quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

'1984', do Van Halen: auge da festa também foi o fim de uma era

 Parecia premonição, mas a letra de "I'll Wait" indicava novos tempos, mas não necessariamente o fim de um período mágico e glorioso. A profusão de sintetizadores em todo o álbum novo, o brinquedinho mais recente do guitarrista genial, apontou para o futuro, mas ele não sabia que, de certa forma, jogaria o passado em um espécie de obsolescência.

O Van Halen que emergiu no fabuloso álbum "1984" ("MCMLXXXIV", em algarismos romandos, como está ma capa do LP) assombrou os fãs e apreciadores de  rock com uma guinada radical na sonoridade e nos temas abordados. Havia ainda alegria e festa, mas também um pouco de intimismo e introspecção.

O álbum de versões e sobras de estúdio "Diver Down", de 1982", tinha cara de interlúdio na carreira após quatro discos maravilhosos e de sucesso estrondoso, especialmente "Fair Warning", de 1981. Temas como "Mean Street", "Unchained" e "Head About I Later" são eternos e puxavam o álbum em direção aos patamares mais altos.

Depois de "Diver Down", as expectativas aumentaram muito: a banda californiana calcada na guitarra genial de Eddie Van Halen iria para onde? Havia como evoluir mais e expandir mais as inovações sonoras e tecnológicas da guitarra?

Com todo mundo afiado, "1984" foi o auge da primeira fase da banda e, ironicamente, marcou o fum daquele período, com a fama cobrando o seu preço ao evidenciar as graves divergências entre os quatro integrantes.

Há quem reclame que os teclados e sintetizadores obscurecem a mágica guitarra de Eddie. Será que esses críticos se deram ao trabalho  de prestar a ateenção em "Hot For Teacher" e seus riffs combinados? Ouviram atentamente a forte e carismática "I'll Wait".

"Jump", o hit definitivo, é totalmente baseado noa guitarra e em uma base rítmica de baixo espetacular de Michael Anthony. a guitarra convive muito bem com os sintetizadores e o solo de Eddie Van Halen é estupendo.

E o que dizer de "Panama", com sua ironia mais refinada e sarcasmo que fizeram história, e que definiram, de certa forma, o hard rock californiano antes mesmo do estouro do Motley Crue e da ascensão fulminante do Twisted Sister e do Quiet Riot. E nesta canção que está o melhor trabalho vocal de Dave Lee Roth com o Van Halen.

E ainda tem "House of Pain", um pouco mais séria, com mais trabalho ótimo de guitarras, a divertida "Top Jimmy", emulando o passado, assim como "Girl Gone Bad". E a vinheta de abertura, "1094", mostrando os novos caminhos.

Há 40 anos o Van Halen avançava e mostrava que estava na vanguarda e que soube melhor do que todos usar a nova geração de sintetizadores, não só como instrumento protagonista como criando e inventando novos timbres, como The Who - e Pete Townshend, o guitarrista da banda - tinha feito 13 anos antes em "Who's Next", uma das obras-primas d todos os tempos.

Rompimento e nova vida

Certos críticos afirmam que a guinada foi radical demais e decretou o fim daquela fomação, com a saída do vocalista Dave Lee Roth para a carreira solo em 1985. Não há indícios de que essas mudanças tenham, sido decisivas a julgar pelas declarações dos integrantes à época.

Roth abraçou as novas tendências e, se continuasse no grupo, apoiaria as mudanças. A questão envolvia as tensões internas, com o vocalista se incomodando com o domínio das ações dos irmãos Van Halen. 

A consequência, que foi a exigência de mais participação e mais liberdade, foi procurar espaço fora da banda. As divergências e as birras claramente empurravam o cantor para fora.

nenhum deles nunca falou abertamente, mas Michael Anthony insinuou mais e uma vez que Roth se ressentia da genialidade de Eddie, então a figura mais proeminente e considerado gênio em seu instrumento. O cantor queria todos os holofotes e queria ser uma espécie de Mick Jagger. O conflito era inevitável.

Por fim, há a questão "ideológica": Roth queria aparecer mais, e para isso exigia canções mais pop e acessíveis, sem tanta guitarra, algo impensável. Foi isso que Roth impôs no seu EP solo de estreia, com as versões de "Just a Gigolo" e "California Girls", imprimindo um ar debochado e e cafona propositalmente - e sem guitarras lancinantes.

Sem o Van Halen, o vocalista teve fôlego até o comecinho dos anos 90, quando também foi engolido pelo movimento grunge, embora já perdesse a veia criativa na época. Os lançamentos ficaram cada vez mais espaçados ate que cessassem quase por completo, jogando em um semiostracismo.

O Van Halen teve mais sorte e agiu rápido. Convidou um astro consagrado, Sammy Hagar, com sólida carreira solo no hard rock, para cantar e prosseguiu inovando com a mescla de timbres de guitarra surpreendentes e sintetizadores  protagonistas, como no primeiro disco da banda com o novo vocalista, "5150".

Hits estupendos como "Why Can't This Be Love?", "5150", "Dreams" e muitos outros provaram que Eddie e Alex Van Halen estava certos e que o público abraçou a mistura de hard rock e AOR (álbum orientado para o rock, estilo de banda com Journey e Survivor). 

O Van Halen ficava cada vez maior e ampliava seu público, mas o som estava menso ensolarado e alegre. Era uma banda mais séria, não sisuda, mas abordado temas maduros e sem o sarcasmo e a ironia que marcaram a primeira fase. O deboche tinha desaparecido.

A segunda e boa fase durou até 1995, quando Eddie e Alex sentiram que a banda perdia fôlego e corria o risco de despencar após o bom álbum "Balance". 

Para completar, a amizade de Hagar om os irmãos tinha arrefecido e as famosas divergências musicais surgiram. O vocalista foi simplesmente demitido.

Na prática, foi o fim da banda. Houve uma tentativa de retorno de Roth em 1996, mas não deu certo. A tentativa de 1998 com o amigo de longa data Gary Cherone (Extreme) no disco "III" ficou aquém das expectativas em termos financeiros, sendo que o trabalho era realmente fraco.

Só haveria notícias da banda seis anos depois, com uma turnê nostálgica com a volta de Hagar depois de alguns concertos com Dave Lee Roth. 

Financeiramente foi boa, mas em termos artísticos foi um desastre, com novas brigas entre os integrantes - e desta vez afetando o baixista Michael Anthony, pois os irmãos romperam com ele por causa de sua proximidade com Hagar.

Em 2007, Roth cede em suas exigências e finalmente aceita fazer uma turnê americana bem-sucedida com Wolfgang, o filho multi-instrumentista de 17 anos de Eddie no baixo. 

Disco novo somente em 2011, o primeiro em 13 anos, com muitas das ideias requentadas de sessões de ensaio de duas décadas atrás. Era razoável, vendeu bem, mas não o suficiente para recolocar o Van Halen na vanguarda novamente.

Mais duas turnês americanas e a banda entra em hiato definitivo em 2015 para acabar de vez cinco anos depois com a morte de Eddie Van Halen em decorrência de um câncer no cérebro.

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