domingo, 4 de dezembro de 2022

Subestimada, Christine McVie era o motor do Fleetwood Mac

 Dentro do tumulto que era a banda anglo-americana Fleetwood Mac nos anos 70, a discrição da tecladista e vocalista Christine McVie era um porto seguro para que a qualidade do trabalho se mantivesse e o sucesso, garantido, até pelo menos o começo dos anos 80.

Ela não escapou das brigas e dos escândalos, mas manteve a dignidade nas horas mais difíceis. Bonita, evitou rivalizar internamente com a vocalista Stevie Nicks, um dos símbolos de sensualidade dos anos 70 na música, e conseguiu ser reconhecida como compositora e musicista de qualidade, ainda que subestimada e subvalorizada.

Christine McVie morreu na semana passada, aos 79 anos, de causas não reveladas. Foi reverenciada por todos, mas ainda estava á sombra dos colegas mais midiáticos e mais visíveis, digamos assim. Um pecado, já que ela era compositora de ótimas ideias e recursos e responsável elos maiores sucessos da segunda fase do Fleetwood Mac.

Artista solo com carreira ascendente nos anos 60, ela participou de diversos grupos e, quando começou o relacionamento com o baixista John McVie, em 1969, era bastante conceituada, enquanto que o Fleetwood Mac, criado em 1967 pelo marido, pelo baterista Mick Fleetwood e pelo guitarrista Peter Green, entrava em decadência. Completavam o time os guitarristas e vocalistas Jeremy Spencer e Danny Kirwan.

Era uma banda de blues puro, com um repertório baseado em clássicos do gênero e algumas canções criadas a partir e riffs de Green, que tinha substituído Eric Clapton na banda John Mayall's Bluesbreakers.

Green decidiu abandonar tudo e sair em 1970, cansado da música, disposto a viajar pelo mundo e aderir a seitas religiosas dos mais diversos tipos - ficou sumido do mercado na década que entrou; de volta à música, revelou que passou por distúrbios psiquiátricos.

Sem a força motora da banda, Kirwan e Spencer também caíram fora, deixando a banda parada por cerca de um ano. em 1971, Fleetwood e McVie chamaram Christine para a versão da banda, que contou com muitos músicos até 1973, quando o casal Lindsay Buckingham (guitarra e vocais) e Stevie Nicks chegou.

Todo mundo amudar para Los Angeles, na California, e lá gravaram, lançaram e desfrutaram de seus maiores sucessos. O  maior deles, 'Rumours", o multiplatinado álbum de 1977, foi criado em meio a brigas e separações. 

Buckingham e Nicks já vivia em casas separadas, e John e Christine brigavam tanto que anunciaram o divórcio durante a finalização. Consta que ela teria composto uma das músicas para o "novo" namorado", que integrava a equipe técnica de apoio nas turnês. Clima bom para as turnês que seguiram...

Mesmo com as grandes tretas internas, a formação aguentou até o começo da década seguinte, quando finalmente implodiu. Muita gente admirava Christine pelo profissionalismo que teve ao segurar as pontas trabalhando com o ex-marido e com o ex-casal Buckinham e Nicks - eram grandes as divergências artísticas com os dois.

O Fleetwood Mac teve várias idas e vindas até 2019 e sempre conseguiu repetir a química nos palcos com ótimos shows, embora isso não existisse mais nos álbuns, quase todos esquecíveis a partir de 1983.

É necessário reconhecer que ela foi, provavelmente, o grande motor que impulsionou a banda nos melhores e nos piores momentos mas, ainda assim, nas discussões sobre a sua morte, questiona-se o seu protagonismo em relação a Stevie Nicks, reconhecidamente uma das grandes artistas de nosso tempo.

"Rumours", a obra-prima

Não existe Fleetwood Mac sem o guitarrista Peter Green. O decreto é firmemente disseminado pelos puristas fãs da fantástica banda inglesa dos anos 60, aqueles que abominam a fase pop que "usurpadores" teriam imposto à lenda, inclusive com vozes femininas.

O mundo deu muitas voltas depois que o grupo desmoronou após a maravilhosa fase blues, que incluiu apenas três álbuns, entre 1968 e 1970. Green sumiu do mapa, desiludido com a música e encantado por religiões e seitas esquisitas. Mergulhou fundo no misticismo até que sofresse vários surtos psicóticos, tendo que se submeter a tratamentos psiquiátricos.

O baterista Mick Fleetwood e o baixista John McVie viram-se abandonados por todos e tiveram de recomeçar do zero, mas com uma ajudinha providencial: a cantora e tecladista Christine Perfect, futura mulher de McVie. 

Com o cantor Bob Welsh agregado e com novo endereço – trocaram Londres por Los Angeles – , lentamente a leda do blues deixou de lado o passado para abraçar o soft rock na primeira metade da década dos anos 70, pavimentando um novo caminho.

Vários discos depois e uma ciranda intensa de mudanças na formação, eis que o sucesso chega, graças, em parte, às entradas de Lindsay Buckingham (guitarra e vocais) e Stevie Nicks (vocais). Mas dá para chamar o que virou a banda de Fleetwood Mac? 

"Nosso nome está lá. Só não admite quem é cego. Não estamos presos ao passado. E daí? É o que somos e o som que fazemos é nosso. Para mim basta", disparou certa vez o guitarrista Buckingham contra jornalistas saudosistas da época de ouro do blues.

O fato é que fãs e jornalistas ficaram confusos, pois a banda que gravou as obras dos anos 60 certamente é muito, mas muito diferente da que gravou "Rumours" dez anos depois.

Para delírio daqueles que odeiam o purismo, foi "Rumours", que completa 40 anos neste ano de seu lançamento, que catapultou o Fleetwood Mac para o primeiro time do pop, por onde ficou de 1977 a 1982.

Sofisticado, intenso e extremamente bem produzido, "Rumours" foi considerado à época como o disco pop perfeito, tanto em termos de repertório como em termos de produção. Até então era o álbum pop mais vendido de todos os tempos.

Com melodias certeiras e letras pesadas, mas com tratamento pop palatável, o álbum mostrou que era possível agregar refinamento e ideias complexas a canções simples, de fácil apelo. Para isso, foi fundamental o trabalho da cantora Stevie Nicks e da habilidade quase sobrenatural para ganchos pop de Buckingham, um compositor de alto calibre.

"Rumours" apontou a direção para onde o pop poderia se expandir em uma época onde o rock parecia estagnado e a disco music ainda estava tímida – todos à espera do furacão punk para a devastação que viria.

O álbum é um desfile de hits radiofônicos, como a bela "Don't Stop", a singela e tocante "Dream" e a enfática ""Never Going Back Again", para não falar nas boas "The Chain", "Go Your Own Away" e "Second Hand News". 

Se alguém quiser um exemplo máximo de música pop bem feita e bem produzida, "Rumours" é a peça que deve ser apresentada.

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