terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

Dead Fish: músicas e histórias para jamais esquecer

 Todo mundo gosta de dizer que se lembra exatamente onde estava e o que estava fazendo na manhã de 11 de setembro naquele fatídico ano de 2001, quando uma série de ataques terroristas contra os estados Unidos derrubaram as Torres Gêmeas do World Trade Center, em Nova York, matando mais de 3 mil pessoas. 

Mas tem uma banda de rock que prefere lembrar - e fazer os latino-americanos lembrarem - de um fato muito importante para o continente ocorrido no mesmo dia 50 anos atrás: o golpe militar sangrento que depôs o presidente socialista chileno Salvador Allende, que suicidou ao final daquele 11 de setembro de 1973, mergulhando o Chile em uma noite muito escura e pavorosa de 17 anos de ditadura militar.. 

A estimativa é de entre 3 mil e 5 mil pessoas tenham sido torturadas e assassinadas pelo regime do general Augusto Pinochet entre 1073 e 1990, quando ele deixou o poder. Na vizinha Argentina, os militares mataram mais de 30 mil pessoas entre 1976 e 1983 (também é mera estimatiba); no Brasil, oficialmente, foram 464, com suspeitas de que podem ter morrido mais por conta da ditadura.

"Esse álbum tem conotação política evidente e essa canção, '11 de setembro', alude ao golpe no Chile e como um regime perverso pode ser nocivo à sociedade", afirma o vocalista do Dead Fish, Rodrigo Lima, em conversa exclusiva com o Combate Rock.

Ele se refere ao conteúdo do nov trabalho do grupo, "Labirinto da Memória", que mescla fatos históricos e reflexões da vida de pessoas que foram marcadas pela história de várias maneiras. É um álbum bem propício para o garoto que se aproxima dos 50 anos de idade relembrar os 33 anos de Dead Fish, um nome fundamental para entender o punk rock no Brasil, principalmente a partir dos anos 90;

"Labirinto da Memória" é um disco de uma banda que tem muito a dizer, especialmente depois de uma pandemia mortal de covid-19 e de um governo brasileiro de extrema-direita que patrocinou vários retrocessos durante quatro anos, abrindo e acentuando um abismo sociopolítico jamais visto no Brasil.

Foram tempos difíceis, mas que renderam material para décadas de análises e reflexões. "Não dá para fugir do clichê: aprendemos muito, e na marra, a atravessar esse período turbulento driblando os obstáculos. Saímos mais fortes e melhores? A gente sempre acha que sim, mas só saberemos com o tempo."

Para quem gosta de música ligeira e movida a guitarras, o mundo do Dead Fish melhorou, mostrando uma banda revigorada e mais pesada. 

O hardcore ganha mais espaço, muitas canções são urgentes e aceleradas, em um resgate de uma sonoridade que fazia a galera ter vontade de saltar, pular e chutar - mais eco do labirinto da memória que inspirou todo o álbum.

"Não tem como fazer punk rock que não seja de contestação, com atitude e até mesmo com provocação", analisa o vocalista. "Esse é o espírito que ainda nos guia e nos impulsiona  e não se trata apenas de apontar o do e enfiá-lo nacara. É uma questão de interpretar o nosso mundo e a vida,, de saber o que está acontecendo. E tem muita gente que sente a mesma coisa, que nos move e nos incentiva a estar aqui mais de 30 anos depois do começo."

Para Lima, é reconfortante olhar para trás e vasculhar as boas memórias de uma banda que  surgiu em Vitória (ES) e fez de tudo para manter uma integridade inerente e necessária para uma banda punk engajada e politizada.

Se os tempos de pandemia e de polarização política foram árduos em vários sentidos, por outro mostrou como o Dead Fish é resiliente. 

"É bacana ver o reconhecimento que atingimos como uma banda que tem o que dizer e que tem relevância no século XXI. Por ser uma banda dita engajada, fomos alvo quase sempre, e não seria diferente nos tempos de [ex-presidente/ Jair Bolsonaro. Quem é punk sempre está preparando porque sempre está na linha de frente. É o tipo de coisa que me orgulho", diz o músico, reforçando a mensagem de que o Dead Fish é uma banda progressista e de ,muito protesto.

Outro aspecto que é ressaltado é que, com o mergulho nas profundezas da memória, ecos do passado  acabam por ecoar por todo o álbum e reforçando um sentimento que desde sempre a banda faz questão de evidenciar: o sentimento de comunidade, em que há cooperação e um senso de irmandade que é raro, por exemplo, no metal. nacional.

"Dá um orgulho danado ser considerado referência para alguém, e os meninos do Black Pantera umdoa nos procuraram e ficamos honrados pela deferência, diz Lima. "Ajudamos no que pudemos e cantei com eles em shows,. O sentimento é o melhor possível, e sinto também que é possível resgatar isso com a nova geração de rock".

O álbum 

Sem rebuscamento e adepto do som mais na veia, direto ao ponto, Dead Fish recupera raízes do hardcore sem medo de soar datado ou repetitivo em Labirinto da Memória". 

São certeiras as várias críticas socioeconômicas e políticas.Tem até uma aula de "história competente, como em "11 de Setembro", que faz alusão ao golpe militar que destituiu o presidente socialista chileno Salvador Allende em 1973.

“Labirinto da Memória”, como o próprio nome diz, mergulha na memória coletiva a partir de uma jornada do vocalista Rodrigo Lima. Tudo começou quando ele estava lendo “Realismo Capitalista”, do Mark Fisher, que descreve as mudanças que o capitalismo trouxe para o mundo, através de sua experiência. “Foi uma faísca”, diz Rodigo Lima.“Fiz 50 anos e não queria ficar remoendo as memórias como algo nostálgico, mas sim como um ‘zine’ de coisas boas e ruins que aconteceram tanto comigo como com quem vive em nossa época.”

Assim, ele foi escrevendo em seu inseparável caderno até finalizar as letras, boa parte delas em parceria com Álvaro Dutra. O álbum também trata de assuntos do presente, mas os primeiros singles trazem como tema a passagem do tempo. Situações que vivemos no Brasil e no mundo também são temas de algumas músicas como “Estaremos Lá”.

O engajamento e o ativismo é total, para desespero do mundo conservador que ainda clama por uma arte sem conotações políticas, como vomitou recentemente nas redes sociais um conhecido produtor musical do pop rock nacional. 

"Criança Versus Criança" é uma porrada no queixo, ainda que repise as velhas mazela sociais de sempre, enquanto que "Dentes Amarelos", que é veloz e violenta. 

"Estaremos Lá" é o toque de esperança no álbum, resgatando uma mensagem de que lutar é necessário - e que sempre é possível alcançar o objetivo. "49" é mais nostálgica, falando da entrada na meia idade e mostrando como é legal saborear uma vida intensa e e marcante, mas sempre com posições firmes;

Quem assina a produção é Rafael Ramos e Ricardo Mastria. “Mesmo com os dentes trincados, com as ferramentas que a gente teve, chegamos bem até aqui. É um disco otimista, por incrível que pareça”,  finaliza Rodrigo. Otimista, esperançoso e necessário em tempos tão complicados.


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