quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

Black Pantera se transforma na voz do rock engajado dos novos tempos

A intenção era cravar a mensagem nos peitos e nas testas dos que sempre teimaram em desrespeitar as "minorias" e subestimar a capacidade de indignação da sociedade. No entanto, os três garotos negros do interior não imaginavam que chegariam ao final de 2022 como figuras de ponta dos novos tempos em que as luzes voltaram a brilhar.

Contundentes e furiosos, os integrantes do trio mineiro Black Pantera são as vozes mais presentes e ouvidas em um período de esperança com um novo governo federal a assumir em janeiro, um governo com feições mais humanas e decentes, com promessa de amplo respeito às diversidades e à democracia.

São quase dez anos de uma trajetória árdua, mas que ganhou impulso a partir de 2017 por conta das apresentações viscerais e com uma mensagem direta e explosiva com fortíssimos componentes políticos, sociais e de protesto. "Pode ser de protesto, mas é, principalmente, de resistência, antirracista e antifascista", assinala Chaene da Gama, baixista e um dos vocalistas da banda.

A apresentação no Rock in Rio 2022, ao lado dos pernambucanos do Devotos, coroou uma ascensão que já era constada antes da pandemia de covid-19. O prestigio era imenso, lastreado pela qualidade dos álbuns e pela fúria das apresentações. 

A estranheza de ver três jovens pretos gritando e esgoelando um thrash metal/hardcore explosivo teve um impacto impressionante, embora isso ainda incomode os músicos. 

"Faz parte ainda de uma mentalidade da nossa sociedade", disse Chaene em conversa exclusiva com o Combate Rock. "Temos de evoluir bastante ainda para que a Black Pantera e outras do gênero deixem de ser exceções. Ser uma banda de rock tem de deixar de ser uma característica, assim como a Crypta e a Malvada têm de ser conhecidas por serem bandas de rock, e não bandas de rock de mulheres."

Leia a seguir alguns trechos da entrevista com Chaene da Gama:


Vocês já conseguem medir os resultados da exposição que vocês tiveram nos telões de Nova York? Conseguem medir o tamanho do salto de Uberaba para Nova York?

Chaene da Gama: Representou uma quebra de vários padrões dentro do que se chama rock nacional. Uma banda preta e antirracista figurar nos telões da Times Square é algo difícil de medir em nossa carreira. Saímos do interior de Minas Gerais para mostrar um trabalho que está crescendo. Estivemos lá em 2018, tocando e divulgando, mas sem o cartaz que temos hoje. Divulgou muito a banda e o post que fizemos com os nossas fotos nos telões foi o mais visto em nossas redes sociais.

"Ascensão" está frequentando as listas de melhores do ano de 2022 e "Legado" tem sido uma das músicas mais ouvidas deste fim de ano, coisa rara em relação a bandas de rock do underground e engajadas. Com a imensa repercussão já pensam em passar mais tempo fora de Uberaba? Cogitam uma mudança para São Paulo?

O álbum tem uma repercussão que ainda nos espanta, mesmo sabendo que é forte e que teria impacto. Está nos empurrando para uma imensa turnê e shows no Brasil todo, e agora fomos escalados de última hora no Knotfest, em São Paulo. Tudo ficou bem mais corrido e implica novos paradigmas de logística e de planejamento. Entretanto, não creio que seja o momento de mudar para São Paulo, pelo menos eu não penso nisso agora. Somos do interior, adoramos Uberaba (MG). São Paulo é muito grande e caótica, tudo é urgente, ainda não queremos isso para nós.

Vocês receberam algum contato da equipe do presidente Lula para tocar no Lulapalooza, em Brasília, no dia 1º de janeiro?

A esperança voltou, passamos por quatro anos muito complicados e sabíamos que não dava para continuar daquele jeito. Assim sendo, nos engajamos pela vitória de Lula e seria maravilhoso tocar no dia da posse e participar desse momento histórico. Apoiamos, e vamos cobrar, como cidadãos, as ações do novo governo. Queríamos muito participar, mas ainda não recebemos um convite. quem sabe se alguém ler essa entrevista.

Dois pontos chamaram a atenção nas reds sociais a respeito de postagens críticas ao Black Pantera: a imagem de banda engajada de "esquerda" e a pecha de "artistas que incentivam o ódio e a violência" por causa da música "Fogo Nos Racistas". O que acham desses "pontos de vista" que correm pela internet?

Nós sempre fizemos questão de nos posicionarmos politicamente. Achamos necessário. Aliás, o próprio nome da banda já é um posicionamento, já mostra o que somos. Somos três aras pretos fazendo rock, o que incomoda alguns, mesmo sendo o rock tendo origem negra. Por conta do nosso engajamento social, é inegável que tenhamos proximidade com a esquerda política por conta desse mesmo viés social. Somos três homens pretos e isso já é uma postura política. Não considero que nossa obra incite a violência, pois a violência contra a população negra é diária. A cada 23 minutos morre um preto vítima da violência no Brasil. A chance de um negro chegar aos 29 anos de idade é menor do que a de um branco. Eu passei dessa marca, tenho 38 anos, sou um sobrevivente. Faço parte do grupo que é o maior alvo da violência. É a carne mais barata do mercado, que morre mais e de bobeira, explicitando o problema social da desigualdade que afeta os pretos e os afunda ainda na pobreza. Quando dizemos "Fogo Nos Racistas" não é literal, é algo metafórico. Não queremos colocar fogo na pessoa racista, queremos que ela se queime sozinha, nas redes sociais, ou que seja denunciada por suas práticas racistas. Não estamos agredindo ninguém e nem estimulando a agressão. Estamos é muito felizes agora com a mudança na lei que prevê condenação de racistas por injúria racial. É dessa forma que queremos "queimar" os racistas.

