domingo, 25 de fevereiro de 2024

Personificar a música pesada brasileira é a missão de Jairo Guedz

Artista underground se tornou um termo ou uma categoria muito associada à palavra credibilidade e , por conta disso, uma importante ferramenta de marketing cultural. mesmo longe de pertencer à 'categoria", muita gente faz de tudo para se "inserir no contexto" e ganhar pontos.

O guitarrista mineiro Jairo Guedz pode se orgulhar de ser um verdadeiro artista underground antes mesmo que essa categoria existisse. E, assim como músicos contemporâneos, como os membros do Ratos de Porão e Dorsal Atlântica, personifica o termo por ter militado toda a carreira fora do holofotes maiores.

Com tamanha credibilidade um currículo rico que inclui uma passagem fundamental pelo Sepultura nos ano 80 - saiu em 1987, sendo substituído por Andreas Kisser -, Guedz é uma pessoa ue precisa ser ouvida quando se fala em heavy metal brasileiro e desenvolvimento do rock fora dos grandes eventos.

Com a banda The Troops of Doom, o guitarrista voltou a ganhar destaque no cenário há alguns anos depois de dois EPs e um álbum elogiadíssimo, que frequentou as listas de melhores do ano de vários veículos no Brasil e no exterior, 

Na iminência de lança mais um álbum com a banda e de celebrar 40 anos de estrada na música pesada, Jairo Guedz faltou com exclusividade ao Combate Rock sobre o momento atual do rock, que oferece possibilidades diferentes, sobre Sepultura e o equilíbrio necessário para se dar bem no underground, algo bem difícil em um país onde o rock perdeu espaço.

Quando se fala em metal extremo no Brasil, as bandas costumam ou enveredar por uma linha old school tipo Sepultura, em um death metal mais ríspido, ou caem para a linha escandinava, um pouco mais reta e técnica. The Troops of Doom surgiu com um som mais moderno e com muitas variações, quase progressivo. Era essa a intenção?

A minha intenção, quando criamos a banda, era partir do ponto onde eu abandonei o barco em 1988. Como uma continuidade do que eu estava fazendo na época, na linha do "Morbid Visions" [álbum do Sepultura] e o que eu faria após isso. Gostamos de usar nossas influências em comum, como Slayer, Death, Kreator, Possessed, Sodom, Celtic Frost e como essas influências se remodelaram ao longo dos anos 80 e 90. Acho que, por isso, pode parecer que temos uma pegada moderna com uma atmosfera doa anos 80/90. Mas não curto muito comparações com coisas modernas. Não são uma influência minha ou dos caras da banda hoje em dia...mas, talvez pela mixagem e qualidade de áudio que o mercado exige, algo possa parecer mais moderno que o desejado.

Depois de Krisiun, Crypta e Nervosa, muita gente diz que a bola da vez para a carreira internacional é The Troops of Doom. Há planos para expandir a marca no exterior com turnês e contrato com gravadora europeia?

 Primeiro, é um grande prazer dividir esse "pódio" com bandas tão boas e expressivas! Obrigado! Nós estamos terminando de fechar uma tour pela Europa em agosto/2024 que deve ter um total de 25 shows em 30 dias, em 11 países. Será parte da divulgação do nosso novo álbum, "A Mass to the Grotesque", mas queremos fazer o Brasil antes disso;

Percebe-se nos trabalhos até agora lançados que a banda fez uma pesquisa para encontrar timbres de guitarra que pudessem destacar The Troops of Doom em um mercado competitivo demais. Recentemente, somente Krisiun e Nervosa realizaram tal coisa, o que reflete os bons resultados que estão tendo, e isso não é coincidência. Como vocês chegaram a tais timbres?

Nós temos muito claro para todos nós o tipo de som que queremos para banda. A maior dificuldade é atingir esse nível de qualidade sonora que o mercado exige sem parecer moderno demais, comprimido demais...mas sempre trocamos essa ideia com os produtores e quem vai trabalhar na mix. Esse resultado vem da soma do nosso trabalho com a experiência de quem está na mix. Até o momento estamos muito satisfeitos com essa sonoridade!

Em um momento em que o rock deixou de ter a preferência dos jovens, as vertentes mais extremas do metal ainda mantêm um público fiel entre a garotada, com shows nacionais e internacionais lotados no Brasil. Por que isso ocorre? Como bandas como a sua conseguem manter uma boa audiência mesmo com o rock sumido entre as playlists da maioria dos jovens?

Eu tenho visto em nossos shows uma legião de fãs jovens, dos 10 aos 20 anos, e sempre estão acompanhados de seus pais, tios...então eu acredito que, mais do que uma nova tendência entre esses jovens, está a continuidade de uma tendência doa próprios pais e familiares, que fazem parte das primeiras gerações do metal nacional, lá nos anos 80 ! O Heavy Metal tb é uma "doença" hereditária kkkkk ! Claro que também estamos sendo testemunhas de um novo ciclo do metal, como a volta do glam metal e um retorno natural ao início desse ciclo lá nos anos 70 e 80...mas tenho visto muito jovem acompanhado dos pais e mães nos nossos shows, e isso é motivo de muita alegria e orgulho pra mim.

 Como você compara os seus trabalhos com The Troops of Doom e The Darkness Foundation? Quais as diferenças fundamentais entre as duas bandas?

