sexta-feira, 5 de maio de 2023

Pesquisa: 85% das mulheres na música já sofreram discriminação

 Um levantamento que ouviu mais de 250 autoras, cantoras, produtoras, intérpretes e profissionais do setor da música do Brasil ilustra a gravidade da discriminação e do assédio na indústria. 

A edição 2023 do relatório "Por Elas Que Fazem a Música", uma iniciativa da União Brasileira de Compositores (UBC) -- revela dificuldades e experiências pessoais de mulheres dispostas a contar em detalhes a realidade de um meio que é silenciosamente hostil a elas.

Prova disso é que 85% afirmaram ter sofrido discriminação de gênero em algum momento da sua carreira. Muitas deixaram depoimentos sobre pequenos e grandes embaraços ligados ao simples fato de serem mulheres -- e você poderá ler alguns deles no final deste texto.

Outro dado alarmante é o de vítimas de assédio na indústria musical. 76% das participantes contaram já terem sofrido algum tipo de assédio no meio. 

Entre os dias 16 e 29 de março de 2023, 256 mulheres responderam ao levantamento, disponibilizado nas redes sociais da UBC através de um formulário digital.

"A UBC apresenta um relatório de grande importância para o mercado fonográfico, que vai além e é também um retrato da sociedade. Um olhar profundo sobre a realidade da profissional mulher, musicistas, compositoras, intérpretes, produtoras, neste lugar", afirma Paula Lima, autora, cantora e presidente da UBC. 

Segundo ela, "os dados e os relatos mostram o quanto ainda estamos como mulheres, erroneamente, sendo vistas e tratadas. O relatório é mais um importante passo a ser dado rumo a um futuro mais justo para todas as mulheres do mercado. É preciso, precioso, esclarecedor, inteligente, impactante e empoderador. A UBC tem o compromisso e segue acreditando na inclusão, diversidade e principalmente no respeito entre todos, entre profissionais e no protagonismo feminino, em busca de equilíbrio e equidade".  

Seguindo as classificações do IBGE, a maioria das participantes da pesquisa se identificou como branca (67%), seguidas de pardas (18%) e pretas (13%). Participaram também mulheres indígenas (1,5%) e amarelas (0,5%).

Como se trata de uma pesquisa respondida por iniciativa própria das profissionais, sem que tenham sido aplicados critérios científicos de representação geográfica, etária ou étnica na seleção das
participantes, os resultados devem ser lidos como um retrato desse universo específico, o das respondentes. 

Mas a experiência empírica revela que, em muitos aspectos, elas podem perfeitamente refletir, com
mais ou menos precisão, o conjunto das mulheres no mercado musical brasileiro.

A maioria das respondentes têm entre 31 e 40 anos (36%), seguidas de um número também expressivo de mulheres na faixa entre 41 e 50 anos (24%). As idosas foram minoria, representando 2% apenas, e nenhuma menor de idade respondeu à pesquisa.

A maior parte das respondentes é solteira (51%), e a grande maioria (63%) não tem filhos, o que lança alguma luz sobre a dicotomia entre poder dedicar-se à carreira ou formar uma família, frequentemente
imposta às mulheres não só no meio musical, mas no mercado como um todo.  

O levantamento aponta, entretanto, que há avanços relacionados à aceitação da diversidade de gênero. Quase a totalidade das respostas vieram de mulheres cisgênero, sendo a maioria delas heterossexuais
(65%), seguidas de bissexuais (21%) e homossexuais (10%). 

As mulheres transgênero representaram 2% das respostas, sendo 1,5% delas bissexuais e 0,5% heterossexuais.

Com iniciativas como a pesquisa e o relatório anual "Por Elas Que Fazem a Música", a UBC pretende ressaltar a necessidade urgente de equiparação de direitos, condições de trabalho e rendimentos entre
homens e mulheres no mercado musical, algo que beneficiaria toda a cadeia produtiva.