Como uma banda declaradamente antifascista e antirracista, o Black Pantera virou alvo de reacionários. Isso, de alguma forma, repercutiu diretamente no dia a dia de vocês - como o eventual cancelamento de shows por conta disso?

Sempre tivemos os "haters" em nossas redes sociais, o ódio sempre existiu, mas em pequena escala. O governo federal que foi eleito em 2018 potencializou o ódio e percebemos isso, mas ainda assim é parte pequena que frequenta as nossas redes. Pelo que eu sei, não tivemos cancelamentos por conta da questão política. Houve um contratante, neste ano, que chegou a recomendar que pegássemos leve, que não fizéssemos menções e tal, mesmo ele sabendo quem éramos. só que, na primeira música, já veio o "Fora, Bolsonaro" bem forte. Não teve como. Fomos tocar no Sul, tínhamos algum receio, já que lá a maioria é de eleitores conservadores, do Bolsonaro, mas vimos que tem gente que pensa de outra forma. Tocamos em Porto Alegre e Florianópolis e é claro que não tem só fascista ou racista, tem muita gente progressista e que nos apoia. 

Está nos planos da banda programar algum lançamento em áudio/vídeo de alguma apresentação recente?

Sim, pretendemos fazer um registro, provavelmente ao vivo, para comemorar o dez anos de banda. na atual turnê tivemos momentos memoráveis, como rock in Rio, e outros shows insanos, que podem um dia ser avaliados, mas um registro ao vivo terá se de ser feito ainda, de preferência de maneira muito especial.

A banda está a caminho de completar dez anos de trajetória, o que merece um documentário por conta da importância que vocês estão adquirindo. Há planos para algo neste sentido?

Queremos fazer um documentário reunindo as duas coisas, show de dez anos e celebração de nossa trajetória. Já estamos pensando nisso - local, convidados e muito mais.

O Rock in Rio 2022 celebrou o rock negro com a participação importante de Black Pantera, Devotos, Affront e Living Colour, com shows ótimos e mensagens fortes a favor da democracia e da inclusão. Por que demorou tanto para que houvesse um número expressivo de artistas negros do rock no festival?

Foi monstruoso e marcante, não só pela representatividade, mas ela diversidade de estilos dentro do rock. Tivemos de esperar quase dois anos para subir ao palco por conta da pandemia, não podíamos fazer uma divulgação antecipada, mas quando aconteceu tudo foi maravilhoso. Bandas pretas, bandas com mulheres, foi uma celebração de um novo tempo. Que a diversidade venha para ficar e que bandas como a nossa não sejam mais exceções ou diferenciais em grandes eventos.

As pessoas consomem música hoje de uma forma diversa, com menos comprometimento, tornando-a quase descartável. O som de vocês tem uma mensagem clara e poderosa, o que pressupõe que o ouvinte precisa prestar atenção, ainda que não necessariamente seja a favor do que ouve. Nesse mundo de inúmeras opções de entretenimento, vocês observam que a mensagem de vocês está reverberando?

De fato mudou, como muitas coisas ao longo dos anos, mas o que percebo é que a grande maioria do nosso público manifesta uma fidelidade comovente e estimulante em relação ao nosso trabalho. Já vi relatórios em que nossas músicas são muito mais ouvidas do que as da maioria dos artistas, em média quase dois minutos. Muitas vezes, em determinadas situações, a média é de de, quinze segundos, uma coisa meio Tik Tok. Quem conhece o Black Pantera conhece mesmo, conhece todas as músicas, às vezes pedem canções que quase nunca tocamos. as letras ficaram mais fortes e contundentes, o que é um dos pontos importantes da ótima receptividade do disco "Ascensão".

O rock não é mais um gênero musical muito difundido, e o jovem está cada vez mais afastado do gênero por uma série de razões, optando pelo sertanejo, pelo rap e pelo funk. Como atrair o jovem de novo, e ainda mais para um gênero de música extrema, como a que vocês fazem?

O interesse do jovem existe pelo rock e sempre vai existir, mesmo não sendo mais tão popular. E o retorno que temos da juventude, especialmente em Uberaba, onde mormos, é excelente. Participamos recentemente de eventos em escolas, muitos relativos ao mês da consciência negra, e o interesse pelo nosso trabalho foi grande. Fizemos palestras com algumas músicas tocadas no violão ao final e as letras das músicas falaram alto e trouxe a galera para buscar entender a mensagem. O formato ajudou, as letras entraram fundo, algo que acontece com mis frequência no rap e no hip hop, que são mais despidos do peso e da distorção. Fiquei satisfeito em ver que estamos bem com essa garotada e que nossa música está mais perto deles. O interesse pelo rock oscila bastante no Brasil, mas observo que os jovens estão voltando a se interessar.

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