terça-feira, 1 de setembro de 2020

The Jam, um corpo estranho dentro do tumulto punk dos anos 70

Marcelo Moreira

Bem no meio do caminho entre a podreira dos Sex Pistols, a virulência do Clash e da nostalgia veloz dos Ramones havia uma banda que celebrava a cultura mod e, de certa forma, o modo de vida típico da Inglaterra, em plena era punk.

The Jam era o trio londrino que queria fazer barulho, mas mesclando as influências sessentistas que rescendiam a The Who, Small Faces e Kinks. E os três moleques decidiram que confrontariam a violência sonora e comportamental resgatando a cultura mod. Essa ousadia está completando 45 anos da guinada definitiva para o mundo do rock profissional.

Foi um tiro certeiro e que deu muito certo logo logo, com uma chuva de convites para gravar o primeiro álbum já em 1977.

E o mundo mod ressurgiu das cinzas, chegando a inspirar a produção de um filme, "Quadrophenia", em 1979, baseado na obra homônima do Who, de 1973 - dependendo do humor do dia, o guitarrista do Who, Pete Townshend, admite que isso realmente ajudou na decisão de fazer e continuar o filme após a morte do baterista Keith Moon.

A mente brilhante que impulsionou o trio é o guitarrista e vocalista Paul Weller, um garoto nostálgico metido a intelectual que tinha muito talento para compor e para (re)criar fraseados que eram puro "Swinging London" (Londres fervilhante e moderninha, como a capital inglesa ficou conhecida nos anos 60 por conta da efervescência cultural).

Em 1975, The Jam já parecia uma boa ideia, ainda que os Ramones possam ter jogando um pouco de água fria com seu som acelerado, veloz e cheirando a nostalgia sessentista pura.

Quando os punks tomaram conta da vida e das paradas, o trio de moleques de 20 anos já tinha muita coisa para mostrar, soando completamente diferente do que Siouxsie and the Banshees, Buzzcocks, Sham 69 e toda uma série de bandas importantes, mas eminentemente punks.

As composições eram diferentes, os temas diferentes e as guitarras eram diferentes. Mas, sobretudo, a atitude era diferente, o que irritava muito os punks raiz, digamos assim.

Weller e seus colegas assumiam claramente que queriam ser pop, mas tinham audácia e peito para navegar dentro do maremoto punk. Mais ainda: ofereciam um caminho que só mais tarde o Clash e outras bandas britânicas enxergariam para além do movimento punk.

A história da formação do grupo, aliás, guarda pouca semelhança com o surgimento de outros nomes fortes da cena punk britânica. Se o "do it yourself" (faça você mesmo) imperava, com muitos moleques sem saber tocar direito, no caso de The Jam era diferente.

Inicialmente um quarteto no colégio, o grupo não tinha cara definida no alto dos 14 anos, em média, de seus integrantes, em 1972. Weller era apenas o vocalista que se aventurava no violão ao lado de Bruce Foxton (baixo), Rick Buckller (bateria) e Steve Brookes (guitarra).

Não houve muito progresso no início e as expectativas continuaram baixas até que Brookes foi cuidar da vida, perdendo o interesse. Nem houve tempo para procurar um guitarrista, já que Weller se apresentou e surpreendeu a todos com sua pegada á la Pete Townshend.

Já era 1975, quando o trio finalmente decidiu abraçar o rock e se tornar um ícone do punkl sem ser realmente punk.

Em 1977 o Jam assinou um contrato com a Polydor Records e lançou seu primeiro compacto, "In The City", seguido por um álbum homônimo, que misturava influências mod e punk com as composições de Weller e versões de clássicos do R&B.

O álbum seguinte, do mesmo ano, foi "This Is a Modern World", que divide com "Setting Sons", o quarto álbum, de 1979, a primazia de ser o melhor dos seis discos de estúdio.

Havia a urgência do punk, mas a canção era privilegiada, assim como os arranjos de guitarra e de cordas, tudo sob a regência de Paul Weller

Gigantes na Inglaterra, a ponto de escorregarem para fora do punk, The Jam foi menosprezado nos Estados Unidos, em um processo parecido com o que ocorreu com os Kinks, amados na Europa e quase ignorados na América.

Com a idolatria, o hoje sempre sereno Weller ganhou fama de temperamental e de metido a intelectual. Com o punk morrendo em 1980 e as bandas procurando alternativas para sobreviver, o líder do Jam mostrava o caminho em entrevistas ousadas e, de certa forma, proféticas.

Tudo indicava que The Jam daria o seu grande salto em 1982 para liderar a nascente new wave, surgida dos escombros do punk. Só que Weller queria mais e se julgava um artista que estava limitado ao rock no seu trio.

Era o auge da banda em seus cinco anos de sucesso, ninguém entendeu quando o guitarrista decidiu que bastava: saiu da banda, deu um jeito de evitar que fosse substituído e enterrou The Jam para sempre - nunca houve uma reunião, nem festiva, entre os integrantes.

As ambições intelectuais de Weller o levaram para o jazz e para a formação de um duo, Style Council, em 1984, ao lado do baterista Mick Talbot, uma iniciativa das mais felizes, liderando um movimento que tinha artistas como Matt Bianco, Cocteau Twins (no começo), Everything But the Girl, entre outros.

O jazz pop da dupla deu certo e conquistou um público enorme na Europa, mas o sucesso mesmo nos Estados Unidos só viria a partir de 1992, com Weller em carreira solo. Seu último trabalho é deste ano, "On Sunset", uma coleção de canções sofisticadas e elegantes que variam do folk ao pop melódico.

Bruce Foxton, desnorteado, tento desistiu depois de contendas com Wellerasu manter o Jam, mas desistiu depois de contendas com Weller.

Trabalhou com vários artistas underground nos anos 80 e ensaiou uma banda com Simon Townshend, irmão de Pete, o Casbah Club que fracassou.

Hoje se dedica ao From the Jam, uma espécie de banda tributo ao jam (ou a ele mesmo), nos moldes do Call the Police, que Andy Summers, do Police fez com músicos brasileiros para tocar as canções de sua ex-banda.

Já Rick Buckler atuou por algum tempo no underground, mas sem sucesso, optando por se retirar da vida pública há muitos anos.



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