terça-feira, 20 de dezembro de 2022

Knotfest consagra Slipknot e reverencia a majestade do Judas Priest

 Flavio Leonel - do site Roque Reverso


A cidade de São Paulo foi palco de uma grande festa do rock pesado no domingo, 18 de dezembro. Na primeira e super aguardada edição do Knotfest Brasil, o público que esgotou os ingressos disputados disponíveis para desfrutar a experiência idealizada pelo grupo norte-americano Slipknot viveu grandes e marcantes momentos, especialmente pela qualidade dos shows, que eram o ponto central do festival, a despeito das demais atrações além da música.

No evento, que teve duração de longas 12 horas, os destaques ficaram com as atrações mais aguardadas: o lendário grupo Judas Priest reinou soberano e mostrou que, apesar dos mais de 50 anos de carreira, tem ainda muito a proporcionar para fãs novos e antigos; o Slipknot, como headliner e curador, saciou a vontade do público gigante presente; e a reunião de homenagem ao Pantera empolgou quem esperou décadas para ver algo real da banda ao vivo.

Conforme a organização do festival, o público total do evento foi de 45 mil pessoas, apesar de a sensação de quem esteve presente fosse de algo superior a algo em torno de 60 mil pessoas, num verdadeiro mar de gente no gigante Sambódromo do Anhembi.

No mesmo espaço do Knotfest Brasil, foi possível verificar a convivência pacífica e harmoniosa de públicos que tinham diferenças não somente na idade, mas também em relação ao estilo musical.

Havia no local senhores já de barba branca presentes para ver o lendário Judas Priest, mas também garotas saídas recentemente da adolescência para ver, por exemplo, o grupo britânico Bring Me the Horizon.

Também foi possível transitar sem problemas desde o groove metal do Pantera, até o som menos denso do próprio BMTH, o thrash metal do Sepultura, passando pelo hardcore do grupo brasileiro Oitão e chegando até o som misturado do Mr. Bungle do sempre alucinado e ótimo Mike Patton.

Acertos e erros

Quem acompanha o Roque Reverso há mais de uma década, sabe que este veículo de imprensa, como manda o bom jornalismo, não tem medo algum de colocar dedos nas feridas. Aqui são feitos elogios quando há motivos para isso e críticas quando há detalhes que não podem passar sem citação.

Jornalismo não é fazer assessoria de imprensa para banda ou evento, tampouco propaganda de marketing com elogios com medo de ficar em listas de “personas não gratas” de assessorias de imprensa. Portanto, críticas são importantes para até melhorar futuras edições de um festival que se mostrou, em sua maior parte, com muito mais pontos positivos do que negativos.

Entre os pontos negativos não pode jamais passar batido o fato de os organizadores terem escolhido um dia de final de Copa do Mundo para realizar o evento. Se há um evento no qual é possível saber com antecedência as datas de realização, este evento é a competição esportiva mais importante do planeta.

Poucos dias antes do festival, ainda havia dúvida sobre os horários, já que não era possível saber se a Seleção Brasileira estaria na final. 

Os organizadores escaparam de uma grande enrascada, já que, se o Brasil estivesse na final da Copa, fatalmente shows não seriam realizados no horário da final e, com o grande número de bandas participantes, seria necessário um desafio de logística para encaixá-las num menor espaço de horário.

Com o Brasil de fora da final, ficou mais fácil para a elaboração da grade de horários, mas, mesmo assim, foi grande o número de pessoas que chegou no Sambódromo do Anhembi após o término da disputa entre Argentina e França, que foi considerada por muitos como a melhor final de Copa dos últimos anos. 

Um telão grande foi instalado para que o jogo fosse visto, mas quem gosta de futebol sabe que nem sempre é possível apreciar uma partida com a mesma atenção quando se sabe que uma banda boa, como o Trivium, está tocando. Muitos perguntavam se não haveria condições de o festival ter sido no sábado, o que facilitaria até mesmo para a maioria dos fãs trabalhadores que precisavam levantar cedo para trabalhar na segunda-feira.

Perto das 16 horas, já praticamente no meio do festival e logo após o encerramento da Copa, havia filas gigantes para entrar no Sambódromo do Anhembi. 

Foi, na verdade, uma repetição do que aconteceu no início do festival, já que, quando a banda brasileira Black Pantera começou sua apresentação (pouco depois das 11 horas), as filas para entrar eram enormes, fazendo com que muitas pessoas perdessem não somente o começo do show como a apresentação inteira.

