À primeira vista, a notícia é boa: os jovens estão mais interessados em música. Só que o interesse é pela MPB tradicional por artistas veteranos que estão sendo redescobertos. O rock não está lista de audições da garotada deste final de ano de 2023, infelizmente.
Há uma percepção generalizada de que aumentou o interesse e a busca pelas músicas de Elza Soares, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque, Elis Regina e outros ídolos da MPB e samba.
Não há pesquisas ou dados que comprovem esse aumento, mas muita gente importante do mercado de entretenimento referenda esse "sentimento" - sejam por querer estar na "onda" ou por realmente perceber alguma novidade no cenário.
Texto recente do portal UOL, dentro da seção "Splash", tentou captar essa tendência e traz informações interessantes, embora não entregue o que promete: detecta alguma percepção de aumento de interesse de jovens por artistas veteranos e importantes da MPB, mas não sustenta a tese por falta de dados de pesquisas que deem suporte à tese. O texto é "Por que os jovens escutam cada vez mais Milton, Caetano, Gal, Gil e Elza?" - https://www.uol.com.br/splash/noticias/2022/12/03/mpb.htm?fbclid=IwAR2Ubx4E9t5TbD_-B558SyYLe9Y4YBH59SH_f_g6qgGTYTSgN0VxzSd03hc
Pessoas entrevistas e citadas no texto - músicos, fãs, produtores e empresários - afirmam que, em parte, o momento político do país, recém-saído de uma eleição presidencial que aprofundou as fraturas sociais e ideológicas da sociedade, ampliou interesse por canções de cunho mais político e forte, com mensagens importantes e universais - "Apesar de Você", de chico Buarque, é um exemplo óbvio por conta de seu protesto contra a ditadura militar dos anos 70.
O fenômeno seria resultado de fatores como identificação - seja por meio do discurso ou o sentimento que a cada música desperta -, estratégias digitais, atualizações de linguagens, e tudo aquilo que faz desses artistas únicos (e para o que não há explicação lógica).
Faz sentido se observarmos que parte do público jovem, que tem outros hábitos de consumo de música em 2022, se engajou um pouco mais nos temas políticos em ano de eleição presidencial polarizada mesmo sendo bombardeado por notícias falsas.
Na reta final da eleição, aumentou sensivelmente o número de artistas da MPB que se posicionaram a favor de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em razão de seu histórico de apoio a causas progressistas e a favor da democracia.
Músicas de vários artistas foram usadas em reuniões, comícios e carreatas, o que explica, em parte, o ressurgimento do interesse pela obra de Elza Soares, que morreu no começo do ano, aos 91 anos.
Dani Ribas, doutora em sociologia pela Unicamp (Universidade de Campinas), reconhece uma tendência de renovação de público para artistas da MPB, embora predominância na preferência dos jovens seja maciça do gênero sertanejo - mais de 60%, segundo pesquisa do Datafolha.
Ela atribui o interesse, ainda que em parte, ao "ecletismo" da juventude atual. "Eu acho também que esse ecletismo não se dá tanto por gênero musical, mas sim por clima, por sensação buscada na música", declarou ao UOL.
Então chegamos a um ponto importante relatando por algumas pessoas que estão no mercado e que explicam, de alguma forma, a estagnação do gosto pelo rock entre os jovens: a sensação de "pertencimento".
O rock deixou de ser acolhedor
Em recente evento de lançamento de um die banda de rock nacional com nomes importantes do gênero, um músico e produtor com anos de trabalho nos Estado Unidos, em conversa informal, comentou que hoje o rock mais afasta do que agrega jovens por conta de uma "cegueira mercadológica". Acredita que é pior aqui do que em outros países.
"Talvez seja uma coisa cultural e tenha a ver com a origem de classe média no Brasil", diz o profissional. "É uma tendência do rock se fechar em nichos e m grupos sectários, rechaçando alguma integração ou intercâmbios, para não falar no frequente menosprezo a outros gêneros musicais."
Para ele, essa mistura de preconceito, pedantismo e "supremacismo" acaba por afastar boa parte do público jovem que se sente acolhido pelo rap e pelo sertanejo, e até mesmo pelo pagode. "Os roqueiros sempre gostaram de dizer que o rock era 'superior' por causa disso e daquilo. Foi se fechando em si mesmo e se afastando do jovem que, por sua vez, foi sendo afastado progressivamente do rock por conta do sectarismo."