"Março, o ‘mês da mulher’, acabou, mas o debate deve ser fomentado o ano inteiro. Temos acompanhado casos recentes de discriminação e assédio na indústria do entretenimento e essa
análise mostra que no mercado musical não é diferente. Recebemos relatos fortes de mulheres igualmente fortes que participaram da pesquisa. Transformar essa dor em dados, nos mostra a urgência de debatermos novos modelos de pensamentos e relações", ressalta Mila Ventura, gerente de comunicação da UBC e coordenadora do projeto.

Depoimentos

As informações mostradas neste levantamento foram obtidas através das respostas de 256 mulheres a um formulário digital, disponibilizado em nossas redes durante o período de 16 a 29 de março. Todos os depoimentos abaixo tiveram sua divulgação autorizada por suas autoras, de forma anônima ou não.

"O cara me chamou pra cantar em um evento superimportante. Depois de eu ser confirmada, ele começou a dar em cima de mim. Porém, eu não dei bola e, quando chegou o dia do evento, ele tirou minha participação. Alguns MC's que me chamaram para feat {colaboração ou participação especial] e, quando perceberam que eu não iria ficar com eles, desistiram." - Isabella Letícia Bom Soares

"Já passei por todo tipo de assédio e situações desagradáveis. Aos 13 eu já trabalhava como cantora. E sofri um estupro, viajando a trabalho. Realmente já passei por muita coisa. Desde "brincadeiras"
inconvenientes, tentativas de contato físico à força, até propostas do tipo "eu te ajudo você me ajuda" - tratando-se de favores sexuais em troca de patrocínio. Comecei a trabalhar com 9 anos de idade, e
acreditem - homens adultos me assediavam mesmo eu sendo pequena, magrinha e criança. Não foi fácil. Mas tô aqui, na luta, com a esperança de que as jovens cantoras de hoje e do futuro, sejam
respeitadas, protegidas, e possam trilhar seus caminhos com liberdade e respeito acima de tudo." - 
Mel Maia (Melissa da Maia Koslouski)

"Já cheguei ao ponto de bloquear homens que acham que podem tudo. Pessoalmente, em shows passados, já ouvi de donos de bares e casas que o cachê seria maior caso usasse menos roupa ou se rolasse um 'after party' [festa após o evento] particular. Por esse e outros motivos desisti de tocar ao
vivo e acabei focando no trabalho online. Pelo menos bloquear o ser inconveniente dá um pouco de paz." - Fabiana Bellentani Cabral de Oliveira

"Precisava de um estúdio para começar a gravar minhas composições e não tinha contato algum com alguém do meio artístico. Um rapaz do Facebook viu o meu cover [versão de uma música de outro artista] na internet e decidiu ceder o espaço de um estúdio sertanejo para gravar minhas composições. Ele me convidou um dia antes da minha ida a ir para uma festa e, durante a conversa, ele soltou sem querer que a intenção era ter relações sexuais comigo como forma de pagamento pelas horas que eu teria gravando as minhas músicas no estúdio." - Autora pediu para manter relato no anonimato.

"De tantas discriminações que já sofri, a que mais me marcou e quase me fez desistir desse mercado foi  em uma live de um renomado produtor musical, que inclusive já trabalhou com os Racionais MC's. Eu me ofereci para uma vaga de estágio e ele respondeu, prontamente, que estava procurando um estagiário, e não uma namorada. É assim que somos vistas." - Fabiana Bellentani Cabral de Oliveira

"Toco com uma banda composta apenas por mulheres. No último festival que eu toquei, fui totalmente desrespeitada pela equipe de som e palco. Não nos permitiram nossa passagem de som conforme o combinado, nos trataram o tempo todo como se não soubéssemos o que estávamos
fazendo. No final de tudo, cortaram a minha última música, comigo ainda em cima do palco.” - Autora pediu para manter relato no anonimato.

"Sou uma mulher negra e empresária, mas sou constantemente confundida com dançarina ou familiares dos artistas que represento." - Ana Paula Paulino

"Uma vez subi ao palco para tocar (sou DJ) e, mesmo estando com meus aparatos em mãos, fui bruscamente puxada pelo braço pelo dono do clube, pois ele achou que eu era uma frequentadora que estava invadindo a cabine para tietar o artista anterior a mim." - Rafaella De Vuono

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