terça-feira, 2 de maio de 2023

Sobrevivente e persistente, Aerosmith anuncia a despedida após 53 anos

Mais do que desfilar hits ao longo de 50 anos, o Aerosmith foi especialista em desafiar o tempo e a própria existência. 

A improvável trajetória errática e sinuosa da banda de Boston talvez só encontre paralelos nos sulistas do Lynyrd Skynyrd, que teve de superar várias mortes de integrantes ao longo das últimas décadas.

O anúncio da turnê de despedida do Aerosmith já era esperado, mas ainda ainda causa temor por explicitar o que o Kiss já vem planejando há tempos: a aposentadoria, ao menos do palcos.

Septuagenários, os membros da banda assumem que é hora de parar e que a vida lhes reserva outras alternativas, como disse neste final de semana o guitarrista Joe Perry, atualmente em turnê solo. 

O giro mundial, por enquanto, conta com 40 shows marcados a partir de setembro de 2023. O Brasil não está no roteiro, assim como a América do Sul. A última passagem por aqui, com shows em São Paulo e no Rock in Rio, foi em 2017.

Da quadra de ouro do hard rock festeiro e pesado do fim dos anos 70 - Aerosmith, Kiss, Van Halen e AC/DC, somente este último permanece sem perspectivas de aposentadoria, embora tenha caminhado desfigurado nos últimos anos. 

É inevitável, mas ainda assim inaceitável que vejamos e sintamos que o fim está chegando e que, assim como fizemos e fazemos com Muddy Waters, robert Johnson, Willie Dixon e B.B. King, entre outros, tenhamos de ouvir algumas de nossas bandas queridas apenas nos streamings, no Youtube ou nas mídias físicas.

E o que dizer dos quase octogenários Rolling Stones e Deep Purple, que em breve podem seguir o mesmo caminho, encerrando de vez uma era definitiva do rock clássico?

O Aerosmith é considerado um dos gigantes dos palcos de rock, com absoluta entrega em performances incandescentes e extraordinárias. Ok, nem sempre foi assim, mas é raro ouvir reclamações sobre o que a banda fazia ao vivo.

A dupla de guitarristas tão azeitada era referência desde sempre - Joe Perry e Brad Whitford sempre funcionaram de forma perfeita, ombreando Keith Richards e Ron Wood nos Rolling Stones. 

Steven Tyler, hoje aos 75 anos, ainda é um cantor mágico e imponente, com um talento nato para entreter multidões, enquanto o baixista Tom Hamilton e o baterista Joey Kramer oferecem o necessário para a coesão e solidez sonora.

Da ascensão meteórica à queda vertiginosa, com direito a uma ressurreição triunfal, o Aerosmith traduz muitas verdades e algumas mentiras que afetam o mundo cíclico e cruel do rock. Representou a glória, a epifania e a decadência de show business especializado em moer reputações, carreiras e vidas. O quinteto de Boston é um verdadeiro sobrevivente, assim como o seu próprio vocalista.

Muitas vidas e muita resistência

As brincadeiras são recorrentes a respeito de Keith Richards, o eterno e imortal guitarrista dos Rolling Stones. Ele sobreviveu à antes imortal rainha Elizabeth II, da Inglaterra, a Lemmy Kilnister (1945-2015), do Motorhead, outra lenda dos excessos mortais do rock and roll. Já se especula que tipo de mundo a humanidade deixará para ele...

Os memes e brincadeiras fazem sentido, mas se tem alguém que rivaliza com Ozzy Osbourne (ex-vocalista do Black Sabbath, que fará 75 anos de idade) em termos de sobrevivência roqueira é Steven Tyler, campeão de imortalidade e de clinicas de reabilitação.

Quem o conheceu nos anos 70 duvidava que ele chegasse aos 40 anos de idade por conta de todo tipo de excesso de drogas e bebidas. 

Se Mick Jagger e Keith Richards, a dupla criativa dos Stones, era conhecida como Glimmer Twins (gêmeos geniais), Tyler (nascido Stephen Talarico) e seu parceiro, o guitarrista Joe Perry (nascido Joseph Pereira) eram os Toxic Twins (gêmeos tóxicos).

Quando Tyler chegou aos 40, após passagens or clinicas de reabilitação, estava sóbrio, só bebia água, abandonara o cigarro e embalava um filho recém-nascido nos bastidores. 

Entretanto, nem ele sabe quantas recaídas teve nos 35 anos seguintes, o que colocou a existência do Aerosmith, há 53 anos na estrada, em risco algumas vezes, como Perry detalhou em sua autobiografia. E não que é que aquela "imitação" de Mick Jagger sobreviveu a tudo e a todos?

Baterista conhecido nas imediações de Boston, nos Estados Unidos, Steven passou por inúmeras bandas até topar com alguns moleques mais novos por volta de 1969. Em média, era quatro anos mais velho que o restante da formação inicial do que viria a ser o Aerosmith e logo assumiu a liderança daqueles garotos que só sabiam tocar desafinado e tomar muita cerveja.

A banda toma forma só em 1970, mas pouca coisa acontece nos dois anos seguintes, embora tocassem muito em todo tipo de pardieiro e espelunca  a troca de quase nada.

Vivendo de subempregos e praticamente sustentando os colegas, quase desistiu depois que uma ordem de despejo or falta de pagamento de aluguel chegou. os garotos podiam voltar para as casas dos pais, mas ele já tinha 24 anos e não tinha renda. 

