quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

Jon Anderson, a voz eterna do Yes, completa 80 anos

Era um dia de sol forte na avenida Paulista, em São Paulo. Tarde de primavera, quase verão, e um inglês decidiu comemorar seu aniversário andando pelos arredores e curtindo a paisagem e a loucura paulistana. A filha bonita, que fazia backing vocals em seu show, o acompanhava na divertida tarde.

Vestido de branco, como quase sempre, Jon Anderson, então ex-vocalista do Yes pela terceira vez, afirmava que a América do Sul e o México tinham mantido algo que os europeus tinham perdido: a vontade de curtir a vida, mesmo que fosse em apenas uma tarde.

Ele nunca escondeu que detestava o clima chuvoso, frio e cinzento de Londres, na sua Inglaterra, e da maioria das cidades inglesas. Gostava de afirmar que era um cidadão do mundo, que o mundo "quente" o atraía desde sempre. Por isso, adorava o Brasil e fazia questão de vir ao país sempre que podia. 

"Comida boa, gente bonita, ritmo frenético e muita sabedoria. Independentemente das crises econômicas, aqui as pessoas ainda encontram espaço para curtir um pouco a vida", disse o cantor.

Anderson completa 80 anos em 2024. Dos artistas britânicos do rock progressivo, é o segundo mais velho (Roger Waters, do Pink Floyd, nasceu um ano antes), embora não seja o pioneiro do segmento. Nome importante do underground folk britânico do começo dos anos 60, camelou bastante até que conseguisse firmar seu nome na cena londrina.

Entretanto, foi ao encontrar o baixista Chris Squire em um pub, estudante universitário como ele, mas quatro anos mais novo, que a carreira deslanchou. E então surgiu o Yes em 1968, que tomaria forma definitiva no final daquele ano. 

O primeiro disco, autointitulado, era um pastiche pop dos Beatles e dos Hollies. Foram necessárias doses importantes de ousadia de Anderson, Squire e do guitarrista Peter Banks (morto em 2013) para criar um som mais original, mais rebuscada e sofisticada, mirando o próprio Pink Floyd, The Move e Moody Blues.

A banda ralou muito e as coisas começaram a acontecer a partir de 1970, com a saída de Banks e a chegada do guitarrista Steve Howe. Foi então que o quinteto mergulhou no rock progressivo definitivamente, rivalizando com o Genesis, com o King Crimson, com o Emerson, Lake and Palmer e o Jethro Tull. 

Com seu acento mais pop, mas conjugado com uma pegada mais erudita e pomposa – especialmente com a chegada de Rick Wakeman no lugar do tecladista Tony Kaye -, foi o grupo do segmento que mais vendeu álbuns nos anos 70.

Obsessão pela perfeição

Exímios músicos, tornaram-se alvo dos punks, ao lado do Pink Floyd. Foram acusados de descaracterizar o rock e de quererem elevá-lo a uma espécie de arte superior. Ignorando essas bobagens, mantiveram o alto nível dos trabalhos de estúdio até que que as diferenças musicais provocaram mudanças de formação. 

Wakeman saiu, voltou e saiu de novo, seguido por Anderson em 1979. Yes acabou em 1981 por desideratação e vendas baixas. Squire e o baterista Chris Squire tentaram se unir a Robert Plant e Jimmy Page logo em seguida, mas o ex-vocalista do Led Zeppelin logo pulou fora. Meses depois, Page desistiu.

E então a ideia era criar o Cinema, com o guitarrista e vocalista sul-africano Trevor Rabin, que mais tarde se tornaria compositor de trilhas sonoras para filmes. "90812", o clássico do Yes de 1983, estava pronto quando Jon Anderson decidiu visitar os amigos White e Squire no estúdio. Escutou o que faxziam e pirou. Não demorou para que ele os convencesse que de deveria participar. O nome voltou a ser Yes e o disco foi o maior sucesso da banda inglesa em todos os tempos.

Ao longo dos 20 anos seguintes, a banda teve altos e baixos, com Anderson saindo em 1987 e retornando em 1991, para ser defenestrado definitivamente em 2008 porque ficou seriamente doente e comprometeu a turnê dos 40 anos da banda. 

As relações com Squire e Howe ficaram abaladas, a ponto de fazer com que Rick Wakeman abandonasse a banda pela enésima vez – ironicamente, sendo substituído por um de seus filhos tecladistas, Oliver Wakeman.

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Genioso e exigente para alguns, solidário e parceiro para outros, o ex-cantor do Yes ultrapassou os 50 anos de carreira com um currículo invejável – só de Yes foram 40 anos, além de encontros prolíficos com o tecladista grego Vangelis, o inglês Mike Oldfield, o cantor mineiro Milton Nascimento, o violinista francês Jean-Luc Ponty e o guitarrista sueco Roine Stolt (Flower Kings). .

Entusiasta da música brasileira, Jon Anderson já trilhava uma carreira solo paralela no auge do Yes, em meados da década de 70, quando lançou o exótico "Olias of Sunhillow", de 1975, um álbum incomum, baseado em música étnica e sons acústicos. 

Veio ao Brasil pela primeira vez para tocar no Rock in Rio I em 1985, evento que encantou o vocalista, marcando uma série interminável de visitas com o Yes e em shows solo – alguns sozinho mesmo, só ele e violão, como em em 2012.

Seu álbum mais interessante dos últimos anos, é "1.000 Hands: Chapter One", que reuniu novas composições e sobras de um projeto engavetado, Uzlot O resgate das músicas do Uzlot surpreendeu, já que Anderson é um compositor prolífico. Muita gente imaginava que ele fosse retomar a parceria com Roine Stolt, que rendeu um ótimo CD há três anos, onde o rock progressivo predominou. 

Com as portas abertas para o mundo, o cantor contou com um time estrelado para gravar as canções multifacetadas e diversificadas. Quem mais aparece é o violinista francês Jean-Luc Ponty, um amigo antigo que deu uma "cara" de world music para várias canções.

Outro Anderson brilha em pelo menos três canções. Contemporâneo do rock progressivo setentista, o líder do hoje encerrado Jethro Tull, Ian Anderson, tocou flauta e violão, além de outros amigos, como o tecladista Jonathan Cain (ex-Journey), Carmine Appice (ex-Vanilla Fudge e Beck, Bogert and Appice) e o guitarrista Rick Derringer. 

Das gravações mais antigas foram aproveitadas performances de outros artistas importantes, como Bobby Kimball (vocais, ex-Toto), Billy Cobham (bateria), os jazzista Larry Corryel (guitarra) e Chick Corea (teclados), além do baixo de Squire e da bateria de White.

As canções mantêm um astral bem positivo, como "Where Does Music Come From?" e a oriental "Ramalama", além da dançante e festiva "Make Me Happy". 

As mensagens de esperança e de teor ecológico permeiam quase todas as letras, mas longe da pregação e de tornar o CD enfadonho. Ponty vai muito bem em "First Born Letters" e "Activate", enquanto que Ian Anderson acrescenta sons interessantes em "Make me Happy" e "Now Variations";

É difícil encarar o Yes sem Jon Anderson, e fica complicado ouvir Jon Anderson sem o Yes neste século. Delicado, sutil e emocionante, o cantor mostra fôlego para encarar mais alguns anos de rock progressivo e world music da melhor qualidade.

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