A ideia de 12 horas consecutivas de shows é bacana e bastante usada em todos os grandes centros do planeta, mas uma solução para dar mais espaço entre os horários dos shows e evitar correrias entre os palcos seria a divisão do evento em dois dias. Outros pensaram na ideia já bastante usada no Brasil de um palco ao lado do outro, mas, neste caso, a disposição do Sambódromo, em linha reta, impediria uma acomodação do grande número de pessoas.

Houve quem reclamasse da distância entre os dois palcos, mas, neste caso, há exemplos de caminhada bem maior em festivais paulistanos, como é o caso do Lollapalooza, no Autódromo de Interlagos. Talvez, para o formato do Knotfest, o circuito automobilístico cairia como uma luva, proporcionando não apenas novas grades de horário como até novos palcos.

Erros à parte, vale muito aqui citar um gigantesco acerto do Knotfest Brasil: o som durante os shows. Fato indispensável para uma boa apresentação de rock pesado, foi sensacional ouvir as bandas nitidamente e com um som alto. No show do Judas Priest, por exemplo, as pancadas podiam ser sentidas no corpo em várias partes da Pista, além de o som ser bem ouvido por todo o espaço.

Outro elogio vai para a ausência da famigerada Pista Vip. No Knotfest, este detalhe evitou que fãs de carteirinha ficassem longe do palco. Com isso, a participação do público foi quente na maior parte dos shows, sem aquela sensação de fã turista de Pista Vip, que muitas vezes deixa alguns shows mornos na frente, enquanto as rodas de “mosh raiz” acontecem na Pista Comum.

No mais, as atrações foram bem escolhidas e a mesclagem de bandas distintas agradou a maior parte do público.

Judas Priest soberano


O Judas Priest já é figurinha carimbada em shows no Brasil. Desde que veio ao Rock in Rio de 1991, o grupo britânico retornou diversas vezes ao País, tendo São Paulo como grande local de shows. Os anos passam, o Judas Priest já passou dos 50 anos de carreira, mas, como um bom vinho, sempre traz boas apresentações.

Com o vocalista Rob Halford comandando o show como se fosse um culto ao heavy metal, o grupo deu no Knotfest Brasil mais uma aula de como é uma verdadeira apresentação da vertente mais pesada do rock.

Com clássicos de várias épocas da carreira, o Judas trouxe mais um show digno e com um som, como já foi dito mais acima, poderoso e impactante, como manda o bom e velho heavy metal.

Com o som alto do Judas, é quase impossível encontrar alguma pessoa que esteve perto do palco que não tenha saído com o ouvido “diferente” após a apresentação.

Outro detalhe que não pode passar sem ser citado: a produção recheada de detalhes do palco. Desde o início grandioso com “The Hellion/Electric Eye” até a entrada já no bis de Rob Halford com sua famosa moto em “Hell Bent for Leather”, tudo ali explica o que é o Judas Priest e o próprio heavy metal. Uma verdadeira aula do estilo que é seguida por outras bandas até os dias de hoje.

Quanto aos clássicos, além dos já citados, não podem e não ficaram de fora hits históricos, como “You’ve Got Another Thing Comin'”, “Metal Gods”, “Painkiller”, “Breaking the Law” e “Living After Midnight”, esta última a faixa final da apresentação.

O set list foi idêntico ao executado pelo Judas Priest dias antes em apresentação também na capital paulista na casa de shows Vibra São Paulo. Mas houve quem dissesse que o show do Knotfest Brasil foi melhor justamente por causa do som alto, que foi algo muito marcante e que, se fosse verificado num local fechado, explodiria a casa de shows.

Pantera pesado e empolgante

Momento bastante aguardado tanto por quem era favorável quanto por quem não aceitava a ideia, a reunião em homenagem ao Pantera foi, goste ou não, um dos grandes momentos do Knotfest Brasil. Com apenas o vocalista, Phil Anselmo como componente da formação clássica da banda, já que o baixista Rex Brown pegou covid-19 e foi obrigado a deixar a turnê sul-americana, o grupo que se apresentou em São Paulo conseguiu deixar um “sabor importante” de Pantera na boca dos fãs presentes.

Com som ótimo e peso na medida certa, o show foi capaz de trazer uma homenagem digna à banda que colocou o heavy metal de cabeça para baixo nos Anos 1990.

Sim, não há possibilidade de comparação como o que São Paulo presenciou em 1995 e principalmente em 1993, quando a passagem avassaladora que o Pantera realizou no saudoso Olympia entrou para os grandes momentos dos shows de rock no Brasil.

Os irmãos falecidos Dimebag Darrell e Vinnie Paul não voltarão mais e isso é ponto que faz qualquer tipo de tentativa de montagem jamais ser chamada de Pantera. Mas como bem disse o jornalista Renato Alves, do site Metal Station, na resenha do show realizado dias antes no Vibra São Paulo, não foram colocados para substituí-los dois “Zé Manés”.

