Quando a cantora norte-americana Leather Leone assumiu os vocais da ótima banda de heavy metal Chastain, muita gente afirmou que finalmente a alemã Doro Pesch (ex-Warlock) finalmente teria uma concorrente de peso.
Agressiva, determinada e com voz rouca e potente, a cantora americana de personalidade forte conseguiu também mostrar personalidade e carisma nos palcos, e logo foi alçada a diva do metal deste lado do Atlântico.
Por uma série de motivos Leather não deu continuidade à ascensão demonstrada em bons álbuns com o Chastain e entrou pelos anos 90 com um álbum solo, "Shock Waves", sem muita convicção de que o mercado ainda tinha interesse em uma cantora de metal geniosa e agressiva.
Logo saiu do grupo, sendo substituída por outra diva, Kate French, boa cantora com pinta de modelo – esta esteve em capas de CDs das bandas Chastain e Southern Gentlemen, lideradas pelo guitarrista (e patrão) David T. Chastain.
Sem que ninguém percebesse, saiu de cena para encarar uma vida normal fora dos palcos, trabalhando em pet shops e clínicas veterinárias no interior dos Estados Unidos.
Nos anos 2000 foi gradualmente voltando `música e ao rock, primeiro, em 2012, gravando um CD em companhia de Sandy Sledge e reassumindo os vocais da banda Chastain a partir de 2014, ao mesmo tempo em que mantém a carreira solo.
"We Are the Chosen" é o mais recente álbum dela, com uma sonoridade moderna e pesada. Sem nenhuma preocupação em soar datada, Leather, como passou a ser conhecida, abusa dos anos 80 com toda a propriedade e entrega o que promete: heavy metal tradicional agressivo e com guitarras bem na frente, com timbres que estariam na vanguarda em 1989. E o resultado é bem interessante.
“We Take Back Control” é forte e beira o metal de arena, com ares de “hino” e letra típica do metal oitentista, da mesma forma que a faixa-título, que lembra bastante o Chastain e a própria banda alemã Warlock. É metal puro em seu clima épico e suas “cavalgadas” na guitarra. É a melhor faixa do álbum.
Por e-mail, Leather Leone concedeu uma entrevista exclusiva ao Combate Rock em 2023 falando da sensação de readquirir uma relevância dentro do heavy metal, além de comentar como ela vê o espaço das mulheres na música atualmente. É mais um texto que faz parte do especial em homenagem ás mulheres no mês delas.
Dois álbuns poderosos lançados em poucos meses, que demonstram uma urgência e uma vontade que eu não tinha percebido em trabalhos anteriores. Como você avalia o estágio atual de sua carreira hoje?
Obrigado .... minha carreira é e sempre foi esporádica. como a chuva. Mas estou em uma marcha com força total no momento. Meu contrato com a SPV/Steamhammer e a força da minha colaboração musical com Vinnie Tex alimentaram minha inspiração.
A pandemia de covid-19 foi um momento sombrio para a maioria dos artistas, e muitos deles a utilizaram como inspiração a para seguir em frente e mesmo para compor. Qual foi o impacto da pandemia na sua carreira e no seu cotidiano?
Também avancei com a criação de "We are the Chosen". Vinnie e eu temos muito espaço para "respirar". Na verdade, isso me ensinou uma lição sobre composição. Eu não sou uma pessoa paciente, eu fui forçada a me tornar uma E o resultado após We are the Chosen" foi a percepção de que eu precisava aprender muitas coisas, entre elas a ser mais paciente.
O seu retorno à parceria com a banda Chastain e com David foi muito festejado pelos fãs e rendeu ótimas músicas. Dá para dizer que hoje você se sente mais confortável trabalhando com a banda do que nos anos 80?
Sim. Estou muito mais à vontade. Agora eu conheço minha voz, como usá-la e como não permitir que ninguém me diga como me expressar vocalmente. E meu relacionamento com Chastain nunca muda... não importa quanto tempo entre as reuniões, é como ontem...
Em "We Are the Chosen" as guitarras estão mais pesadas, com timbres mais modernos e mixadas mais á frente, mais na "cara". Era essa a sua intenção quando compôs e gravou o disco?
Com certeza. Sou um fã de metal extremo, então queria muitos desses elementos. Vinnie também veio da música extrema, mas também ouve muitos tipos diferentes de música, então incorporou todo o seu conhecimento nas músicas. Tivemos muitas conversas sobre fazer desse disco o meu pesado....
Como foi a sua preparação para a volta à banda? Sentiu alguma dificuldade em termos técnicos ou mesmo na performance?
