A velha canção dos Beatles serve para muitas das situações mais complicadas da história do rock. Sempre é necessária uma ajudinha dos amigos em circunstâncias delicadas ("With a Little Help From My Friends", do álbum "Sgt. Pepper's Lonely Hearts club Band"). E o guitarrista Eric Clapton precisava muito dessa ajuda em janeiro de 1973.
Faz 50 anos que o mestre inglês das seis cordas "ressuscitou" pelas mãos dos amigos Pete Townshend (The Who), Ronnie Lane e Ron Wood, ambos nos Faces na época. Elas ajudaram a organizar um concerto que virou uma comédia e um desastre, mas que resgatou Clapton do limbo das drogas - mas não da bebida.
"Eric Clapton's Rainbow Concert" até hoje é um álbum cultuado, que recebeu algumas versões ao longo dos anos e que reúne parte da nata dos roqueiros mais importantes da época na Grã-Bretanha.
Para uns não passou de um de uma reunião de bêbados tocando mal no Rainbow Theatre - e cobraram caro por isso. Não estão errados, mas ainda assim se tornou um dos eventos mais importantes da história do rock por conta de seu simbolismo.
Com o fim do Cream em 1968 e o insucesso do Blind Faith, no ano seguinte, Eric Clapton ficou à deriva. Tentou se equilibrar entre a carreira solo, a banda Derek and he Dominos, em que era o chefe, e a banda dos amigos Delaney & Bonnie, onde era apenas um guitarrista escondido no fundo do palco. foram duas temporadas - 1970 e 1971 - enchendo a cara, tocando bastante e curtindo a fossa por estar apaixonado pela mulher de um grande amigo - Patti Harrison, mulher de George Harrison.
Sem vontade e nem perspectiva, arrumou uma namorada novinha, ricaça e da alta sociedade, e se enfurnou em sua propriedade rural na Inglaterra. Foi um autoexílio que durou dois anos regados a muito uísque e drogas diversas. Cogitou até mesmo abandonar a música.
Nenhum amigo conseguiu tirá-lo da letargia no período e todos estavam muito preocupados. Foi então que o guitarrista Pete Townshend decidiu por um tratamento de choque: á revelia do amigo, juntou uma galera e decidiu organizar o show do retorno de Clapton ao mundo da música.
Com a ajuda do baixista Ronnie Lane, do guitarrista Ron Wood (futuro Rolling Stone) e do tecladista e cantor Steve Winwood, alugou o Rainbow Theatre e montou uma banda para dar suorte ao amigo.
O que ninguém desconfiava é que a imensa maioria dos convidados a tocar, incluindo os organizadores, eram tão viciados e bêbados quanto o "homenageado".
Apesar da iniciativa louvável e do voluntarismo de Townshend, a maior preocupação era que Clapton desse uma de Tim Maia e simplesmente não aparecesse - aliás, avisou várias vezes que não iria.
A persistência dos amigos vale a pena e uma comitiva foi buscá-lo em casa no dia do show, 3 de janeiro de 1973. Relutante, mas sem forças para resistir, foi conduzindo meio como um zumbi para o teatro. Não tinha como ele não aparecer, já que os ingressos, caríssimos, estavam esgotados havia meses e tinham acabado em minutos.
No palco, várias jam sessions e um Eric Clapton enferrujado e sem vontade de tocar - não tinha ensaiado e parecia sem energia ou vigor. No entanto, meio na marra, foi até o fim e afirmou a vários dos presentes que tinha curtido a noite.
Além de Clapton, Townshend, Wood e Winwood, tocaram na banda de apoio os bateristas Jim Capaldi (Traffic) e Jimmy Karstein, o baixista francês Rich Grech (Blind Faith e Family) e o percussionista Rebop Kwaku Baah. Ronnie Lane ficou impossibilitado de tocar, assim como John Entwistle (baixista do Who), o guitarrista Jeff Beck e os membros dos Rolling Stones.
Em quase duas horas de show, Clapton rememorou clássicos de sua carreira solo, como "Roll It Over" e "Blues Power", tocadas com certa leniência, "Badge", do Cream, em versão preguiçosa, e uma desencontrada tentativa de tocar "After Midnight", de J.J. Cale.
"Pearly Queen", do Traffic, composta por Winwood, soou bem razoável, assim como os clássicos do blues "Crossroads" e "Key to the Highway". "Little Wing", de Jimi Hendrix, ganhou uma versão emocionante, enquanto que "Let It Rain" e "Tell the Truth" ganharam versões mais encorpadas com um Clapton mais animado no palco.
Em sua autobiografia, Eric Clapton narrou o episódio com muito carinho e dedicou um importante agradecimento ao amigo Pete Townshend.
Considera o concerto como um verdadeiro renascimento de sua carreira a partir de então. Voltou aos estúdios e às turnês e gravou álbuns importantes entre 1975 e 1980, recuperando a credibilidade artística, embora o vício nas drogas e na bebida tenham voltado a ponto de quase arruinar de vez a carreira. A sobriedade só veio em 1989.
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