domingo, 24 de setembro de 2023

O álbum que mudou radicalmente a história do Thin Lizzy faz 50 anos



Uma banda pesada que era punk antes de existir o movimento e as bandas do subgênero do rock. Um trio da pesada, que fazia rock pesado a partir do blues e de composições altamente inspiradas por um baixista negro irlandês (apesar de nascido na Inglaterra). Como aquela pedante e arrogante, mas sem sorte, poderia dar certo?

Phil Lynott não sabia na época, mas o Thin Lizzy tinha de mudar radicalmente e 1973 para crescer, e admitiu isso em entrevistas anos depois: a época romântica da banda tinha de ser abandonada em prol de esquema mais profissional. O guitarrista Eric Bell tinha de partir.

"Vagabonds of the Western World" foi lançado em 1973. Era o terceiro álbum de estúdio de uma banda que pretendia carona no sucesso do conterrâneo Rory Gallagher, que despontara anos antes com o trio Taste. Na carreira solo, o guitarrista e cantor de blues virou suceso mundial com uma sequência de grandes discos.

O amigo Gary Moore já tinha largado na frente com o seu Skid Row e começava a fazer o seu nome no circuito Belfast-Londres. O esquema era o mesmo: um blues rock acelerado e uma postura de afronta, de chutar canelas e se fazer ouvir.

Moore quase tocou em definitivo com o Thin Lizzy, mas tinha muita ambição e não estava disposto a esperar naquela virada dos anos 60 para os 70.

Apesar de próximas, a Dublin de Lynott, capital da República da Irlanda, e a Belfast de Moore, capital da Irlanda do Norte, ficavam em países diferentes - em mundos diferentes, dilacerados pelo nacionalismo e pelas rixas religiosas e políticas entre católicos republicados e protestante unionistas (que defendiam a integração ao Reino Unido).

Nada disso separava os amigos, mas Moore era mais inquieto e caiu no mundo. Lynott, o baterista Brian Downey e o guitarrista Eric Bell preferiram a cautela: solidificaram a fama local e refinaram seu som a ponto de chegarem quase á perfeição, segundo a imprensa irlandesa da época. Pena que os ingleses não entenderam dessa forma, e muito menos os norte-americanos.

Lynott era uma espécie rara de músico que dominava completamente o senso rítmico e a condução das melodias. ora tocava o seu instrumento como uma guitarra, ao estilo Lemmy Kilmister (Motorhead), ora esbanjava categoria ao fazer base e ritmo ao mesmo tempo, como John Entwistle (The Who). Como compositor, tinha um talento nato para criar grande melodias.

A ´música foi sua companheira desde sempre. Nascido em Birmingham, na Inglaterra, em 1949, era filho de uma irlandesa com um músico negro, que logo sumiu pelo mundo quando a namorada ficou grávida - há dúvidas se era um negro brasileiro ou venezuelano.

Mãe solteira e sem sem emprego, Philomena Lynott voltou para a Irlanda quase adolescente e foi acolhida pela família, uma raridade na Irlanda ultraconservadora dos anos 50.

Filho da classe média, Phil sempre foi o diferente por ser negro irlandês em um país de louros e ruivos. Com inteligência acima da média, destacava-se ao escrever poesia e pequenos contos, mas a paixão mesmo era a música.

Por isso pe que sua frustração era enorme o ver bandas fazendo algum sucesso no Reino Unido e ele e seu Thin Lizzy patinando na Irlanda, O Lizzy era bom demais, mas Lynott, Bell e Downey continuavam pobres e sem dinheiro.

"Vagabonds of the Western World" é um álbum interessante, mas ainda refletia as dúvidas e incertezas que pairavam sobre o trio. Hard rock? Blues rock? Glam rock? Pop meloso?

O baixista ainda estava se aprimorando como compositor e vocalista. Estava se acostumando com a oz grave e melancólica e procurava o seu estilo de cantar. Mas, sobretudo, ainda não tinha chegado ao ponto de compor um hit, aquela música definitiva que carregaria a banda por anos.

"The Rocker" era essa canção, com potencial imenso e que realmente se tornaria um clássico do rock, mas algum tempo depois, quando o som da banda ficou mais pesado. é a canção mais importante do disco, tanto que figurou no repertório dos shows até o fim da banda, em 1983.

