sábado, 9 de setembro de 2023

Rock x burrice: Roger Waters ironiza ataques e tenta driblar boicotes

 Em uma das passagens mais marcantes do ótimo filme "The Wall", de Alan Parker, professores de uma escola rígida reproduzem o discurso oficial do governo fascista enquanto alunos entram em um moedor de carne. É o símbolo máximo do populismo autoritário e totalitário, que apenas faz de cada ser humano apenas mais um tijolo em uma parede amorfa, inodora e incolor.

A obra é baseada no álbum "The Wall", do Pink Floyd, em 1982, e foi praticamente todo ele concebido pelo baixista e vocalista Roger Waters, um ardoroso antibelicista e antifascista de viés esquerdista.

Fora do Pink Floyd desde 1984, tomou "The Wall" para si e desde então encena todo o álbum em suas turnês solo. Em uma das cenas no show, ele adaptou o discurso fascistoide interpretado um ditador de um país fictício, trajando um uniforme similar ao que as tropas das SS, a elite paramilitar que cuidava da segurança da cúpula nazista e que se tornou um poder paralelo na Alemanha de Adolf Hitler.

Waters encena essa parte do show há quase 30 anos, mas a suprema ignorância que predomina no século XXI virou o jogo: o músico foi acuado de apologia ao nazismo (!!!!!!!) por trajar o uniforme que alude às SS ao interpretar um personagem na sua ópera-rock. É como se todos os atores e diretores de um filme sobre a II Guerra Mundial fossem acusados de serem nazistas porque tiveram de vestir uniformes da Wehrmacht (o exército alemão) e das SS...

Por sua postura critica contra Israel no conflito entre este país e os palestinos, Waters é alvo no mundo inteiro de toda e qualquer instituição judaica, que conseguiram pressionar duas prefeituras na Alemanha para cancelar shows de Waters na atual turnê. Felizmente, apenas dois shows foram cancelados e o resto da turnê europeia continuou sem incidentes.

Só que a imbecilidade alcançou as terras brasileiras. Waters tocara aqui em novembro, mas está sendo alvo de gente estúpida com os mesmos argumentos ignorantes e equivocados dos alemães: o músico se veste de nazista e faz apologia do nazismo. 

Além de burrice, é muita preguiça. Aqui também há o "incentivo" de instituições judaicas no boicote ao espetáculo, com várias gestões para que toda a turnê brasileira seja cancelada.

Em recente entrevista ao jornal O Globo, o ex-Pink Floyd disse acreditar que polêmica envolvendo acusação de antissemismo representa tentativa de boicote político. "O figurino, adotado há décadas faz  parte do conceito de 'The Wall', em um momento alegórico de oposição ao fascismo. Até quando terei de explicar isso?"

A ação mais espalhafatosa partiu de Ary Bergher – vice-presidente da Confederação Israelita do Brasil (Conib) e presidente do Instituto Memorial do Holocausto – que solicitou o cancelamento dos shows ao Ministério da Justiça. O pleito foi ignorado e arquivado. 

Oficialmente, o Ministério Público Federal (MPF) argumentou que não levaria a ação à frente para a liberdade de expressão do artista. Nos bastidores do governo e do MPF´, ninguém levou a coisa a sério.

Por mais bizarra que tenha sido a solicitação - e foi muito bizarra -, não para tratarmos como chacota ignorarmos esse tipo de ataque á constituição e á liberdade de expressão. partiu de um cidadão que oficialmente representa entidades sérias e importantes.

Será que esse tipo de manifestação é apenas ignorância? Será que o nojeira bolsonarista golpista e autoritária contaminou a sociedade a tal ponto de atropelar e torpedear o bom senso?

Na mesma entrevista, Waters explicou calmamente e com paciência - trecho reproduzido com destaque pelo site Igormiranda.com: "(Suspira) Escrevi, gravei e lancei ‘The Wall’ em 1978/9. O filme é de 1982. Celebramos a queda do Muro de Berlim [ocorrido em 1989] e o fim da Guerra Fria em 1990, em show para 400 mil pessoas. Em 2009 recebi, com meu herói Mikhail Gorbachev [nono e último presidente da União Soviética], o prêmio da Cinema for Peace, entidade alemã]. A turnê mundial de 2010 a 2013 ostentou o recorde de a mais lucrativa de um artista solo. Em 2014, o filme a partir da turnê foi apresentado no Festival de Toronto. Qualquer pessoa minimamente familiarizada com ‘The Wall’ sabe que, na narrativa, a estrela do rock Pink sofre episódio psicótico e imagina-se degenerado, na pele de um tirano de estilo nazista."

O baixista se espanta com a possibilidade, ainda que remotíssima, de ver mais algum show cancelado por conta da pressão política que sofre diariamente.

“Uma crítica satírica às ideologias tirânicas. Mais tarde, Pink se recobra do episódio e, se autoexaminando em um julgamento imaginário, emerge como o coração fofinho e vermelho que amamos. Em nenhum momento ‘The Wall’ glorifica o nazismo ou promove antissemitismo", continua Waters. "Pergunto aos doidões da cultura do cancelamento: por que, depois de 45 anos, uma peça contemplativa e humanista como ‘The Wall’, e seu autor, sofrem ataques mentirosos, coordenados pelo lobby israelense? Claro que sei a resposta: minha defesa do povo palestino."

Polêmico e controverso, o músico inglês sabe que pisa em terreno minado, mas nunca se arrependeu de abraçar causas pouco simpáticas aos poderosos. 

Mesmo sendo um ativista antifascista e antibelicista, com muitos serviços prestados ás causas humanitárias, também dá as suas escorregadas, como abraçar um antiamericanismo infantil - ainda que seja nos Estados Unidos onde mais lucre com suas turnês.

Chegou a remar contra a maré e defender a decisão do presidente Vladimir Putin, o ditador da Rússia, de invadir a vizinha Ucrânia, culpando esse país e o "Ocidente" de constantes provocações à nação russa. Ou seja, ele culpa a vítima pela guerra - algo como culpar a mulher por ser estuprada violentamente.

Alertado por amigos intelectuais, reviu essa posição e passou a condenar veementemente a guerra e defender a paz, além de apoiar artistas ucranianos. Entretanto, evita citar nominalmente Putin como agressor e causador do conflito e afirma "admitir buscar diálogo para entender a geopolítica da guerra". Ou seja, se recusa a pedir desculpas or apoiar o agressor e admitir que está errado.

Nascido em agosto de 1943, nunca conheceu o pai, oficial do exercito inglês morto em 1944 na praia de Anzio, na Itália, durante a II Guerra Mundial. "The Wall" e o disco seguinte o Pink Floyd, "The Final Cut", de 1983, o último com a participação de Waters, são dedicados a seu pai, o major Eric Fletcher Waters. Essa é a raiz do antibelicismo e antifascismo do músico.

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