As imagens são impactantes e delicadas: um violinista que toca sozinho. na Itália, em plena pandemia de covid-19, emocionando a todos mostrando a fragilidade da vida, mas levando muita esperança; o saxofonista ucraniano tocando John Coltrane em meio aos escombros de um prédio em Kharkov em meio a um bombardeio russo; o canto a capella (sem instrumentos acompanhando) de crianças palestina em meio á desgraça da guerra na Faixa de Gaza; o hino de resistência "Biko", de Peter Gabriel, entoado por músicos do mundo inteiro em vídeo da organização Playing For Change.
Não há quem não se emocione com o poder da música na tentativa de amenizar ou restaurar mudos despedaçados por tragédias naturais e humanas. principalmente aquelas que ilustram o ressaltam episódios e solidariedade, em uma tentativa de os lembrar que é possível encontrar bondade por aí.
A Orquestra Mundana Refugi é essencialmente uma entidade musical, mas sua existência e seu trabalho transborda a música e invade a vida cotidiana de uma forma inimaginável. É uma verdadeira instituição humana, uma ONG (organização não governamental) com um trabalho tão louvável quanto ao dos Médicos Sem Fronteiras e dos Repórteres Sem Fronteiras.
De formação variável e de portas abertas, recebe músicos do mundo todo de passagem por São Paulo. Claro que nem todos são refugiados, mas a maioria das histórias dos africanos, venezuelanos e nativos do Oriente Médio sempre evocam tragédias de todos os tipos, E seu trabalho e sua ´música ganham mais relevância em tempos de conflitos assombrosos e terríveis como a guerra genocida de Gaza.
O surgimento da orquestra é fruto da mente inquieta e da noção de solidariedade humana enraizada de um músico brasileiro, Carlinhos Antunes, um especialista em instrumentos de cordas, notadamente violões e violas, que é historiador por formação e experiente gestor público - foi secretário de Cultura m Diadema, na Grande São Paulo, na gestão do primeiro prefeito do PT eleito no país, o metalúrgico Gilson Menezes, que governou entre 102 e 19880- teve um segundo mandato, entre 1997 e 2000, pelo PSB.
"A Orquestra Mundana Refugi é uma celebração da diversidade e da cultura de todos os povos", diz Antunes, o diretor musical do combo. "Executamos obras brasileiras, como 'Caravanas', de Chico Buarque, que ama as nossas versões, e também músicas latino-americanas, do Oriente Médio, da África, do Extremo Oriente; Realmente, não temos fronteiras."
Ouvir a excelência musical da orquestra é um bálsamo em tempos cada vez mais obscuros e desesperadores. Pelo viés humanista e celebração dos direitos humanos, é mais do que natural que o trabalho tenha um caráter progressista, com a valorização do trabalho assistencial a refugiados e genye que foge de conflitos ou crises econômico-humanitárias.
Já são dois álbuns lançados desde 2017 em mais de 20 anos de existência, como terceiro acabando de sair do forno neste mês de fevereiro. "Todo Lugar Aqui" reúne a formação atual de 22 músicos, que fizeram uma concorrida apresentação em 1º de fevereiro no Centro Cultural São Paulo.
Carlinhos Antunes é um entusiasta da cultura e tema consciência da importância e relevância de sua iniciativa e anseia com a ampliação do número de apresentações - não é exatamente fácil levar o combo para shows fora de S]ao Paulo por conta da infraestrutura e logística.
"Temos um esquema maravilhoso, que é referência internacional, o Sesc de São Paulo, que é um trabalho de uma vida de uma figura gigante como Danilo Santos de Miranda", analisa o músico. "Depois de anos terríveis de pandemia de covid-19 e um governo de extrema-direita que não tinha apreço pela cultura, é necessário reconstruir o setor e retomar conversar e debates para criar novos mecanismos de financiamento público de cultura."
Valorização da diversidade
O novo álbum apresenta cantos tradicionais representando as culturas da orquestra, e a pesquisa para a gravação desse álbum foi além, com temas de outros povos e outras regiões.
As dez músicas registradas passam pelo samba, xote, flamenco, tarantela, makshoun , música andina e outros ritmos.
"Quando eu criei a orquestra cada músico do mundo veio trazendo sua cultura, mas o projeto era audacioso e buscava em médio prazo uma linguagem comum que seria de todos, uma linguagem musical, uma forma de trabalho ampla e diversa. A ideia era ir bem além das culturas dos integrantes", comentou Antunes.
“Todo Lugar é Aqui” é um resultado dessa busca. Entre as músicas estão “Amendoas Verdes”, um hino da causa palestina e “Uskudar”, música turca cantada pela iraniana Mah Mooni e pela palestina Oula Al Saghir.
Também fazem parte do repertório duas canções ensaiadas especialmente para a apresentação no Rock in Rio 2022, Taranta”, uma tarantela, e “Sardinia” que faz alusão à Sardenha, com um ritmo caribenho composto por um africano.
“Suíte dos Povos”, tradicional do Tibet, foi uma sugestão do representante da China. "Aí aproveitamos essa melodia para fazer referência às várias religiões, terminando com uma música andina, como se fosse uma viagem pelo mundo, culminando na Bolívia", detalhou Antunes.
O álbum ainda traz "Canto das Três Raças” e “Oracion de Remanso”, esta uma homenagem à América Latina, “Batarsite”, cantada em 'criolo' com influência francesa e “Sombra da Romazeira”, de autoria de Carlinhos Antunes com ritmos flamencos e árabes.
Chico Buarque, considerado um patrono da orquestra, é novamente reverenciado com uma belíssima versão de “Violeira”, de Chico Buarque, tocada pelos instrumentos diversos do grupo além dos sotaques vocais, transformam o Brasil em parte do mundo de onde cada um vem.
Os arranjos diversificados são de Carlinhos Antunes com parceiros da orquestra como Daniel Muller, Rui Barossi, Danilo Penteado, Chadas Ustuntas, Cláudio Kairouz e outros. “Tudo Lugar Aqui” é um lançamento do selo Circus, será lançado no YouTube dia 30 de janeiro e, em breve, nos aplicativos de música.
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