Essa visão vai ao encontro de várias teorias que dão conta de que o rock há muito deixou de falar a linguagem dos jovens e de fazer sentido para gerações tecnológicas e digitas que ouvem música de outra forma.
O rock ainda aposta em uma fidelidade que não existe mais e em modos de consumo de música antiquados, segundo alguns especialistas, o que agravaria anda mais a situação e aprofundaria o fosso em relação aos mais jovens.
"A quantidade de jovens em grandes shows de rock ou festivais de todo o tipo não é um bom indicador de renovação de interesse do que for", diz um importante empresário da área musical que pediu para não ser identificado. "Hoje festivais e shows em estádios estão mais para baladas e raves. Muitas vezes as pessoas não sabem nem quem está tocando. As bandas de rock precisam de adequar ás novas formas de consumo de música e produtos correlacionados. E, principalmente, tentar entender o que o jovem pensa e quer."
Uma das questões que precisam ser entendidas é que o rock, hoje, não é acolhedor, seja por ainda embutir comportamentos e pensamentos isolacionistas e preconceituosos, seja por continuar a falar apenas para a sua própria bolha, normalmente formada por gente com mais de 40 anos de idade.
O empresário em questão cita Raimundos, Mamonas Assassinas e Los Hermanos como exemplos de artistas populares do rock que agregavam, tinham empatia e conseguiam espalhar um sentimento de pertencimento que a Legião Urbana sempre manifestou.
"Não se trata de querer que os artistas se guiem pelo que o público quer ou acha que quer", arremata o empresário. "É uma questão de sobrevivência, no entanto, entender como vivemos no mundo de 2022 que como atingir um público maior e expandir horizontes sem aquela ilusão de que haverá fidelidade e vendas expressivas. Um trabalho massivo e incansável nas redes sociais é fundamental para conseguir um mínimo de engajamento. Nem tudo vai viralizar, mas sem isso as possibilidades nao existem."
Ele ressalta exemplos interessantes de engajamento e popularidade de bandas como Boogarins, Macaco Bong, Far From Alaska e mais algumas outras relativamente bem-sucedidas, mas aponta que, aparentemente, bateram no teto. "Continuam muito no underground e não devem sair disso. Ainda que não tenham a intenção de crescer mais e que gostem do esquema underground, podem ser tomadas como exemplo de como coisas de qualidade e interessantes podem se enrolar no emaranhado de teias do mercado e terem dificuldade de atingir um público maior por estarem presas a engrenagens que estão distantes dos jovens no geral."
Presunção e preconceitos
Há também outra questão que afasta os jovens do rock e que tem a ver coma sensação de pertencimento, digamos assim: a memória afetiva. Muitos dos jovens estão "regressando" à MPB por conta da memória afetiva do que ouviam em casa quando eram mais novos ou crianças.
O resgate dos sons antigos em período conturbado de eleição e mesmo a celebração de datas importantes, como os 80 anos de Gilberto Gil, Caetano Veloso e Milton Nascimento fizeram muita gente retornar ao acervo familiar e, daí, partir para as lojas digitais e serviços de streaming em busca de catálogos robustos dos "nomões" da MPB.
Partindo desse pressuposto, podemos observar que, até certo ponto, falta estímulo para o rock empurre pate dos jovens em busca dos clássicos e se reconecte com o gênero. Isso ocorre nas escolas de música, mas é um universo estrito e ainda mais de classe média, reforçando um certo exclusivismo que paira sobre o gênero - algo que é perfeitamente identificável e perceptível.
Fica fácil entender que o rock não está sendo acolhedor e que afasta uma juventude que quer consumir música e encontra maior acessibilidade no rap, no funk e no sertanejo - são mais acolhedores, menos preconceituosos, menos exclusivistas e apelam para uma linguagem mais próxima e acessível.
Sendo assim, o caminho para o rock tentar uma reaproximação com os jovens é árduo, muito longo e cheio de perigos, além da total incerteza.
Mais do que aderir a megaestratégias digitais e de ocupação de espaços nas redes sociais, é preciso que o rock volte a ser acolhedor e que ofereça uma sensação de pertencimento que fez com que se tornasse uma voz importante da juventude nos anos 80.
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