segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

Hard rock clássico tenta se reinventar com Sammy Hagar, Def Leppard e The Cult

O hard rock clássico parece estar em uma encruzilhada na busca de alguma evidência que relembre os bons tempos. Algumas ideias são boas, mas a arqueologia de revirar o passado acaba por produzir resultados desiguais.

Sammy Hagar & The Circle aposta em um despojamento que desemboca quase na falta de compromisso, e isso dá bastante certo em seu novo isco. Já o Def Leppard abusa de alguns clichês e consegue um resultado parcialmente bom, o que não é o caso, infelizmente, de The Cult.

- O ex-vocalista do Van Halen Sammy Hagar completou 75 anos de idade e resolveu dar de presente a si mesmo um álbum estupendo. "Crazy Times" é uma delícia de hard rock vintage, com blues escorrendo por todos os poros.

Com a banda Chickenfoot na geladeira para sempre, ao que parece - o guitarrista Joe Satriani não tem interesse em retomar a parceria -, Hagar encontrou outra banda para dar sequência à carreira solo.

Sammy Hagar & The Circle conta com o dono nas nas guitarras e vocais, o ex-companheiro de Van Haçen Michael Anthony no baixo e nos vocais, o mestre Vic Johnson nas guitarras e Jason Bonham na bateria, Como todos ali têm mais de 55 anos e não devem nada a ninguém, o trabalho é uma festa.

"Crazy Times" é um álbum de hard rock em sua essência, mas passeia por outros gêneros. "Slow Drain", por exemplo, é um pesado e pegajoso, que mistura ZZ Top com Led Zeppelin, que aparece depois de uma curta introdução acústica no violão.

"Feed Your Head" é Neil Young puro, com algum resquício de sujeira grunge, em que Hagar se esforça para parece moderno. Não consegue, e isso é o que torna a canção boa com seu aspecto antiquado e fora de moda,

"Pump It Up" é rock and roll que também remete a Neil Young e ao passado mais longínquo, resvalando em trabalhos do Montrose, onde Hagar despontou pata o sucesso em 1973.

Sem rebuscamento ou invencionices, o quarteto se diverte a valer e tentou deixar tudo o mais simples possível, como em "Be Still", mais cadenciada e semiacústica, quase uma balada country, uma das paixões do cantor.

"O período de pandemia foi um tempo de reflexão e de reavaliações. Com a formação de minha banda atual, estamos mais relaxados e curtindo a amizade entre nós. Isso vai aparecer em meus trabalhos", disse Sammy Hangar em entrevista ao Canal de Regis Tadeu no ano passado.

"You Get What You Pay For" talvez seja a única que lembre sua passagem pelo Van Halen. O clima é de festa, com riffs de guitarra que conduzem a uma bela festa, e os vocais de apoio de Anthony só reforçam a pegada. Quase que colada vem a faixa-título com o mesmo estilo, em grande homenagem a Eddie Van Halen, morto em 2020, ainda que tenha uma levada hard-funk. 

A banda volta ao baladão country folk em "Father Times", uma música saudosista com um belo refrão e melodia inspiradora. Típica música de filme que retrata o povo simples do Meio-Oeste dos Estados Unidos. É um dos bons momentos da carreira do cantor.

Sem inventar e buscando inspiração em um rico e recheado passado, Sammy Hagar fez um disco na medida para se divertir e agradar aos diversos públicos que consomem a sua musica. Acertou em cheio.

- O passado também está na espreita nas vésperas dos 45 anos de existência do Def Leppard. os ingleses flertaram com a NWOBHM (New Wave of British Heavy Metal), mas logo mergulharam de cabeça no hard glam rock, podendo orgulhar-se de ser a inspiração para o hard rock californiano dos excessos diversos.

"Diamond Star Halo", o disco de 2022, está despido da maioria dos excessos de produção, aquela coisa grandiosa que parecia escapar dos alto-falantes bem ao estilo do produtor sul-africano Robert "Mutt" Lange, que foi o responsável pela sonoridade mais hard e acessível do AC/DC com Bon Scott nos vocais.

A banda recupera um acento pop e compartilha bons momentos inspirados nos anos 80 na maioria das músicas. "Kick" é tão alto astral que dá vontade de sair chutando tudo na sala, enquanto a boa "Take What You Want" aposta em riffs cativantes e refrãos agressivos.

O disco todo vai nessa toada e soa bastante agradável e mais inspirado do que a maioria dos discos do grupo deste século. Aquele "cansaço" exibido no estúdio até então, como se estivesse jogando por obrigação e esperando o tempo passar, parece ter sido superado.

Alguns maneirismos permanecem, como os gritos de estádio em "Fire It Up", uma escorregada para os insanos anos de 1983 e 1984, quando o Def Leppard dominava o mundo. Seria uma candidata a hit se os tempos não fossem outros.

