Faz quase dez anos que os lamentáveis fatos ocorreram, mas parece que só agora pesou na consciência de alguns - ou será que foi tão insuportável assim a pressão das redes sociais?
A banda Pantera, reformada e transformada em um "tributo" com doi.s dos integrantes originais, foi "desconvidada" de três festivais na Alemanha e na Áustria no próximo verão europeu.
O motivo: uma saudação nazista e o grito extremista e supremacista "White Power" durante um show da banda Down no interior dos Estados Unidos e 2014. Que fez a palhaçada foi o cantor Phil Anselmo, que ficou 12 anos no Pantera entre 1988 e 2000.
Sem convencer, Anselmo alegou que estava bêbado e que era apenas uma "brincadeira". Vídeos dos fato lamentável circularam muito na época e continuam circulando consequências previsíveis para o cantor e seus projetos.
Boicotes sempre existiram e são legítimos. São armas fortes nas democracias e costumam mudar políticas públicas e sociais, além de forçar revisões de patrocínios e investimentos, entre outras coisas. Num mundo do século XXI, com uma força descomunal - e perigosa - das redes sociais, o boicote é uma arma poderosa.
O que incomoda no caso do Pantera, mas do que a batida discussão "separação de obra e artista, é um certo oportunismo em relação ás bússolas morais que imperam de tempos em tempos.
O Pantera foi contratado no ano passado pelos festivais alemães e o austríaco. Por que só agora houve os cancelamentos dos shows? Será que houve esquecimento?
Por que o boicote ocorreu só agora, depois que Anselmo rodou a Europa e o mundo desde 2014 com os projetos Down e Phil Anselmo & The Illegals, inclusive com passagens pela Alemanha? Antes os gestos não incomodavam?
Phil Anselmo convive com as recriminações e críticas pelo gesto nazista desde então, com variados graus de intolerância. Quando tocou em São Paulo, em dezembro passado, houve tímidos protestos de roqueiros inconformados com a sua presença em um festival e em um show ao lado do Judas Priest.
Houve reiterados pedidos nas redes sociais para que pessoas conscientes não financiassem racistas, fascistas e extremistas, em uma campanha legítima e necessária de conscientização. Não surtiu efeito, pois as apresentações do Pantera ajudaram a lotar os dois eventos.
Os fãs da banda e de Anselmo reclama, com certa razão, de ma certa "perseguição", já que, aparentemente, o deslize não teria se repetido e que o cantor várias vezes se desculpou e sempre disse que nunca compactuou com ideias fascistas ou supremacistas.
Para quem não se lembra, o guitarrista inglês Eric Clapton vomitou asneiras no palco em 1976 contra a imigração no Reino Unido, investindo contra negros caribenhos e africanos, além de indianos e paquistaneses.
A reação foi tão violenta e contendente que ele virou inimigo do movimento punk e "inspirou" uma campanha forte antirracista. Não foram poucas as vezes em que ele se desculpou, alegando que estava bêbado no palco. Mesmo sendo um negacionista das vacinas, nunca mais fez manifestações racistas e xenófobas em público.
A pergunta que fica e que vai além da separação da obra e artista: como dosar o nível de boicote e cancelamento? Como evitar as "condenações perpétuas" deslizes do passado, por mais que sejam graves?
O guitarrista norte-americano Ted Nugent, "patriota", ultradireitista e fervoroso apoiador da disseminação de armas, é um ídolo do público conservador, mas cansou de ter shows boicotados e cancelados por conta de suas posições políticas. Até hoje paga por suas falas racistas - das quais se orgulha - e tem sua presença vetada em muitos lugares.
Neste caso, qualquer boicote é justificado, já que Nugent continua manifestando suas posições asquerosas e reprováveis. Mas e no caso de quem se desculpou, tentou se redimir e, aparentemente, não foi reincidente eis posturas nos erros e na lamentáveis posturas? esses devem ser banidos de forma perpétua, sem nenhum tipo de perdão?
Dependendo do nível de radicalismo, não há resposta conclusiva. Jornalistas americanos que cobrem rock garantem que Anselmo é preconceituoso e que mantém simpatias a grupos supremacistas desde sempre.
Já especialistas em história do Pantera e fãs incondicionais defendem o cantor afirmando que a bobagem de 2014 foi coisa de bêbado e nunca mais se repetiu - ao menos publicamente, o que seria um argumento para que as execrações públicas cessassem.
No Brasil os boicotes são recorrentes no rock, em especial a artistas que manifestam em posturas de direita e extrema-direita. Recentemente, a banda paranaense Semblant abriu mão de abrir o show da banda holandesa Epica em São Paulo, em dezembro passado.
O motivo foi uma forte campanha contra a banda por conta de um vídeo publicado pela vocalista Mizuho Lin reclamando da vitória de Luiz Inácio Lula da Silva na eleição presidencial de 2022.
Ela desdenhou dos protestos dos bolsonaristas criticando-os por não terem "feito nada" para evitar o resultado, insinuando que comportamentos golpistas teriam de ter sido adotados antes do fim da eleição.
Conhecidos por publicamente apoiarem Jair Bolsonaro, os integrantes da banda não esperavam uma reação tão forte. Desistiram da apresentação e chegaram dizer que a vocalista estava "afastada" por tempo indeterminado.
Ninguém legou muito a sério essa medida, e, como era esperado, ela foi reintegrada menos de um mês depois. Entretanto, algumas portas se fecharam em vários locais do Brasil para a Semblant.
Para evitar esse turbilhão de críticas a ponto e afetar a credibilidade da banda, o Shaman deixou de existir. Três integrantes anunciaram publicamente que estavam fora depois que o baterista Ricardo Confessori, apoiador de Bolsonaro e de ideias extremistas, destilou uma série de xingamentos preconceituosos e homofóbicos contra um antigo fã nas redes sociais.
A ira do baterista surgiu depois de compartilhar fake news e de manifestar apoio aos terroristas que invadiram e vandalizaram as sedes dos Três Poderes, em 8 de janeiro, em Brasília. Os outros três integrantes temiam que a banda ficasse marcada como antidemocrática e apoiadora do fascismo.
Raimundos e Ultraje a Rigor também sofreram, de alguma forma, com cancelamentos e boicotes por conta da ade são ao bolsonarismo ou a ideias conservadoras que se chocam com a essência do rock e do comportamento roqueiro.
No caso brasileiro, a coisa vai muito além da polarização entre esquerda e direita. Por mais que seja estranho admitir, não há como condenar um roqueiro por ser conservador e ser política e economicamente de direita. O problema é quando o conservadorismo extrapola para o extremismo cego e ignorante, mergulhando na profunda burrice, como é o caso do bolsonarismo.
Não se trata mais de direita ou esquerda: é um confronto entre civilização e barbárie, entre conhecimento e ignorância, entre democracia e autoritarismo, entre liberdade e fascismo.
A cada manifestação contrária a Phil Anselmo crescem os argumentos a favor de seu cancelamento, já que nazismo e fascismo são intoleráveis.
O Combate Rock é totalmente democrático, antifascista e antirracista e Phil Anselmo há muito não conta com o apreço de nossa equipe, embora parte dela ainda respeite demais o que o Pantera realizou entre 1988 e 2000.
Entretanto, a discussão é premente e necessária para que evitemos condenações definitivas e perpétuas de quem errou, mas que se redimiu ou que tenta se redimir. É um debate difícil e, aparentemente, inconclusivo, mas pertinente para que não cometamos injustiças para sempre.
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