Foi um renascimento difícil, em plena ditadura militar, sob a desconfiança de um público roqueiro ainda machista, misógino e preconceituoso. Como aquela lourinha de voz pequenina ousava jogar na cara a sua rebeldia e seu deboche enquanto seus ex-companheiros de Mutantes caminhavam para a "maturidade e a música séria"?
"Fruto Proibido", de 1975, é considerado por muitos o melhor e mais importante álbum da carreira de Rita Lee, que morreu nesta terça-feira (9), aos 75 anos. Pode até não ter sido o melhor, mas é o mais importante. O quarto disco solo, o terceiro desde que saíra dos Mutantes, recolocou seu nome na primeira prateleira da música nacional e sua carreira nos trilhos.
Em uma rápida conversa com este jornalista anos atrás, Beto Lee, guitarrista e filho da cantora (ele integra a banda de apoio dos Titãs), ele gostou da alusão feita a um filme de 1983 que marcou uma geração.
Comentando sobre carreira de sua mãe, eu afirmei que "Fruto Proibido" é um disco definitivo do nosso rock e que representava o "despertar de Rita", dando impulso a sua vitoriosa carreira. Beto gostou muito da analogia, que a enviou rapidamente para a mãe em mensagem de texto.
"Despertar de Rita" foi o título nacional do filme inglês "Educating Rita", do diretor Lewis Gilbert, lançado em 1983. Tendo no elenco Michael Caine e Julie Walters, narrava a vida de uma moça da classe operária que sonhava em estudar em uma faculdade.
Mesmo com a oposição do marido, ela busca a ajuda de um professor universitário e, com dificuldades, começa a sua viagem cultural até se tornar uma referência no ensino de literatura de sua cidade. Julie Walters foi indicada ao Oscar de Melhor Atriz em 1984 e ganhou o prêmio de melhor atriz do cinema inglês naquele ano - Caine foi o melhor ator e o filme, o melhor do ano.
A analogia entre filme e o estágio da carreira da cantora brasileira naquele ano importante de 1975 é bastante pertinente. Recheado de ótimas canções e potenciais hits, "Fruto Proibido" representou o que a cantora tinha de melhor enquanto artista: sagacidade, inteligência e perspicácia que lhe permitiam abordar assuntos complexos e então pouco usuais na música brasileira.
Foi um verdadeiro despertar artístico puxado pelo a canção que marcou a música nacional, "Ovelha Negra", hino da rebeldia e do inconformismo que "colaria" na cantora para sempre. Foi a primeira canção inteiramente comporta por ela a estourar em sua carreira.
"Esse Tal de Roque Enrow", parceria com o letrista Paulo Coelho (que se tornaria um escritor mundialmente famoso) é outro hit estrondoso que também definiria os rumos de sua carreira.
Mais do que uma declaração de amor ao rock, é a música que deu sentido a um gênero musical que não vencia as resistências de um público pouco disposto a concessões às guitarras mais estridentes.
Com o auxílio mais do que necessário da banda Tutti Frutti, a rainha do rock nacional começava a sua trajetória rumo ao estrelato a bordo de outros dois hits compostos com integrantes da banda.
"Agora Só Falta Você" é o terceiro sucesso de sempre de público, em parceria com o guitarrista Luiz Carlini, canção emblemática que inicia a aproximação com o pop e que mostra a versatilidade da cantora. "Pirataria" é um delicioso "lado B", quase cult, escrita ao lado do baixista Lee Marcucci.
E o que dizer da provocativa "Luz Del Fuego", que escreveu sozinha? Ali ela experimentava uma linguagem diferente, mais poética e metafórica, algo que ocorreria bastante a partir dos anos 80.
O verdadeiro despertar de Rita é uma das grandes obras de música do nosso tempo. Nem tão pop e nem tão rock, indicava o caminho vitorioso que a cantora seguiria pelos próximos 50 anos - ou quase...
Se "Fruto Proibido" é um marco de uma era roqueira brasileira e soa bastante atual, por outro lado estabeleceu um alto padrão de qualidade raras vezes superado, inclusive por Rita Lee, que não o superou em sua longa carreira.
Nenhum comentário:
Postar um comentário