sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

Edu Ardanuy cai de cabeça no jazz rock e faz de 'Wild' um álbum excepcional

 O poder da guitarra é mágico e costuma encapsular os instrumentistas em sua própria bolha quando decidem pela carreira solo instrumental. As músicas autorais são feitas para ele mesmo ou para o público?

"Electric Nightmare", álbum de Edu Ardanuy (Sinistra, ex-Dr. Sin) de 2009, pretendia responder essa pergunta até certo ponto, mas o guitarrista desencanou e nos proporcionou um um ótimo isco de rock pesado encharcado de hard blues. Sem querer, demoliu esse suposto dilema, e outros músicos, como os amigos Kiko Loureiro (Megadeth, ex-Angra) e Felipe Andreoli (baixo, Angra) seguiram pelo mesmo caminho.

O segundo álbum autoral e instrumental de Ardanuy segue pelo mesmo conceito, ainda que por caminhos diferentes. O ás da guitarra rock enveredou pelo jazz e pelo blues com pitadas de muitas coisas - até de rock, com o apoio de uma banda de respeito. Manny Monteiro é o baterista preciso e Glecio Nascimento, o baixista eclético. Nos teclados, vários participam, entre eles André Youssef e Tiago Mineiro.

Quis o destino - e a pandemia maldita de covid-19 - que o lançamento de "Wild" coincidisse com o álbum "Sinistra", da banda de mesmo nome que montou com o vocalista Nando Fernandes - e que hoje tem ainda o baixista Luís Mariutti (Skaman, ex-Angra) e o baterista Rafael Rosa.

O primeiro álbum foi gravado e lançado quase como uma necessidade de expandir os horizontes e forçar alguns limites. "Wild", por sua vez, tem a cara daquele disco que o guitarrista sempre quis gravar, reunindo a maior quantidade de influências que pudesse empilhar em dez temas. O resultado é um senhor disco de jazz rock.

Como nunca precisou se exibir para mostrar o que sabe, o caminho de Ardanuy sempre esteve livre para passear por áreas que devem surpreender muitos fãs e admiradores. 

Predominam nas músicas a admiração por guitarristas como os ingleses Jeff Beck e John McLaughlin (Mahavishnu Orchestra) mas é possível identificar aqui e ali tributos a gente como Wes Montgomey, Joe Pass, John Scofield e até Stevie Ray Vaughan, entre outros.

"Big Shuffle', o ótimo tema que abre o álbum, é puro Jeff Beck da fase "Blow by Blow", de 1975, que inaugurou o mergulho do inglês pelo jazz sob  tutela do produtor George Martin (Beatles, entre outros). É uma profusão de fraseados e solos de bom gosto que deixa o ouvinte meio perdido. Tem muita coisa acontecendo ao mesmo tempo e Edu Ardanuy não faz concessões e nem facilita as coisas - ainda bem.

"Relax and Enjoy" esbanja sofisticação em um jazz puro que logo nos remete a clássicos de Scofield e à maravilhosa "Riviera Paradise", de Stevie Ray Vaughan. a facilidade com que passeia pelos temas chega a ser irritante, situação amenizada pelo feeling assombroso.

Ainda que os timbres de suas guitarras sejam roqueiros em alguns momentos, os segmentos melódicos mais limpos revelam um artista detalhista e minucioso, que teve trabalho e bom gosto na pesquisa de timbres e no encadeamento harmônico. "Relax and Enjoy" é o maior exemplo.

Em "Deep Blue", a variedade de melodias e de riffs encanta em uma deliciosa homenagem ao trio Niacin (formado pelo tecladista john Novello, pelo baixista Billy Sheehan, do Mr. Big, e pelo baterista Dennis Chambers). 

O nome da canção é o mesmo de um dos discos do trio norte-americano. Houve espaço ate para uma citação, durante a canção, a melhor tema daquele disco do Niacin, o blues maravilhoso "This Ain't Like I Used to Be", que tinha como convidados especiais Glenn Hughes (ex-Deep Purple e ex-Black Sabbath) nos vocais e Steve Lukather (Toto) nas guitarras. É uma perfeita aula de feeling bluesy.

"New Horizon" e "Wild" são temas mais ligeiros e profundamente encharcados de blues, embora a levada melódica e m clima de jam nas duas seja o diferencial de temas que poderiam ser apenas jazzísticos.

Não há uma escorregada no álbum. O artista equilibra de forma magistral, sem excessos, a habilidade estonteante e o virtuosismo. "Funkadelic" é uma amostra perfeita disso, com um passeio por uma fusão de gêneros e fazendo com que o tema seja o mais dançante e esfuziante do disco. "Grooveland" vai na mesma toada, mas com fraseados mais complexos e solos mesclados de várias influências. 

Parece uma canção cheia de armadilhas que o próprio se impôs como um desafio ver como se safaria. Claro que se safou sem nenhuma dificuldade.

Para o final, escorregou para o blues e o rock nos bons temas "Space Cowboy" e "Grafitti". Na primeira os ecos de Jeff Beck reaparecem, desta vez da fase em que se associou ao tecladista austríaco radicado nos Estados Unidos Jan Hammer. Aqui ele abusa um pouco mais da habilidade e do virtuosismo para marcar território. 

Na segunda, "Grafitti", é quase um tributos a Billy F. Gibbons, do ZZ Top, com uma execução malandra e bem estilosa, com o rock transbordando por todos os poros, ainda que o timbre seja limpo, mas escorregadio.

O clichê é bem apropriado: é um CD que precisa ser mostrado em todas as aulas de guitarra rock para uma molecada que certamente não está acostumada a tamanhas doses de bom gosto. Se alguém gostou de álbuns como os últimos de Joe Satriani e Jhn Petrucci (Dream Theater), "Wild" está, no mínimo, no mesmo nível. 

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