segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

Valorizar a Lei Rouanet resgata a cultura e ajuda a unir o país

 Gasto ou investimento? Austeridade ou insensibilidade? Planilha ou "irresponsabilidade"? Manutenção de "privilégios" ou "democratização" do acesso à cultura?

Debates e dilemas tão antigos ressuscitaram nest fim de ano com estapafúrdia tentativa de "criminalizar" o combate á fome e à miséria no Brasil, que voltaram com tudo nos últimos quatros anos, repleto de depredação institucional, discriminação e descalabro administrativo.

E é claro que sobraria para a cultura na disputa entre neoliberais e progressistas. Afinal, ampliação de verbas para diminuir a fome e melhorar a saúde, a educação e a cultura é gasto ou investimento? 

O simples fato de fazermos tal pergunta deveria envergonhar qualquer ser humano, mas fascistas (muitos deles travestidos de neoliberais ou ortodoxos) em geral desprezam o ser humano e sempre acham uma maneira de criminalizar o dinheiro destinado ao âmbito social.

A Lei Rouanet voltou ao debate depois de ser estraçalhada e inviabilizada pelo nefasto governo do nefasto Jair Bolsonaro. Tornou-se um aríete contra a "gastança" de dinheiro público e o "privilégio" de artistas "sustentados por dinheiro público".

Com a queda-de-braço do governo eleito e o atual Congresso sobre furo do tal teto de gastos, a retomada dos preceitos originais da Lei Rouanet ficou em segundo plano por mais que a nova ministra da Cultura, a cantora Margareth Menezes, faça o possível para restituir o que mundo bolsonarista podre destroçou.

Podre também é o mundo paralelo em que vivem gestores e editorialistas de jornais e TVs vinculados a grandes grupos de comunicação. 

A Folha de S. Paulo, por exemplo, depois da envergonhada posição contra o bolsonarismo na eleição, voltou á posição indesculpável de defensora do capital neoliberal ao colocar a pecha de "gasto" em todo e qualquer investimento social mais do que necessário para diminuir a pobreza e a miséria absoluta. Vamos manter as contas do azul, mesmo que milhares e milhões passem fome e morram...

O mesmo jornal investiu em editorial contra a Lei Rouanet e a volta do Ministério da Cultura, jogando no mesmo saco de lixo todo tipo de renúncia fiscal - as necessárias e as fisiológicas, que atendem a poucos privilegiados, os mesmos defendidos pela maioria dos veículos de comunicação.

A Lei Rouanet, surgida durante o governo de Fernando Collor, tornou-se um dos instrumentos mais eficientes para disseminar e democratizar a cultura, ampliando o escopo das atividades e as possibilidades de acesso a recursos antes totalmente fora do alcance de muitos agentes culturais.

São discutíveis os tão alardeados "ajustes" que muita gente boa, mas "isentona", insiste em exigir em relação ao mecanismo de incentivo à cultura. 

É evidente que toda política pública está passível de revisão e aprimoramento, mas os tais "ajustes" nunca passaram de "desculpa" atacar qualquer política pública de estímulo à educação e atividades culturais. 

E é bom frisar: a indústria cultural gera mais de 7 milhões de empregos, tanto ou mais do que a indústria automobilística, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Partindo do pressuposto de que a Lei Rouanet é mais do que necessária - e encerrando essa discussão -, é hora de acabar de vez com a ideia nojenta de que investimento social em cultura, incluindo a renúncia fiscal, é gasto. Não existe sociedade organizada e desenvolvida sem investimento em cultura.

A ministra Margareth Menezes precisa promover, de forma urgente, a retomada dos tetos anteriores de captação de verbas por meio do mecanismo de incentivo , em seguida, iniciar estudos e discussões para ampliar o acesso às possibilidades da Lei Rouanet para pequenos e médios projetos.

As grandes produções artísticas sempre tiveram acesso a esses mecanismos e é bom que seja assim -ainda que surjam críticas a uma certa "seletividade" na aprovação de projetos. É justamente neste momento que a discussão sobre as verbas para pequenos e médios empreendimentos ganha relevância, até para calar os "pragmáticos" das contas públicas insensíveis, os chamados "cabeças de planilha".

O aprimoramento da Lei Rouanet e ampliação do acesso aos seus benefícios e incentivos passa, obrigatoriamente, pela ressignificação do próprio mecanismo e de ampliar o seu efeito democrático.

Em recente artigo publicado na mesma Folha de S. Paulo, o ator Odilon Wagner, membro do Fórum Brasileiro pelos direitos Culturais e diretor de entidades sindicais relacionadas ao teatro, foi muito feliz ao vaticinar que "a Lei Rouanet é um mecanismo de sustentação da cultura nacional e um potente indutor econômico.

"É primário não perceber que se trata de investimento em atividade que gera emprego, impacta vários setores da economia, forma, inclui e divulga o Brasil no mundo. É um erro culpar a cultura e seus mecanismos de financiamento pelos desequilíbrios e descontroles sobre a concessão indiscriminada de subsídios por sucessivos governos", escreveu o ator.

Superada essa fase de revitalizar, reforçar e ampliar as possibilidades da Lei Rouanet, é obra de avançar e discutir em outro patamar: como a atividade cultural, em termos nacionais, pode ajudar ou contribuir na formulação de políticas públicas? Até que ponto pode ajudar na redução das desigualdades sociais, no combate à fome, amenizar a insegurança alimentar e participar dos esforços de criação de empregos?

Odilon Wagner quer mais debates, mas explica que as perspectivas de trabalho são ótimas e imensas, mas também urgentes. "Temos de aproveitar as grandes chances que temos para incluir jovens sem trabalho e que não estudam em um mercado abrangente. Temos de aproveitar uma característica ímpar da cultura, que é a extraordinária capacidade de unir a nossa sociedade a partir da diversidade de povos, ideias, manifestações culturais e religiões."



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