segunda-feira, 18 de setembro de 2023

Quatro álbuns solos simultâneos: os 45 anos da megalomania do Kiss

Roberto Capisano Filho *.

Não bastava ter no currículo quatro discos de platina (um milhão de cópias vendidas por álbum), ter a maior média de público dos shows na época (13,5 mil por apresentação), ser um fenômeno do rock e, senão a mais, uma das bandas mais populares de todo o mundo; era necessário ir além. 

Como nada do Kiss é modesto, há 45 anos, em 18 de setembro de 1978, a banda fez algo sem precedentes na indústria da música: seus quatro integrantes lançaram álbuns solo simultaneamente.

Para os fãs, era ótimo. Afinal, em vez de um disco inédito do grupo naquele ano, eles teriam quatro novos vinis para escutar de uma vez. Para Paul Stanley (guitarra e vocais), Gene Simmons (baixo e vocais), Ace Frehley (guitarra e vocais) e Peter Criss (bateria e vocais) seria uma forma de mudança de ares, afim de aliviar o clima entre eles, que não era nenhum modelo de harmonia naquele momento.

Porém, o que esperar daqueles trabalhos que acabavam de chegar às lojas? Apesar de serem solos, os quatro álbuns mantiveram uma identidade visual nas capas, foram divulgados e promovidos como discos do Kiss. 

Sonoramente, o que se viu foram surpresas e um certo ar de competição entre os músicos, que puderam mostrar suas personalidades em um contexto maior autonomia.

A surpresa positiva ficou por conta de Ace Frehley. É consenso entre os fãs que o disco solo dele é o melhor dos quatro. Rock puro, direto, com ótimas composições e uma performance primorosa do guitarrista.

 Além disso, Frehley mostrou mais seu lado vocalista, algo com que ele não conseguia se sentir confortável para explorar no Kiss, mesmo incentivado por Gene e Paul – tanto que, nos três álbuns seguintes do Kiss, ele cantou sete músicas.

Até então, só havia sido a voz principal em "Shock Me" ( do disco "Love Gun") e "Rocket Ride" (uma das inéditas da parte de estúdio do "Alive II"). 

Segundo o próprio Frehley comentou à época, o disco mostrou a Gene e Paul seu talento como compositor, apesar da desconfiança de ambos sobre sua capacidade nesse sentido. Os destaques são a excelente "Rip It Out", "Speedin' Back to My Baby", "Fractured Mirror" e "Wiped Out". Com exceção da bateria e do baixo (em três faixas), Frehley tocou todos os instrumentos.

O curioso é que a versão de "New York Groove", gravada originalmente pela banda Hello, em 1975, foi o single mais bem posicionado nas paradas entre os lançados dos quatro discos solo e alcançou a 13ª posição no Hot 100 da Billboard. 

Já o álbum ficou no 26º lugar. O álbum de Paul Stanley é o mais parecido com o som do Kiss e, seguramente, o segundo melhor dos quatro.

Também é rock direto, melódico, mas com espaço para baladas, algo praticamente ausente do repertório da banda até então. É o único disco entre os quatro sem versões de músicas de outros artistas.

"Wouldn't You Like to Know Me" (tocada por Stanley em seus shows solo anos mais tarde), "It's All Right", "Goodbye" e "Tonight You Belong to Me" são os pontos altos. 

Entre os músicos participantes estão o baterista Carmine Appice (Vanilla Fudge, Cactus, Ozzy Osbourne e Rod Stewart, além de ser irmão mais velho de Vinny Appice, que tocou no Black Sabbath e com Dio) e Bob Kulick, guitarrista que colaborou com o Kiss em várias ocasiões e irmão mais velho de Bruce Kulick, guitarrista do Kiss da fase sem máscaras. O álbum alcançou o 40º lugar na parada da Billboard.

Gene Simmons fez o que podemos chamar de miscelânea. Tem arranjos com cordas, coral, influência dos Beatles (de quem ele é fã) e até uma regravação do próprio Kiss. De acordo com Simmons, a ideia era reunir no álbum o maior número possível de celebridades. 

Ele conta que tentou a participação de John Lennon e Paul McCartney e ambos se mostraram interessados. Porém, por questões de agenda – e da falta de vontade de se encontrarem em um mesmo trabalho – a ideia não se concretizou.

No entanto, não faltaram nomes conhecidos nas gravações: Joe Perry, guitarrista do Aerosmith, Rick Nielsen, guitarrista do Cheap Trick, Donna Summer, Cher (então namorada dele) e Bob Seger.

Curiosamente, Simmons não tocou baixo em nenhuma das faixas, apenas guitarra. No repertório está a ótima "Radioactive", tocada ao vivo em shows do Kiss daquela época, e "See You Tonite", totalmente inspirada nos Beatles e registrada também em 1996 no excelente "Unplugged", do Kiss, produzido pela MTV.

Simmons regravou "See You in Your Dreams", do Kiss, porque nunca ficou satisfeito com a versão do disco "Rock and Roll Over", de 1976. 

O momento mais curioso – ou improvável – é a presença de "When You Wish Upon a Star", da trilha sonora de Pinóquio. Se não foi o melhor dos quatro, foi o álbum mais bem ranqueado nas paradas, ocupando 22º lugar na Billboard.

O disco do baterista Peter Criss foi, de certa forma, decepcionante. O repertório tendeu mais para o pop e baladas do que rock. Boa parte das músicas veio de material pré-Kiss. Nenhuma faixa chega a empolgar, apesar de haver boas melodias e o trabalho soar coeso. 

O vocal de Peter é o ponto alto, já que sua voz rouca é seu grande trunfo. Como baterista, se ele nunca foi um virtuose do instrumento, sempre mostrou personalidade e criatividade no seu som. Porém, nesse álbum, teve uma performance apenas correta.

O desempenho morno de Criss tem a ver com o acidente de carro em que se envolveu na época, o que impediu que tocasse em três faixas. A gravação teve alguns problemas no seu percurso, graças ao comportamento difícil de Criss, agravado pelo uso de drogas.

Um exemplo ocorreu na fase de produção, quando Criss chegou ao estúdio e dispensou todos os músicos, dizendo que dali em diante outro produtor assumiria as rédeas, situação contornada mais tarde. Dos quatro, o disco de Criss foi o mais mal colocado nas paradas, ficando na posição 43 da Billboard.

Os melhores momentos do trabalho são a versão para "Tossin' and Turnin"' (original de Bobby Lewis), "I Can't Stop the Rain", "You Matter to Me", "Don't You Let me Down" – estas duas últimas lançadas como singles; aliás, foi o único trabalho dos quatro a ter dois singles no mercado. 

Se por um lado os álbuns serviram para cada um se mostrar sem ter de fazer as concessões que o trabalho em grupo exige, não resolveram os conflitos internos.

Nos discos seguintes do Kiss, "Dysnasty" (1979) e "Unmasked" (1980), Peter Criss só tocou em uma música, saindo da banda em 1980. Frehley sairia quatro anos mais tarde.

* Roberto Capisano Filho é jornalista do Sebrae-SP e é um dos fundadores do Combate Rock.

 
https://youtu.be/LKdHy18rZcI


https://youtu.be/8NfhtUbgznM


https://youtu.be/YlpbYbi6lSk


https://youtu.be/FImNlLKn__w

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