Vinnie Tex e eu somos a banda.. Entrei neste álbum muito mais forte porque Eu finalmente me tornei uma compositora. Foi um sentimento bem diferente e uma grande responsabilidade. Vinnie tem uma intensa ética de trabalho e não me permite relaxar. Ele me empurrou e me fez cavar fundo... Não tive dificuldade em gravar vocais, levei meu tempo, estava pronta. Estar no Hertz Studio é como estar no spa do metal. Estou em casa lá.
Você ainda pretende trabalhar com o projeto Sledge/Leather?
Não há planos no momento.
Seu estilo agressivo e intenso na interpretação das composições da banda Chastain estabeleceram um padrão alto no final dos anos 80, em especial quando se trata de mulheres cantando rock pesado. Essa forma de interpretar foi uma opção natural, como forma de se diferenciar, ou algo que surgiu durante as gravações dos álbuns?
Meu canto nunca foi calculado Minha voz vem de dentro de mim. Não estou me importando com tendências ou fazendo parte da cena. Nunca me considerei uma mulher no metal. Eu sou um vocalista de metal, o gênero musical não é importante, é um assunto chato. Eu trabalhei pra caramba para ser uma boa cantora, e eu sou uma boa cantora
O primeiro álbum solo que você gravou, "Shock Waves", foi lançado no Brasil no começo dos anos 90 pela empresa Laser Company e causou boa impressão, mostrando um som mais sujo e mais agressivo do que os álbuns do Chastain – ou seja, mais heavy metal do que o hard da banda. O resultado a agradou?
Eu não escuto a maioria das músicas que eu fiz. Mas "Shockwaves" ainda pode ser ouvido e me agrada. Eu realmente gosto desse disco. Foi a primeira vez que fiz minhas próprias letras e melodias e realmente refletiu isso. Acho que as músicas ainda aguentam uma audição apurada.
Quando você se afastou da música, trabalhando por um longo período com animais, você disse em uma rara entrevista nos anos 2000 que o rock era passado para você. O mudou em sua relação com a música neste período e quando você sentiu que era hora de voltar?
Minha volta ao metal foi devido á perda de Ronnie James Dio, que morreu em 2010.. Sua morte me fez reavaliar minha própria vida. Ele era uma força em minha carreira. Eu precisava voltar e pegar a tocha para mostrar a minha gratidão a ele. Era minha razão de ser uma vocalista e ele me disse para nunca parar. E nunca pararei.
Sente falta, de alguma forma, dos tempos do Rude Girl?
Eu acredito que foi uma época tão inocente e corajosa. Os anos 80 na Bay Area [cidade de San Francisco e região metropolitana, na Califórnia] foram mágicos. Antes todas as bandas que agora são famosas tocavam apenas nos clubes, apoiando uns aos outros. Havia muitas festas, éramos jovens e loucos. Foi uma honra e uma bênção. Fazer parte dos anos 80 me permitiu estar aqui agora.
As garotas que ajudaram a tornar o metal no que ele é, lá nos anos 80, sempre se destacaram pela atitude em um meio bastante masculino e machista – Joan Jett, Lita Ford, Doro Pesch, Girlschool, Vixen, Leather Leone com o Chastain. Nos anos 90, em especial na Europa, surgiram no metal cantoras de qualidade, mas que nunca reclamaram em aproveitar além da conta da beleza, como Sharon den Adel, Floor Jansen, Anneke Van Giesbergen, Cristina Scabbia e Tarja Turunen. Nos Estados Unidos até mesmo Chastain não hesitou em colocar sua sucessora, Kate French, na capa dos álbuns, assim como o Evanescence fez com Amy Lee. Você consegue enxergar algum tipo de legado no aspecto feminino do rock? Vocês foram as pioneiras no metal, nos anos 80. Você consegue enxergar algum tipo de legado seu e de suas contemporâneas atualmente no aspecto feminino do rock? Vocês foram as pioneiras no metal, nos anos 80.
Eu não observo por esse ponto de vista "sexual" ou de gênero. Eu não sei os problemas que tiveram e admito que não estou interessada nisso. Eu espero que meu único legado seja em reforçar a concentração em realçar o talento musical.
Pelo menos duas cantoras suecas de rock pesado citaram o Chastain de sua época, nos anos 80, como influência e também como fonte primária de inspiração para a explosão de bandas da Escandinávia com mulheres nos vocais ou formadas inteiramente por mulheres. Esse tipo de feedback já chegou até você?
Sim. É uma honra saber que eu inspirei alguém musicalmente.
Depois de mais de 30 anos de carreira, como enxerga a posição das mulheres no rock em meio a casos reiterados de machismo e misoginia, quando não de puro preconceito? Em sua opinião, o quanto avançamos nesta questão e o quanto falta avançar?
Não sei, e como sempre digo, não me interessa falar sobre sexualidade na música. Estou apenas trabalhando para ser a melhor vocalista de metal que posso ser.
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