quarta-feira, 24 de maio de 2023

Tina Turner iluminou nossas vidas com sua arte incandescente

 Parece inimaginável que alguém possa ter intimidado Mick Jagger alguma vez na vida. E, na época, mais inimaginável ainda que fosse uma mulher. Mal sabia o vocalista dos Rolling Stones a bobagem que tinha feito ao convidar Tina Turner para cantar com ele no Live Aid, na Filadélfia, em 1985...

O furacão devastou o palco e deixou Jagger perplexo com a energia que emanou naquele palco cantando músicas dos Stones e mostrando todo o esplendor de sua figura imensa.

Tina Turner morreu aos 83 anos nesta terça-feira (24), na Suíça, onde morou nos últimos anos. O furacão negro que "embolsou" Jagger estava recluso, após mais de 60 anos nos palcos e nas manchetes. Foi em paz, no descanso da aposentadoria e tranquilidade. Teve a paz que merecia depois de uma vida de luta e muito sofrimento, mas também de amplo reconhecimento.

 Da sobrevivência em subempregos na infância e na adolescência ao turbulento/violento casamento com o guitarrista Ike Turner, Anna Mae Bullock (seu nome verdadeiro) soube tirar as lições de resiliência, resistência e perseverança para encarar o mundo sozinha e atingir o sonhado sucesso somente aos 40  anos de idade, na virada dos anos 70 para os 80.

A exuberante cantora negra, que iluminava todos os ambientes em que entrava, não era intimidadora por estratégia. Ela apenas preenchia tudo e tomava cinta de tudo por conta de um carisma absurdo e um talento aior ainda. Era natural que crescesse espontaneamente. Foi gigante por natureza.

É o que se pode chamar de personalidade incandescente, como bem definiu o músico e produtor João Marcelo Bôscoli em seu comentário diário na rádio CBN. É o mesmo adjetivo que aplica em relação à carreira da mãe, a monumental Elis Regina (1945-1982).

É dele também o pertinente paralelo com outra cantora brasileira imensa, Elza Soares, que morreu no ano passado, aos 91 anos de idade. 

Elza e Tina tiveram obstáculos semelhantes em suas trajetórias e os enfrentaram com tenacidade. Perseveraram e se tornaram símbolos de diversas causas e exemplos de muitos tipos de lutas. Ambas nunca couberam dentro de suas personalidades, o que as catapultaram naturalmente para o topo.

A voz marcante e inconfundível transformou Tina Turner em um dos símbolos pop dos anos 80 em todos os níveis e áreas. Seus megahits tocaram exaustivamente no mundo inteiro, assim como sua figura imponente e suas atuações no cinema expandiram sua imagem de forma quase onipresente. Nada mal para uma cantora que tentava se desvencilhar de um passado sombrio, ainda que consistente.

Ike Turner era m nome forte da música negra quando a jovem Anna Mae entrou em sua banda, na virada dos anos 50 pra os 60.  O negócio dela era o que veio a se chamar rhythm and blues, mas se destacou como vocalista de apoio fazendo bonito no rock e na soul music.

A tórrida paixão logo a transformou em senhora Turner e a vocalista principal, colocando-a em posição para concorrer com os trios femininos que dominavam a cena americana na primeira metade dos anos 60 - Martha and The Vandellas, Supremes, Ronettes e outros.

Foi tudo conquistado com muito suor e muita dor - literalmente, já que a vida doméstica era um inferno, pois apanhava cotidianamente de Ike, alcoólatra e viciado em drogas. 

Demorou, mas criou coragem e se livrou da vida terrível ao lado do algoz no final dos anos 60 - o que teve um preço: recomeçar do zero e encontrar um mercado musical hostil a gente "rebelde e conquistadora". Pois é, escapar da violência doméstica e denunciá-la era vista como "rebeldia feminina" ou "postura feminista extrema".

Já era considerada uma das grandes cantoras do nosso tempo, mas demorou para engatar uma carreira de sucesso, ainda que gravasse bons trabalhos. 

Chamou bastante a atenção na versão para o cinema de "Tommy", a ópera-rock de The Who, no papel de "Acid Queen" e cantando a canção de mesmo nome, isso em 1975, mas as primeiras chamas do sucesso na carreira solo só viriam quatro anos e depois. 

Era o prenúncio de sua era de ouro, quando sua fama ultrapassou fronteiras a ponto de ser a artista po mais importante do mundo por mais de dez anos, entre os anos 80 e 90.

Curiosamente, até hoje era chamada de rainha do rock, gênero que tinha deixado para trás lá nos anos 80. Claro que era referência no quesito, principalmente em sus primórdios, mas mergulhou na música pop com gosto e empenho para se transformar em ícone cultural do século.

"We Don't Need Another Hero", "What's Love (Got to do With It)", "The Best" e mais uma penca de hits guardam poucas conexões com o rock, ainda que as produções dessas canções sejam grandiosas e estrondosas, coo convém a um bom rock de arena. Mas o megassucesso mesmo explodiu dentro da pop por excelência.

Rainha do rock? Que seja, já que ela despontou cantando músicas explosivas e fazendo o melhor blues e o melhor rock possível na época e lhe deu aas bases para se tornar uma estrela onipresente como nenhuma outra tinha sido até então naqueles anos 80.

O que mais se ouviu no dia de sua morte foram tentativas de se medir o tamanho de sua importância ou de seu legado. As opiniões "choveram", e todas de forma inconclusivas. Já era esperado. 

O legado do tipo de gente como ela, B.B. King, Miles Davis, Elvis Presley, Jimi Hendrix e John Lennon é impossível de ser medido ou calculado. Basta dizer que criaram as bases para tudo o que vivemos, sentimos e ouvimos em termos de arte e em termos de música. Qualquer agradecimento a Tina Turner será insuficiente expressar o tamanho de sua importância. 

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