terça-feira, 31 de janeiro de 2023

O heavy metal ainda é nosso, mas não é só nosso

 Está durando muito mais do que imaginávamos, e ainda buscamos um caminho para retomar um mínimo de rentabilidade na música - e, enquanto isso, o rock pena para recuperar o protagonismo que um dia já teve o mundo todo.

Em uma era em que quase tudo ficou de graça no jornalismo, na cultura e na música por conta das mudanças tecnológicas, a sobrevivência ficou mais difícil em um ecossistema que está mais competitivo e que insiste em praticamente não remunerar o artista ou os produtores de conteúdo.

A eventual recuperação do mercado e do rock passa, inexoravelmente, pela renovação do público, principalmente em nichos como o heavy metal.

A dificuldade é atrair a atenção do jovem do século XXI - e fazer com que ele entenda a importância da cultura, que ela tem um custo e que, mais do que tudo, merece mais atenção do que os meros 30 segundos que costumam dedicar às músicas - qualquer uma. A geração tik tok precisa (re)aprender a desfrutar e curtir a música, assim como um bom livro.

No mundo em que quase tudo ficou de graça, é praticamente impossível fazer com que jovens e nem jovens percebam o valor de bens culturais e saibam de sua importância para a sociedade.

Em termos mais específicos, é interessante observar que bandas novas ( em tão novas assim) estão atraindo um público maior do que esperado em festivais de metal no Brasil e na Europa desde o ano passado.

A questão surgiu em um texto publicado no portal Wikipedia a partir de uma percepção de um de seus responsáveis, Daniel Dystyler, que milita no mudo musical há 40 anos. 

A partir de um comportamento manjado e nojento de tiozões metaleiros de plantão contra uma jovem repórter - "você conhece alguma música da banda de sua camiseta? Cite três delas", vociferou o imbecil patrulheiro -, o empresário constatou que, nos recentes festivais ocorridos no Brasil, havia mais público nos palcos de bandas do século XXI do que nas bandas clássicas, com mais de 30 anos de carreira.

A conclusão é discutível ao afirmar que o rock e o metal não são mais dos "tiozões" arrogantes de meia idade que se acham donos da cena e guardiões do legado do santo gênero musical. O metal, agora, seria das novas gerações, que seriam menos preconceituosas e mais abertas a inovações e influenciadas variadas.

É uma percepção valida, ainda que restrita a apenas alguns festivas recentes no Brasil, mas não toca em uma questão crucial: são gerações mais jovens que têm outros hábitos de consumo - na verdade, a maioria não tem hábito de consumo de cultura. O mundo virou uma grande roda gigante de entretenimento. 

Maneskin e Greta Van Fleet ainda conseguiram algum destaque ultimamente, mas é insuficiente para estancar a decadência que assola o rock desde o começo do século.

Sem consumo e sem a valorização da música como produto estamos fadados a chafurdar em um imenso underground sem grandes perspectivas, com predomínio de grandes plataformas de streaming sem compromisso com a cultura e sem a obrigação de remunerar decentemente artistas de todos os calibres.

Enquanto ainda patinamos em busca de um modelo minimamente decente de remuneração e de reinvestimento no rock, o rap e o sertanejo continuam avançando no estabelecimento de indústrias ou modelos de negócio mais estáveis e sustentáveis.

Desde a implosão da indústria fonográfica, no começo do século XXI, há uma busca frenética por uma nova forma de tornar rentável, de alguma forma, o mercado da música, sem que os artistas fiquem cada vez mais dependentes dos shows. 

Em qualquer tentativa de criar novos modelos, a premissa é sempre a mesma, partindo mesmo ponto: o artista é o último a ser remunerado e a ser considerado. As remunerações escandalosas de tão ínfimas praticadas pelas plataformas de streaming são o maior exemplo deste mundo selvagem e sem consideração por quase nada.

Os "tiozões do metal" continuam não ajudando ao desprezar a molecada e querer estabelecer uma "reserva de mercado", como se fosse possível carimbar um "selo de pureza" nos aficionados, tal qual a lei alemã de pureza da cerveja.

"O heavy metal é nosso", dizem esses idiotas. Não é e nunca foi. Sempre foi de todos, e também nunca foi de ninguém, ainda mais nestes tempos em que quase tudo ficou e graça e a cultura perdeu muito de seu valor agregado - quase todo, no verdade.

O metal ainda é nosso, mas nunca foi só nosso, para nossa felicidade. Que haja uma nova onda de amantes do rock e do heavy metal é auspicioso diante de várias constatações, mas ainda é insuficiente.

 O jeito atual de consumir música e cultura e ainda não abrange de forma significativa o rock e suas necessidades e os novos headbangers terão de observar as novas formas de consumo para dar alguma sustentabilidade ao mercado para os clássicos ainda se mantenham e assem o bastão aos novos artistas, sob risco de o rock afundar ainda mais no underground. 

Greta Van Fleet, Maneskin, Boogarins e Black Pantera não serão suficientes para segurar a onda se novas ideias e novos modelos de negócio não surgirem. E isso deverá estar atrelado, obrigatoriamente, a uma mudança de mentalidade dos jovens em relação ao consumo de cultura.

Nenhum comentário:

Postar um comentário