Mesmo recorrendo a truques baratos de outras eras, o som do Leppard ainda funciona e é capaz de atrair a atenção de quem nunca foi fã incondicional. Tudo é bem feito e arrumado, ás vezes até demais, mas com perfeito domínio da coisa toda.

Tem até espaço pra um blues d acento country, em que a boa cantora Alison Krauss faz bonito ao lado do vocalista Joe Elliott, mostrando que a banda tem os olhos abertos para outros campos. Ok, é um pouco brega, mas o acento blues faz a diferença. A cantora, só para lembrar, gravou dois álbuns interessantes de country folk com Robert Plant (ex-vocalista do Led Zeppelin).

"SOS Emergency" é outra que brinca com o passado, tentando resgatar o clima de "Pyromania" para ser cantada bem alto nas pistas de estádios gigantes. É a que mais se aproxima da aura californiana, mas cumpre bem o seu papel.

Como a ordem era não inventar ou reinventar, mas se inspirar em seu auge, chupando tudo o que pudesse, então o passado foi revestido de nostalgia, mas também com timbres de guitarra e baixo amis apropriados. O exemplo é 'Liquid Dust", que tem como base um blues simples e sincopado.

Não houve a preocupação de soa original e nem vergonhar em soar parecido com muita coisa, como a baladaça "Goodbey For Good This Time", que seria mais interessante despida dos arranjos orquestrais e movida apenas pelos pianos delicados de sua introdução, com belo solo de guitarra acústica à la flamenco espanhol.

"Diamond Star Halo" é mais do mesmo em relação ao Def Leppard, mas soa agradável, embora jamais memorável. Foi feito na medida para agradar ao maior número possível de pessoas. Isso vai acontecer, mas será apenas um álbum comum da banda em meio a sua discografia.

- Também no passado outra veterana banda inglesa de hard rock buscou inspiração, mas sem tanta recompensa quanto o Def Leppard. The Cult continua pairando no mercado como um fantasma em busca de redenção sem obter resultados consistentes - e permanece tentando, o que é louvável.

"Under the Midnight Sun", o álbum de 2022, procura manter certas características que a banda sempre mostrou - a a base melódica rapidamente identificável e o inconfundível timbre de guitarra de Billy Duffy, mas a impressão que passa é a dde estagnação. Por que The Cult não avança.

É uma variação do mesmo tema, como se a estrutura fosse a mesma, mas os arranjos e as sequências harmônicas e melódicas sofressem apenas maquiagens, como nas duas canções que abrem o disco ´Mirrors" e "A Cut Inside".

Poderiam ser lados B de singles extraídos de "Electric" e "Sonic Temple", grandes álbuns do fim dos anos 80 - o que é muito bom sinal -, só que fica a sensação de que "já ouvimos isso antes". O trabalho não é ruim, soa agradável em alguns aspectos, mas não empolga.

"Vendetta X" aparece travestida de arranjos modernos e dançantes que apenas disfarçam uma certa falta de inspiração, por mais que as guitarras sejam o destaque. 

O que falta então? O peso que sempre distinguiu The Cult da geração de bandas inglesas da new wave. Falta aquele ataque brutal, sujo e malandro das guitarras na cara que empurravam a banda para a frente, algo que é esboçado em "Give Me Mercy".

Ao buscar inspiração nos longínquos anos 80, The Cult deixou o hard rock meio que escanteado. Os timbres de guitarra estão lá, mas embaçados por arranjos e processamentos que privilegiam escalas e riffs climáticos. A banda parece querer engrenar para algo como temas emblemáticos como "Lil' Devil" e "Love Removal Machine", mas parece que algo emperra.

O vocalista Ian Astbury tenta encontrar outras formas de encaixar o vocal poderoso e característico, mas se contenta em apenas conduzir as canções a um resultado pouco desafiador. "Outer Heaven" é o maior exemplo, com a voz empostada e tentando se destacar entre guitarras mais estridentes e uma cama de arranjos orquestrais. A batida dançante e menos vigorosa não ajuda muito.

A falta de peso também prejudica "Knife Through Butterfly Heart", que soa comum e sem imaginação nos arranjos em que a letra abusa de metáforas difíceis de serem entendidas, 

A coisa melhora um pouco com "Impermanence", que traz ecos das canções e da ambientação do álbum "Love", de 1985, mas a coisa, infelizmente, não decola. A melancolia domina o encerramento, com o baladão movido a violões e arranjos de cordas orquestrais que emulam o clima de final de filme de faroeste.

É um álbum razoável, mas esquecível, em que a banda parecia enveredar por um caminho mais experimental, mas parou no meio e ligou o piloto automático. The Cult é bem mais que isso.

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