terça-feira, 20 de dezembro de 2022

Rita Lee, 75 anos: ousadia, irreverência e inteligência no rock nacional

A discrição não combina muito com Rita Lee, a musa do rock paulista e paulistano. Seu recolhimento ao descanso depois de mais de 50 anos de carreira ganhou nova justificativa com o tratamento bem-sucedido contra um câncer no pulmão. 

Ver Rita se tornou um privilégio, e só foi possível por meio de uma ótima exposição no MIS (Museu da Imagem e do Som) no ano passado e começo deste ano sobre a carreira fascinante da cantora da "cantora que não tinha voz".

Completando 75 anos neste final de ano, Rita Lee faz falta por sua ousadia, uma irreverência e sua inteligência. Ainda que por vias tortas, é uma ilha de lucidez em um mar de ignorância agravado pelos tempos bolsonaros de triste memória. Seu sorriso sarcástico e sua fina ironia sempre foram armas contra a estupidez. Sua música sempre foi um porto seguro para o bom gosto.

Mas Rita Lee não sabe cantar e sua voz é pequenina, ainda dizem os ignorantes. Ela é só a maior cantora de rock que já nasceu no Brasil, para desespero dos detratores. 

Ela brinca com essas "máximas" em sua autobiografia que virou best seller. Até pode ser verdade, mas que liga par isso?  

Inteligente, matreira, malandra, cáustica, ingênua, detalhista, meticulosa, oportunista. Já a chamaram de todos os adjetivos possíveis, e o que sobra de tudo isso? 

Uma obra de respeito e uma personalidade poderosa. Assim como os guitarristas ambicionam serem reconhecíveis no ato por seu timbre e estilo de tocar, muita gente sonha em ser ouvida imediatamente quando fala ou se manifesta de alguma forma.

É o caso de Rita: quando ela fala, temos de ouvir. Esqueça o folclore em torno da cantora e as anedotas que ela mesma contou de forma saborosa em seu primeiro livro. Rita tem autoridade que o rock lhe conferiu e a história referendou. 

Chutada dos Mutantes em 1972, foi estratégica e cirúrgica ao elaborar sua carreira musical a seguir e acetou em cheio. O tempo mostrou que ela estava sobrando na banda e que sua trajetória extrapolou o máximo que o quarteto tinha alcançado.

Há quem pense que ela ficou maior do que os Mutantes. Pode até ser que os números digam isso, mas o fato é que a banda optou por ser cult, e ela, por ser pop. Alguém venceu? 

Música não é e nem nunca foi uma competição, mas a moça se deu bem, muito bem, talvez muito melhor do que todos imaginavam – e, dependendo do parâmetro e do ponto de vista, muito melhor do que os ex-companheiros.

Os 75 anos de irreverência de Rita s]ao um legado imenso de inteligência e bom gosto dentro do rock e do pop – deu uma cara para esses gêneros no Brasil, abrindo uma avenida de influência para todos os artistas que vieram a seguir.

 A divertida Santa Rita de Sampa soube como poucos como navegar em águas turbulentas e perigosas ao mesmo tempo em que entregava tudo bem feito e redondinho.

Apostou na ousadia quando isso era pecado, zombou da repressão com elegância em tempos de medo e trevas e mostrou o caminho quando tudo parecia encalacrado. 

Rita também criou um feminismo debochado sem os dogmas e as amarras da ideologia. Mostrou como curtir a vida em meio a terremotos e como sobreviver aos descaminhos.

Sobrevivente, ajudou a ensinar a nossa geração a gostar de rock, a aumentar o som e a confrontar a caretice com descontração e esperteza maliciosa. Existem poucas coisas tão rock'n'roll. Existem poucas pessoas como Rita. Que saibamos reverenciá-la e cultuá-la.

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