The Troops of Doom é um resgate de tudo que eu fazia nos anos 80 com o Sepultura. As mesmas influências, os mesmo gostos, a mesma atmosfera. Um death e thrash metal agressivo, letras ofensivas, temas religiosos e políticos. The Darkness Foundation é um projeto paralelo que me permite explorar mais minhas influências menos agressivas e pesadas, e posso explorar mais as minhas influências sombrias, densas, mais pop, mais dark e mais eletrônicas. Minhas influências, e dos demais membros para esse projeto vão de The Sisters of Mercy a Ministry, passando por Depeche Mode e Tiamat.

A Folha de S. Paulo soltou agora o livreto do Sepultura dentro da série sobre grandes nomes do rock que está promovendo. Quem fez a apresentação no jornal diz que Sepultura tornou o rock brasileiro relevante internacionalmente, o que é verdade. Depois de 40 anos de criação da banda, você consegue medir o tamanho de seu legado para a própria banda e para o rock nacional?

Eu nunca tenho uma ideia exata sobre essa medida, sobre o meu legado (e não parei ainda kkkk) para música pesada nacional e mundial. Mas todos os dias eu tenho alguma prova de que esse legado é de extrema importância e representatividade. Bandas gringas, pequenas e famosas, sempre me trazem informações de que se inspiraram em nós (Sepultura nos anos 80) e o quão importante foram os dois primeiros álbuns. que eu gravei com eles...eu só posso medir minha importância e/ou relevância no cenário do metal nacional e mundial através do carinho e do respeito que recebi todos esses anos e continuo recebendo agora com The Troops of Doom  E eu agradeço todos os dias por esse carinho e respeito.


Você algum dia imaginou um mundo sem o Sepultura? Muita gente acredita que o buraco será enorme sem a banda. Acredita que poderia haver algum tipo de celebração com ex-membros antes do fim, ainda que os irmãos Cavalera não participem?

 O Sepultura é uma daquelas bandas que nunca imaginamos nossa vida sem elas. Como o Slayer, Metallica e outras, parecem que serão bandas eternas. Mas infelizmente isso não é a realidade. Eu fico muito sentido com o final da banda, mas respeito a decisão dificílima que os caras chegaram...e tenho certeza de que fizeram uma escolha certa e pensada, para que eles possam desfrutar de mais tempo com a família, os filhos, as esposas; além de cuidar mais da saúde e de outras prioridades! E adoraria que houvesse algum tipo de celebração com ex-membros. Seria muito bacana isso!

Muito se fala sobre o surgimento de uma cena extrema em Belo Horizonte antes mesmo de essa vertente se consolidar, no metal, em São Paulo e no Rio. Há até um certo ciúmes entre os paulistanos nesta questão, que muito tempo alimentaram, sem razão, o fato de a metrópole industrial ser o berço da fúria roqueira. Mais de 40 anos depois você encontra uma explicação para o fato de os mineiros terem liderado esse processo? Por que a música extrema explodiu em BH com muito mais força antes de São Paulo?

Existem algumas teorias sobre essa realidade. O metal mais extremo surgido no Brasil teve o seu berço em Belo Horizonte, sem dúvida alguma! Minas sempre foi um estado mais calmo, mais agrícola, um povo mais interiorano, menos metropolitano, mais religioso...talvez TUDO isso junto tenha sido munição para um explosivo mais forte e barulhento que os demais espalhados pelo país. Acho que queríamos ser os jovens mais podres, sujos e agressivos do planeta...por causa dessas tradições e do peso da religião que a cultura do povo mineiro sempre carregou.

Com as mudanças de hábito de consumo de música neste século, em que tudo ficou quase de graça na internet, as bandas novas e as do underground encontram alguma dificuldades para conseguir espaço. Tudo está muito pulverizado e gravadoras e imprensa especializada praticamente não existem mais. Enquanto o segmento não sem reinventa, como encontrar motivação para fazer música e tentar viver dela?

Na realidade, eu vejo que todos os envolvidos nesse processo de mercado musical já estão se reinventando e se readaptando de alguma maneira. Os novos formatos de comércio de música são apenas mais uma ferramenta a ser explorada, mas não enterram por completo os demais processos e formatos. No nosso caso, do The Troops of Doom, , temos em contrato com nossa gravadora AlmaMater, de Portugal (gravadora de propriedade de Fernando Ribeiro, vocalista da banda Moonspell), a obrigação de fabricar CD, Vinil e L7 de nossas obras, e, além disso, claro, temos um acordo com outra gravadora (Blood Blast/Nuclear Blast), que é responsável pela distribuição mundial do nosso material em formato digital. É importante estar em todas as plataformas de mercado, digital e físico, ao mesmo tempo, e não ficar apenas reclamando que o mundo não é mais o mesmo. Algumas coisas ainda não mudam, principalmente no meio do metal, como shows ao vivo e merchandising. Basta saber trabalhar com tudo isso de forma equilibrada e vai dar tudo certo. Todos saem ganhando com isso.

Estruturas underground de fomento ao metal e vertentes mais extremas, como selos e gravadoras tipo Cogumelo, fazem muita falta hoje em dia? A Cogumelo, da forma como existiu, faria sentido hoje?

Acho que a Cogumelo como existiu não sobreviveria hoje ! Mas som, faz muita falta ! O que resta pra gravadoras, produtoras, distribuidoras, é se reinventarem pra não perder uma fatia tão grande do mercado. Os formatos de contratos precisam mudar. As partes precisam trabalhar mais de forma cooperativa, redefinir metas e regras e aprender à delegar funções, deveres e direitos de cada um sob um modelo menos selvagem e explorador.

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