inspirado quando os dois últimos, é aquele que mais transparece o quão feliz ele está depois de completar 75 anos no começo do ano.
A ideia era festejar o rock e a música mais acessível, uma coleção de canções mais simples, retas e diretas, feitas especialmente para ouvir dirigindo por uma longa estrada, com direito a uma versão fantástica de "Magic Bus", de The Who, um lues pesado e marrento de 1968. Cooper é um admirador da dupla Roger Daltrey (vocal) e Pete Townshend (guitarra), do Who, de que ficou muito próximo.
Na versão do americano, a canção ficou mais pesada e com um arranjo um pouco diferente nas guitarras, mas a interpretação ficou muito boa.
O cantor se cercou de velhos amigos e parceiros para celebrar a vida, e assinou 12 das 13 canções, todas com vários coautores. "Baby Please Don't Go" é a sua melhor baalada em anos, cantada sem afetação e com uma veia mais blues.
Há algumas surpresas, como a experimental e pesada "White Line Frankenstein", a que mais destoa do clima festivo estradeiro, escrita em parceria com o produtor Bob Ezrin e com o guitarrista Tom Morello (Rage Against the Machine), que também toca na canção e dá um colorido muito diferente.
"Rules of the Road" tem a guitarra de Wayne Krantz, conterrâneo de Detroit e cérebro do fenomenal MC5, grupo de rock que foi um dos precursores do punk rock e do rock pesado de garagem. Ele assina a canção ao lado de Ezrin e Cooper, colocando sua versão de um rock mais sujo e barulhento.
Do passado ele resgatou um antigo colaborador, o guitarrista Kane Roberts, com quem trabalhou no final dos anos 80. O instrumentista também é coautor da canção "Dead Don't Dance", um rock mais cru e direto, mas com um trabalho interessante de guitarras.
Nita Strauss, a guitarrista da banda do cantor que voltou no ao passado, foi "recompensada" com os créditos em quatro canções, ao lado de outros colaboradores.
A mais interessante é "Welcome to the Show", possivelmente a melhor do álbum, em que faz um trabalho estupendo de guitarras, com solos muito criativos. É uma faixa que equilibra bem o passado glorioso da Alice Cooper Band e o som mais moderno que Alice imprimiu neste século.
Se Alice Cooper é um artista que não precisa dar mais satisfações sobre sua carreira e não te de provar mais nada, mas deve aos fãs um disco agradável - e é exatamente essa sensação que "Road" passa: originalidade e genialidade não estão entre os adjetivos pra esse trabalho, mas é bem legal ouvi-lo de forma despretensiosa.
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