quinta-feira, 17 de setembro de 2020

Frank Zappa, 80 anos: de músico incompreendido a gênio do rock


Marcelo Moreira

Frank Zappa nunca gostou de dar entrevistas. Sempre que podia zoava com a cara de repórteres que insistiam em tentar decifrar aquele roqueiro que compunha peças eruditas e que gravava álbuns anárquicos, esquizofrênicos e geniais. “Muita gente o considera gênio. O que você acha disso? Acha que é gênio?”, perguntou-lhe certa vez um jornalista inglês em 1977. “Sou Frank Zappa. E isso já é muita coisa”, ironizou o guitarrista.

Muitos jornalistas nunca fizeram questão de realmente tentar entendê-lo, principalmente depois que soltou uma das frases mais conhecidas do rock: “O crítico de rock é alguém que não sabe escrever, entrevistando gente que não sabe falar, para gente que não sabe ler”.

Vinte e sete anos após sua morte, em consequência de um câncer na próstata em 1993, Zappa continua sendo um mistério para parte expressiva da crítica e do público. Se estivesse vivo, estaria completando 80 anos de idade em 2020.

Entretanto, cresce o número de pessoas que reconhecem no guitarrista norte-americano narigudo de origem italiana e grega como um dos maiores artistas do século XX.

Músico praticamente autodidata, vagou por inúmeros grupos de rock na Califórnia entre 1958 e 1964, até que sua carreira solo começou a tomar forma.

Só que o respeito da crítica veio somente em 1966, quando criou a banda Mothers of Invention em 1966 e lançou aquele que é considerado o primeiro álbum duplo da história, o esquisito e excêntrico “Freak Out”.

O músico nascido em Baltimore em 1940 impressionou o mundo da música e dificultou a vida de quem quer que tentasse classificar a sua obra.

Apesar de tomar forma em 1966, a vida artística do guitarrista teve momentos anteriores atribulados, quando chegou a ser preso no inicio dos anos 60 por seis meses sob a acusação de “conspiração para cometer pornografia”, por ter sido coagido por um policial disfarçado a fazer um vídeo de sexo para uma despedida de solteiro.

Frank Zappa (FOTO: DIVULGAÇÃO)
Segundo muitos, esse episódio foi marcante para a vida e para a obra de Zappa, que era um crítico ferrenho da educação e da religião institucionalizadas, defensor da liberdade de expressão e da abolição das ditaduras.

Culto, inteligente e talentoso ao extremo, fez trilhas sonoras para filmes obscuros e colaborava com regularidade para jornais e revistas. Iconoclasta, irônico e crítico mordaz, não perdoou em mesmo os Beatles ao parodiar a capa do maravilhoso "Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band". Embora tivesse respeito pela obra do quarteto de Liverpool, várias vezes disse em público comentários pouco lisonjeiros ao quarteto.

Nunca fez um grande sucesso comercial nos Estados Unidos; mesmo os seus álbuns mais vendidos (o duplo "Sheik Yerbouti" e o LP "Joe's Garage", ambos de 1979), foram lançados de forma independente e chegaram às paradas somente na Europa.

O público norte-americano não gostou muito do teor das letras de músicas como "Jewish Girl" (que causou grande desconforto na comunidade judaica dos EUA) e "Bobby Brown", sua música de maior sucesso que fala sobre o encontro de um típico garotão do time de futebol e um lésbica feminista.

Versatilidade e excelência

Excêntrico, tinha boa desenvoltura fora do rock, gravando jazz, funk, música folk e várias peças eruditas. Ainda assim, nunca teve muita paciência para passar sua obra para partituras, tarefa que um dia coube ao jovem novato guitarrista Steve Vai, no final dos anos 70.

De tão prolífico e produtivo, muitos críticos consideram quase impossível chegar a uma lista completa das obras lançadas por Zappa, já que colocou no mercado muita coisa de forma independente, especialmente o material que não era rock. Houve ano em que o guitarrista lançou seis álbuns distintos.

O certo é que sua discografia oficial possui no mínimo 60 títulos diferentes, incluindo álbuns ao vivo com material inédito, mas sem contar as coletâneas.

Atuando no palco, no cinema, compondo ou na política (o músico chegou até mesmo a se candidatar a presidência dos EUA), Zappa construiu a sua sólida integridade. É justamente devido a esse respeito, a sua irreverência e a genialidade sarcástica de sua música que a sua influência é impossível de mapear.



Só para citar alguns nomes que se declararam fãs de Zappa: Alice Cooper, Black Sabbath, John Frusciante (Red Hot Chili Peppers), Steve Vai, System of a Down e o compositor de jazz contemporâneo John Zorn.

De um jeito torto, anárquico e cáustico, Frank Zappa conferiu uma aura de seriedade e até de intelectualidade ao rock, fato que o irritava.

Aliás, mais do que isso, o que o irritava muito era a indigência intelectual de jornalistas e público quando percebia que suas colocações sarcásticas e mordazes simplesmente eram ignoradas porque não eram entendidas – ou pior, eram levadas tão a sério que se tornavam verdades, ainda que questionáveis (e que não eram questionadas, mas bovinamente engolidas).

Frank Zappa sempre foi um artista que tinha coisas demais a dizer, e sempre com propriedade. Sua obra não era para todos, mas ainda assim era para muitos.

Poucos conseguiram incomodar de forma tão incisiva e inteligente, algo que foi extinto no mundo artístico deste século XXI. Lamentavelmente, ninguém abraçou seu legado após a sua morte. Azar de todos nós.

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