segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

Peter Frampton e Elton John ensinam como celebrar a eternidade do rock

O ambiente era mágico e tudo conspirava a favor. O momento histórico ficou mais emocionante quando Peter Frampton sentou no banquinho e dedilhou algumas músicas no formato acústico. 

A delicadeza e a sutileza dos toques ao violão marcavam alguns dos últimos momentos do grande guitarrista inglês no palcos. Com a reverência de um público chocado e incrédulo, o astro se despedia definitivamente.

De forma quase coincidente e simultânea, outro inglês, o pianista Elton John, enfrentava uma plateia que se debulhava em lágrimas em sua derradeira apresentação ao vivo na América.

Tal qual Frampton, fazia de sua aposentadoria uma apoteose e emocionava a todos a cada número em que cantava somete ao piano. Era o epílogo de mais um dos maravilhosos capítulos do rock, que entrou na década passada em uma fase triste e melancólica, com uma sequência dilacerante de mortes de artistas importantes.

Peter Frampton deixa os palcos aos 74 anos em consequência do diagnóstico de uma doença degenerativa. Sua despedida ocorreu em Dusseldorf, na Alemanha, no dia 16 de novembro de 2022.

Aos 76 anos, Elton John para por conta da exaustão de uma carreira que 55 anos ininterruptos nos palcos e nos estúdios. O último show nos Estados Unidos foi em Los Angeles, no Dodgers Stadium, m 20 de novembro, para 50 pessoas.

A forma serena e sadia de com os dois astros se despediram da vida artística ao vivo é exemplar e emocionante. Souberam preservar seus legados com amplo apoio de seu público e evitaram se submeter a situações embaraçosas que pudessem abalroá-los no fim da trajetória.

Ninguém precisa suportar coisas como as vaias que machucaram B.B. King certa vez, em um clube de Nova York, algum temo antes de sua morte. 

Debilitado por alguns problemas de saúde, passou mal no palco e teve de interromper a apresentação três vezes. Estava com 88 anos de idade. Intolerante, a plateia vaiou e exigiu a continuidade do show. Indignado, o empresário do guitarrista impediu-o de retornar ao palco. 

É cruel exigir de qualquer artista que "saiba parar na hora certa". Fale isso para o superatleta Mick Jagger, que aos 79 anos parece um garoto nos shows dos Rolling Stones em sua turnê de 60 anos de carreira. 

Muita gente insiste em "aposentar" Ian Gillan, vocalista do Deep Purple, que não tem mais a mesma voz de prata aos 77 anos. Aos 74 anos, David Coverdale sofre a mesma perseguição, assim como Ozzy Osbourne, que tem os mesmos 74 anos.

Frampton e Elton merece os elogios pela suposta sabedoria de encerrar seus ciclos em cima dos palcos, mas essa é uma decisão muito difícil, e que cabe somente ao artista, ainda que haja consequências perigosas - manchar ou não seu próprio legado? Depende do ponto de vista, mas os tribunais das redes sociais não perdoam...

A eternidade do rock passa pela admiração e veneração pelos grandes ídolos do classic rock. Não é por outro motivo que causou comoção anos atrás uma declaração de Eric Clapton dizendo que nunca mais tocará no Japão, um prenúncio de sua aposentadoria está próxima. Ele tem 77 anos de idade, sendo que 60 deles nos palcos do mundo.

Os amantes do rock clássico, que aprenderam a amar o rock por conta dos grandes hits e das biografias muito bem escritas de heróis da música, estão dificuldade para encarar o inevitável: o rock como nós gostávamos e conhecemos está acabando devido à velhice. 

O costume era ver os heróis se tornando lendas e mitos por conta de mortes simbólicas. Acostumamo-nos a ver Elvis Presley e Keith Moon morrerem cedo por overdose de remédios; Janis Joplin, Jim Morrison e Jimi Hendrix mais cedo ainda, em decorrência dos excessos de bebidas e drogas; Kurt Cobain, muito novo, por suicídio; Buddy Holly e Eddie Cochrane, vítimas de acidentes; e John Lennon, assassinado.

A morte de Ronnie James Dio, em 2010, foi traumática, já que era um grande ídolo, mas foram poucos os que atentaram para o fato de que ele tinha 67 anos declarados (há quem diga que ele na verdade morreu com mais de 70 anos, pois escondia a idade). 

Dio lutou contra um câncer de estômago, sempre teve saúde frágil, mas é fato que a idade pesou também, em especial para um profissional que tinha uma agenda pesada de shows e compromissos, exaustiva até mesmo para bandas de sucesso, mas iniciantes.

E o que dizer do "imorrível" Lemmy, do Motorhead? Aquele que tomava uísque com Coca-Cola no café da manhã – e depois, devido a alertas médicos, trocou o uísque por vodca?

O classic rock está morrendo aos poucos, seguindo o curso normal, e estamos propensos a não aceitar isso. Ficamos muito mal acostumados a assistir o Iron Maiden vir ano sim ano ano não ao Brasil, em turnês que rodam o mundo, mas até quando? Quem já parou para pensar que Steve Harris tem quase 66 anos, e o baterista Nicko McBrain que beira os 70?

É prazeroso e confortável saber que seu ídolo está em plena turnê mundial e que vai passar na sua cidade em breve, divulgando o seu zilionésimo CD. Ele sempre fez parte de nossa vida, nos acostumamos a vê-lo nos jornais toda semana, a comprar seus DVDs e a debater com ele em chats na internet. São inquebráveis e indestrutíveis, até que alguém como Malcolm Young, do AC/DC, sucumbe (com uma série de problemas de saúde, afastou-se da banda em 2013 e morreu três anos depois).

Os riscos de manter as expectativas lá em cima são grandes, ao mesmo tempo em que a ficha demora cada vez mais para cair. É muito legal ver o bluesman inglês John Mayall, por exemplo, mostrar vigor e força aos 89 anos de idade, ainda na ativa e detonando nos palcos. Mas e quando os sinais da saúde e da idade ficam claros, mostrando que nada mais é como era antes?

Peter Frampton e Elton estão sendo homenageados em vida e celebraram, ainda com saúde, suas carreiras e seus encerramentos e passam uma linda mensagem de como o rock - e a música em geral - é maravilhoso e indissociável de nossas vidas. 


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