Privatizar a cultura continua soando como heresia em pleno século XXI. A cantilena neoliberal que prega a sanha privatista avançou para quase todas as áreas e começa a beliscar pelas bordas a saúde e a educação. Seria demais imaginar que a cultura estivesse fora da mira.
Para administrações que consideram investimentos sociais como gasto, não surpreende que teatros e espaços culturais sejam um "estorvo". Não passam de um "custo" indesejado e que não "levam" beneficio financeiro algum pra prefeituras e governos estaduais.
Esse pensamento obtuso, elitista e desagregador predomina nas regiões Sul e sudeste do Brasil, como as últimas eleições gerais deixaram claro. Políticos de direita e ultradireita foram eleitos em todos o Estados dessas regiões e as privatizações de bens públicos estão no topo das listas de prioridades.
Em São Paulo, mesmo com o descalabro das concessões de linhas de trem e metrô para empresas incapazes e incompetents, o novo governador, Tarcísio de Freitas (Republicanos), discípulo e apoiador do nefasto ex-presidente Jair Bolsonaro, vai insistir nas privatizações de outros ramais de transporte ferroviário, além da Sabesp, a companhia de saneamento básico - um verdadeiro crime contra a administração pública.
Na capital paulista, o insucesso das unidades de saúde administradas por OSSs (organizações sociais da saúde) não demove a administração ultraliberal de querer se "livrar" das casas de cultura espalhadas pela cidade - são 25 ao todo.
A privatização desses espaços era um antigo desejo do ex-prefeito João Doria (PSDB), que nunca teve muito apreço pela cultura. A iniciativa também constava do programa de governo do sucessor, Bruno Covas (PSDB) e, agora, do atual prefeito, Ricardo Nunes (MDB), um ex-vereador inexpressivo que também nunca demonstrou apreço pela área.
Sempre foi difícil estabelecer as linhas divisórias - ou limites - do que é luro aceitável nos espaços culturais. Por definição, é uma área que sempre esteve na esfera de indução do desenvolvimento por conta do Estado, assim como saúde e educação.
Dentro de um processo de privataria desenfreada, como impedir ou limitar a busca pelo lucro por parte da empresa/empresário? Como impedi-lo de transformar as casas de cultura em espaços dominados por shows abomináveis de sertanejo e pagode regados a muita cerveja?
Como obrigar o empresário a estabelecer parâmetros de formação cultural, digamos assim, diante de uma demanda equivocada, vendida pela mídia, de "mais opções por entretenimento"? Como obrigá-lo a separar cultura de entretenimento?
Há a questão da escolha dos equipamentos a serem privatizados. Os mais atrativos serão bastante concorridos, enquanto que aqueles das periferias correm o risco de ficarem ainda mais abandonados. Quem não se lembra de que no entorno da avenida Paulista há mais bancas de jornais do que em toda a zona leste da capital?
Movimentos sociais contrários á privatização acusam a gestão atual da capital de sucatear os equipamentos públicos para "justificar" a privatização ou a concessão.
O prefeito Ricardo Nunes negou tal prática várias vezes, mas não cansa de pregar a "necessidade de cortar gastos" da administração municipal. No cérebro turvado do prefeito, cultura não passa de gasto, em uma visão ultraliberal distorcida e equivocada.
O orçamento de 2023 prevê destinação de R$ 20 milhões para a operação e manutenção das casas de cultura. Já o edital de privatização prevê R$ 169 milhões divididos em 5 anos, o que daria um total anual de 33 milhões de reais disponibilizados para as empresas ganhadoras, um aumento de 65%.
Detalhe: este valor não inclui a chamada verba de implantação, um dinheiro para a compra de equipamentos e realização de renovações, que são extremamente necessárias hoje, mas negadas pela prefeitura.
Artistas, oficineiros, gestores e movimentos ligados à luta pela cultura na cidade estão se organizando para afirmar a luta popular histórica pela cultura em São Paulo e tentar impedir o avanço do projeto neoliberal de privatização da cultura na cidade. Dominaram as audiências públicas sobre o assunto até agora e demoliram os principais argumento da prefeitura.
No apagar das luzes de 2022, em 16/12/2022, a Secretaria Municipal soltou um Edital para privatização do setor cultural, convocando uma audiência pública para o dia 13 de janeiro de 2023 em horário incompatível com o dos interessados, no sentido de barrar o diálogo e afastar a participação popular.
A secretária Aline Torres (PSDB), que assumiu o cargo sob promessa de realizar uma gestão mais participativa, não compareceu às audiências.
As casas de cultura, pelo fomento às atividades nas regiões periféricas, são ferramentas essenciais para o acesso da classe trabalhadora à cultura, uma vez que desenvolvem atividades recreativas, de auxílio à saúde mental e permitem a formação de talentosos atores, músicos e técnicos especializados.
A privatização da cultura vai na contramão das diretrizes do novo governo federal e das prioridades do recém-recriado Ministério da Cultura comandado pela cantora baiana Margareth Menezes. A ministra tem uma agenda que privilegia a inclusão e a cultura de formação do cidadão em todos os aspectos.
Privatizar a cultura é um contrassenso sob qualquer ponto de vista. Além de ampliar a exclusão do povo das decisões, contribui para afastá-lo das atividades educativas e de formação. Como seria a visão de um empresário ao assumir uma casa de cultura na zona leste, por exemplo? Que tipo de ação inclusiva promoveria?
Privatização e incentivo à cultura, na imensa maioria das ocasiões, são conceitos incompatíveis e que, levados a cabo, trazem prejuízos inestimáveis para a população.
Neste link é possível acessar uma petição pública contra as privatizações das casas de cultura e assiná-la. https://peticaopublica.com.br/pview.aspx?pi=BR123717
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