Enfim, o sucesso

E então chegam uma luz e alguns contatos para a gravação de um álbum. "Aerosmith" saiu em 1973 e não era lá essas coisas, mas tinha a balada "Dream On", que salvou a lavoura.

O contrato era ruim, mas deu o fôlego necessário para continuar nos botecos da vida até que a inspiração finalmente colocasse a banda no topo com o terceiro álbum, "Toys ih the Attic", de 1975. E o conto de fadas virou realidade, com o reconhecimento e o dinheiro vindo na sequência.

Letrista de bons recursos, Tyler ganhou fama e fortuna adorou a vida de celebridade e as "facilidades" que costumam estar associadas. Uma vez declarou que ele tinha "cheirado" o avião que a banda tinha alugado - numa alusão ao vicio em cocaína tão acentuado que teria motivado a "venda" da aeronave.

Também adorava bradar, em tom de galhofa, que ele e a banda tinham cheirado o "PIB (Produto Interno Bruto) da Bolívia", e depois do da "Bolívia e Colômbia juntas"... Só que não era tão engraçado assim, e a escala de exagero dá conta do quanto eles chafurdaram no fundo do poço.

As brigas entre os integrantes e destes com empresários não muito honestos cobraram um preço bem alto. Joe Perry saiu em 1979 desiludido e partiu para a carreira solo, voltando a tocam em bares de beira de estrada; o outro guitarrista, Brad Whitford, saiu no ano seguinte e também voltou ao underground ao formar uma banda com o guitarrista e vocalista Derek St. Holmes.

Tyler e o baixista Tom Hamilton assumiram o leme, mas não evitaram o naufrágio mesmo com dois novos guitarristas - Jimmy Crespo e o francês Rick Duffay. Entre 1980 e 1984, apenas um álbum, o fraco "Rock and a Hard Place", de 1982, e muitas dívidas. 

A solução era óbvia: os dois ex-guitarristas tinha de voltar, já que as separações prejudicaram todos. Em 1984, ao final de um concerto que encerrava uma turnê apenas razoável. Perry e Whitford, convidados de honra, foram a uma sala reservada na administração do ginásio. Tyler, Hamilton e o baterista Joey Kramer os esperavam para reatar a amizade e a volta dos dois ao grupo. 

Crespo e Duffay sentiram o cheiro de queimado meses antes, mas nem desconfiavam de que estavam demitidos, segundo a lenda.

Ressurreição

Parecia que tudo voltava ao normal, só que não. O vicio cada vez mais pesado em drogas mais pesadas ensejou um ultimato de Joe Perry meses depois, durante a gravação do mediano disco "Done With Mirrors": ou ia para a reabilitação ou o guitarrista sairia de novo.

O relutante vocalista terminou as gravações e sumiu, apesar dos shows marcados. Aos trancos e barrancos, retornou e, ao fim de rápida turnê americana, foi para uma clínica.

Aparentemente recuperado, Steve Tyler injetou novo ânimo e ajudou ao Aerosmith a se tornar uma superbanda de encher estádios e de rivalizar em vendas com Metallica, Kiss, U2 e Van Halen. 

Os discos "Permanent Vacation" (1987) e "Pump" (1989) consagraram a banda e transformaram Tyler em um festejado letrista, ainda que com a ajuda de "terceirizados", como o produtor e compositor avulso Desmond Child.

O hard rock ainda estava lá, mas o acento pop era marcante, assim como as baladas pungentes e assumidamente bregas, como "Angel" e a quase country "What It Takes".

A banda saiu do sufoco financeiro, seus integrantes ficaram milionários, pelo dois deles enfrentaram o câncer e tiveram de aguentar Tyler voltar mais algumas vezes para a reabilitação - e também "pequenas traições".

O cantor, sem avisar ninguém, aceitou ser jurado d de um reality show musical, do tipo de "The Voice Brasil", da TV Globo, o que inviabilizava gravações. Mas o pior veio em seguida: ele se ofereceu para ser vocalista do Led Zeppelin... E não avisou os companheiros.

Depois da histórica reunião da banda inglesa em dezembro de 2007 para show único, em Londres, houve várias propostas para outros shows e uma volta definitiva, mas Robert Plant, o vocalista, recusou todas. 

O guitarrista Jimmy Page e o baixista John Paul Jones pensaram em continuar e receberam a sugestão de "testar" Tyler. O que deveria ser um segredo logo vazou e virou um escândalo.

Houve novo perdão, mas Joe Perry admite em sua autobiografia que as coisas não foram mais as mesmas desde então, embora a banda ainda exista mesmo sen gravar coisas inéditas desde 2015. Um CD de versões de blues atenuou as rusgas, o que levou aos planos de aposentadoria da banda.

O Aerosmith fez duas grandes turnês de despedida, mas nada indica que devam parar tão cedo, por mais que a idade e a saúde cobrem o preço. 

Aos 75 anos, Tyler ainda canta bem, mas está sem fôlego e tem alguns problemas de mobilidade por conta de algumas quedas do palco ao longo dos anos. 

As fofocas do mundo do hard rock dão conta de que a banda, finalmente, vai anunciar uma turnê de despedida - e Tyler, finalmente, poderá se dedicar a uma vida mais sossegada como cantor de country music, como demonstrou em seu único solo.

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