domingo, 29 de janeiro de 2023

Paul Di'Anno no Brasil: uma celebração em meio a uma busca por dignidade

O cantor inglês Paul Di'Anno sempre se orgulhou de suas raízes punks e de seu passado como membro de gangues em algumas cidades do mundo. "Sou fruto do meu passado e o fato de ter cantado no Iron Maiden não é algo que me define ou que me paute", disse ao Combate Rock em uma de suas passagens por São Paulo, em 2011.

Quem poderia imaginar que a primeira voz de verdade do Iron Maiden teria de encarar mais de uma vez a cadeia por causa de envolvimento com briga de gangues em Los Angeles e por suspeita de fraude na previdência britânica?

Di'Anno é um sobrevivente e um alma livre - ou radical livre, como ele mesmo se definiu certa vez. São memoráveis as três temporadas longas em que morou em São Paulo apadrinhado por fãs incondicionais do Maiden pelos integrantes mais cascudos da torcida corintiana Gaviões da Fiel. Viva rápido e desfrute o agora, como sempre dizia nas noitadas regadas a todo tipo de bebida na Londres o final dos anos 70.
 
Ele sabia que a vida cobraria caro pelos excessos e pelo estilo de vida solto, sem censura e sem porto. Sobreviveu, mas tentou dar um nó na vida e no tempo, e acabou enquadrado pela realidade. 

Quase septuagenário, obeso e vítima de uma série de problemas físicos, quer provar a si mesmo que consegue reviver alguns de seus melhores momentos nos palcos mesmo em uma cadeira de rodas. 

Tenta convencer a si mesmo de que seu carisma permanece intacto e que ainda ´capaz de reger multidões. Neste ponto, tem uma trajetória corajosa e digna de reverência como a de outro ex-cantor Iron Maiden, Blaze Blayley. Entretanto, as semelhanças param por aqui.

Depois de penar muito com a falta de sucesso em projetos como Battlezone, Killer e uma carreira solo errática com músicos brasileiros ao logo dos últimos 30 anos, parecia que Paul Di'Anno teria de tomar decisões corajosas depois de sair da prisão na Inglaterra. A voz estava longe de seus melhores dias e o joelho direito inviabilizava turnês e shows mais simples. Era hora de parar e cuidar da saúde.

A vaquinha mundial para a cirurgia no joelho angariou recursos e ele, enfim, se livrou de uma praga que o acometia há 20 anos. Para comemorar, uma turnê exaustiva de dois meses pelo Brasil em 2023.

Seriam 32 apresentações por todo o país com o suporte das bandas Noturnall e Electric Gypsy, que se revezariam como bandas de apoio. Um empreendimento de risco, mas quem se importou? Era Paul Di'Anno, do Iron Maiden, um músico calejado e experiente em andanças pelo Brasil desde os anos 90. O que poderia dar errado?

A saúde de Paul, é claro. A primeira apresentação do cantor, em Fortaleza (CE),  apresentou uma série de problemas técnicos e evidenciou que Di'Anno estava em precárias condições físicas e quase sem voz. Foram apenas sete canções e a retirada do palco, reclamando dos microfones, do retorno e da banda de apoio, que ensaiou exaustivamente, mas sem o cantor.

Dois dias depois, em Recife (PE), as coisas melhoraram. Menos problemas técnicos, a voz dele um pouco melhor e mis potente e a banda um pouco mais entrosada. Não foi uma maravilha, segundo os relato de quem assistiu, mas esteve longe do desastre cearense.

Fãs de todos os tipos questionam a pertinência de submeter  músico a tamanha prova de fogo apesar de sua saúde frágil de eventuais excessos etílicos e as enormes quantidades de cigarros. 

Com mobilidade reduzida, se locomove e canta em cadeira de rodas, além da inseparável bengala que usa desde 2010, pelo menos. Quem teve a ideia de submetê-lo a uma turnê de 32 shows em menos de 60 dias em um aís continental? 

Paul Di'Anno é um sobrevivente e um herói para parcela expressiva dos amantes do metal no mundo. Sua força de vontade e carisma são suficientes para mantê-lo no imaginário popular e eternizá-lo por seu heroísmo.

A persistência em continuar na estrada é comovente mesmo que sua saúde e fragilidade física iniquem o contrário, como se pode entender nesta reportagem do site IgorMiranda.com ouvindo os produtores da turnê, que relatam alguns dos problemas que estão ocorrendo nesta visita de Di'Anno a Brasil.

Justamente por ser um herói é que Di'Anno deveria ser preservado e "blindado" de sua teimosia. Uma turnê menor e mais equilibrada, com melhores condições de conforto e segurança para um artista idoso atrelado a uma cadeira de rodas? Claro que sim, mas agora não vem ao caso.

A responsabilidade agora é oferecer o máximo de dignidade possível a uma lenda que pretende continuar se arrastando nos palcos para manter seu legado vivo. Ela não precisa disso, mas faz questão disso. Então é hora de apontar as falhas, mas sem cancelamento, e de tornar viável o giro dentro de condições aceitáveis.

Ele merece isso, e nós merecemos isso também, para que possamos nos divertir e celebrar uma das figuras importantes do heavy metal. Que a comovente trajetória recente de Di'Anno seja inspiradora e consiga fazer de uma eventual última turnê por aqui uma enorme celebração. Precisamos garantir isso para ele. Por ele. E por nós.

https://igormiranda.com.br/2023/01/paul-dianno-produtor-turne-brasil-explica-fiasco/

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