Lynott assina as oito composições do disco, sozinho ou em parceria com os companheiros. A abertura, com "Mama Nature Said", é um rock vigoroso com um vocal rouco que emulava, de certa forma, Rod Stewart, mas o vocal ainda soa hesitante, mas a guitarra bluesy de Bell salva.

"The Hero and the Madman" é o épico do álbum um blues rock psicodélico arrastado que se tornaria uma canção cult da banda. Soa com alguma ingenuidade, como se Lynott estivesse se aprimorando para escrever os clássicos do futuro. Parte da letra é declamada, como se fosse a trilha sonora de um filme.

"Slow Blues" é uma tentativa de emplacar algo que pudesse concorrer com o conterrâneo Rory Gallagher, mas não tinha a pegada necessária e vigorosa. mais tarde serviria de base para um sucesso da banda, "Don't believe a Word".

"The Rocker" é um rockão simples, eficiente e ótimo para escutar viajando ou dirigindo, Ao vivo soava mais pesada e mais perigosa, com vocais mais sarcásticos e sacanas. O trabalho de guitarra é ótimo.

A faixa-título traz algum experimentalismo e apresentaria ao mundo o Lynott cronista, com suas narrativa de redenção, submundo e pessoas transtornadas, mas sempre apaixonadas e com mil motivos para seguir m frente. É outra canção injustiçada.

Outra que merece destaque é a psicodélica "A Song For While I'm Away", com seu jeitão de canção dos Beatles cantada em voz dobrada e com nítido acento pop. A música é boa, mas datada, gravada no tempo errado, já que a música da época era dominada pelo hard rock e pelo glam rock. Totalmente fora de moda.

Sem repetir o sucesso da versão mais rock da tradicional canção irlandesa "Wiskey in the Jar", no ano anterior 0 n´mero 1 na Irlanda e rapidamente número 6 no Reino Unido por um tempo -, o desânimo tomou conta da banda. Não que "Vagabonds" fosse um fracasso total de vendas ou de crítica, mas o desempenho estava muito além do esperado.

Como o clima estava tenso entre Bell e Lynott, não demorou para que a primeira formação clássica se desmanchasse, Eric Bell era um guitarrista de blues e queria fazer um rock mais tradicional.

Lynott imaginava om som mais vigoroso e pesado, em uam tendência que ganhava corpo na Inglaterra com Queen, Humble Pie, Nazareth e Slade, entre outros. Ele queria som maior, grande, que expandisse as possibilidade e possibilitasse algum experimentação. Era tudo o que Bell não queria.

Gary Moore socorreu a banda por pouco tempo após a saída de Bell ainda em 1973 até que o Lizzy assinasse um contrato com uma nova gravadora. E então o sonho do baixista e vocalista se concretizou: dois guitarristas chegaram para encorpar o som - Scott Gorham e Brian Robertson, deixando a banda menos irlandesa e mais britânica.

"Nightlife", de 1974, já mostrava que as mudanças eram profundas, quase que outra banda: músicas mais agressivas, fortes e pesadas. "Fighting", de 1975, era a consolidação para o sucesso mundial, finalmente de "Jailbreak", de 1976 - "Live and Dangerous", álbum ao vivo de 1978, foi o auge do sucesso nesta segunda fase,

Pelos motivos invertidos, "Vagabonds" é o mais "importante" disco do Thin Lizzy, pois forçou a banda a mudar de forma radical para atingir o sucesso e ganhar o mundo - graças ao som mais pesado e às guitarras duplas e quase gêmeas.

Um pouco mais sobre "Vagabonds"

O jornalista Henrique Inglez de Souza, com passagens por várias publicações importantes de cultura e música nos últimos 25 anos, lembrou nas redes sociais do cinquentenário de "Vagabonds of the Western World" e relembrou uma entrevista que fez com o guitarrista Eric Bell em 2006.

O que ele escreveu sobre essa conversa é relevante para o tema que estamos tratando e merece ser registrado. Começa pela capa do disco, uma arte de Jim Fitzpatrick, que assinaria diversas capas para eles dali em diante.  

"Em 2006, entrevistei o guitarrista Eric Bell, o cara que saiu do Thin Lizzy logo após os primeiros shows da turnê desse disco", escreveu Souza. "Segundo Bell me disse, ele despirocou e se mandou. Um músico ímpar na abordagem, fruto da influência sessentista bluesy-psicodélica." 

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