Para os lugares dos irmãos foram escolhidos, respectivamente, nada menos que o guitarrista Zakk Wylde e o baterista Charlie Benante, do Anthrax. Quem conhece a história desses sujeitos sabe muito bem da seriedade de ambos e, principalmente, da categoria de cada um.

No show no Knotfest Brasil, o que foi visto foi muita seriedade e competência dos músicos. Derek Engemann, da banda Cattle Decapitation, também substituiu muito bem Rex Brown e facilitou as coisas para Phil Anselmo, que, obviamente, mostrou que continua sendo um grande frontman.

A despeito das declarações horrendas e abomináveis, além de posturas que fez no passado, não há o que discutir sobre a performance musical de Anselmo. Desde as vindas dele ao Brasil recentemente com o Down, já foi possível constatar que a qualidade vocal do sujeito ainda é gigantesca.

Durante o show no Knotfest Brasil, Anselmo comandou a plateia do jeito que quis e confirmou o vocal de qualidade. Tudo isso somado à performance de alta categoria dos demais músicos resultou num grande show de homenagem ao Pantera.

Estavam ali diversos clássicos do heavy metal. Desde a abertura com “A New Level” e “Mouth for War”, passando por faixas como “Becoming”, “I’m Broken” e “5 Minutes Alone”, além de “This Love” e “Fucking Hostile”, tudo ali deu o sabor de Pantera que o público precisava.

As melhores performances ficariam ainda para o final, com os fãs animadíssimos e participativos com “Walk” e a banda impecável no fim com “Cowboys From Hell”. Um show de alta qualidade e que, sem dúvida, ficou na memória dos fãs.

Slipknot sacia a vontade dos fãs

Quem vai uma vez ao show do Slipknot sempre tenta voltar de novo. É aquela sensação parecida com algumas de perigo na vida, como um salto de paraquedas, que o indivíduo muitas vezes precisa sentir a emoção novamente.

No Knotfest Brasil, o Slipknot era o headliner e isso já era um atrativo. Com mais um show elogiável, o grupo norte-americano entregou o que o gigantesco público buscava.

O mar de gente na Pista durante o show do Slipknot chegava até a assustar. Não era possível se locomover facilmente com todo aquele espaço entupido de gente.

Desde sua criação em 2009, o Roque Reverso já havia feito a cobertura de três vindas do grupo ao Brasil.

A primeira e de experiência mais espetacular, foi a do show que o Slipknot realizou no Rock in Rio de 2011, quando tocou na Noite do Metal com o headliner Metallica e o grande Motörhead e deixou o Brasil inteiro impressionado com a apresentação mais brutal, insana e perturbadora daquele festival.

A segunda cobertura do Roque Reverso foi o grande show que o grupo realizou no Monster of Rock de 2013 em São Paulo.

A terceira cobertura do Roque Reverso foi a vinda, em 2015, da banda para ser headliner do Rock in Rio de 2015 e para mais um show em São Paulo, desta vez sem ser num festival, em mais uma apresentação marcante na Arena Anhembi.

De antemão este veículo já avisa que a apresentação de 2011 no Rock in Rio jamais será igualada novamente. Eram outros tempos, aquele show representou um momento histórico da banda para 100 mil pessoas num dos maiores festivais do planeta e ainda havia o saudoso Joey Jordison na bateria.

Longe de dizer que o atual baterista Jay Weinberg não seja competente. Ele foi um dos pontos altos do show. Mas ainda assim a presença ou não de Jordison é algo que só quem já viu ao vivo sabe o que significa.

Quem sempre dividiu com Jordison as atenções continua firme e forte no Slipknot. O sensacional vocalista Corey Taylor tem uma capacidade de comandar a plateia que é algo fora do comum. Se, no Rock in Rio de 2011, esta capacidade até assustou este jornalista, no Knotfest, ele apenas colocou em prática o que tem de melhor.

Com muitos hits da carreira no set list, o Slipknot fez mais uma vez bonito. Obviamente, “Before I Forget”, “Psychosocial” e “Duality” foram pontos altos da apresentação que ficaram na mente de quem esteve no evento.

“Spit It Out” e seu momento apoteótico, com o público sendo orientado por Taylor a se ajoelhar e pular, também é daqueles momentos de fazer quem não conhece o Slipknot de boca aberta.

“Surfacing” fechou o show com alta classe. Mas não há como não sentir falta da bateria giratória de Jordison. Quem viu pela primeira vez sempre quer novamente, do mesmo jeito que assistir inúmeras vezes a uma apresentação do Slipknot.

No geral, a banda fez mais um show de categoria, condizente com a condição de curador e headliner do festival.

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