quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

O blues no Brasil ganha mais um importante documento

O baú não tem fundo, e isso é um bom sinal. O persistente jornalista e documentarista já tinha perpetrado dois livros e um documentário obre o blues no Brasil, e decidiu que havia espaço para outro livro. E assim temos "Blues - The Backseat Music Vol.3". 

Como bem frisa o santista Eugênio Martins Júnior, é mais um volume sobre o blues no Brasil, e não sobre o blues brasileiro, tanto que as entrevistas com artistas nacionais novamente se equiparam às internacionais, com artistas sendo "laçados" em corredores de hotéis ou momentos antes de subir ao palco em festivais. 

Foi assim como o guitarrista norte-americano Eric Gales em sua última passagem pelo Brasil. "Você tem apenas sete minutos", disse o guitarrista norte-americano Eric Gales antes de tocar no Rio das Ostras Jazz and Blues Festival de 2022. E assim foi...

A obra reúne 32 entrevistas de artistas brasileiros e de estrangeiros que passaram pelo país nos últimos anos. Somando as entrevistas dos outros dois volumes, são 100 conversas registradas, mais fotos e artes dos shows. Não é exagero dizer que se trata do maior registro histórico desse estilo musical no Brasil.

O livro traz conversas com Duca Belintani, Joe Mahofer (The Headcutters), Edvaldo Santana, Rodrigo Mantovani, Eric Assmar, Bia Marchese, Bidu Sous, Filippe Dias, Charlie Musselwhite, Lurrie Bell, Chris Cain, Jon Cleary, Eric Gales, Lucky Peterson, Billy Branch e com Bruce Comforth, autor do livro "A Música Do Diabo", a biografia do lendário Robert Johnson.

As entrevistas mais marcantes são as de Gales, Musselwhite e Peterson pela riqueza detalhes musicais e por terem sido, aparentemente, as mais complicadas de agendar e realizar.

A longa conversa com Comforth é ótima por se tratar de um lançamento primoroso no Brasil realizado no ano passado. 

O autor desmitifica muitas histórias a respeito do grande violonista norte-americano Robert Johnson que, dependendo do ambiente, é mais conhecido pelas histórias de pacto com o demônio do que por suas maravilhosas músicas. 

Muita gente escuta rolling Stones e Led Zeppelin, além de Cram e Eric Clapton sem saber que algumas das músicas foram compostas por Johnson nos anos 30.

Documento histórico

Além de escrever os dois primeiros volumes “Blues on Backseat vol. 1 e 2”, produziu, dirigiu e roteirizou o documentário “O Blues no Brasil”, que teve o apoio de diversas instituições e tem os depoimentos de muitos músicos que se transformaram em amigos e parceiros ao longo de quase 30 anos de jornada musical.

Se o trabalho não se destaca em termos de estilo, certamente é o mais completo em termos de informação por conta das muitas entrevistas realizadas com gente importante, como os guitarristas Nuno Mindelis e Igor Prado e a banda carioca Blues Etílicos, a pioneira do estilo no Brasil, ao lado de Mindelis e André Christóvam.

É um daqueles trabalhos feitos na raça e com uma força de vontade tremenda, com um resultado acima da média e que logo se transformará em referência na busca por informações sobre o blues feito no Brasil.

Por conta da verba escassa e das condições nem sempre ideais, a fita é irregular e apresenta alguns problemas de captação de áudio – como dissemos antes, foi feito na raça e com os equipamentos possíveis, com imagens feitas em cidades como Santos, São Paulo, Jacareí (SP), Rio das Ostras (RJ) e Rio de Janeiro.

A prioridade é a informação, por isso o roteiro é bem básico, entremeado várias entrevistas com algumas apresentações dos entrevistados, algumas acústicas e registradas durante os depoimentos concedidos. Sendo assim, não há resquício de estilo: é entrevista atrás de entrevista e muito som bom rolando.

O destaque é a banda Blues Etílicos, considerada a pioneira na formatação de um blues com cara de Brasil e sem se prender tanto ao Mississippi ou a Chicago.

Quatro dos cinco integrantes deram depoimentos importantes sobre a formação da banda e a opção pelo blues na formação da banda, entre 1985 e 1986.

Há boas histórias e conceitos de como foi possível criar uma base sonora de um gênero absurdamente considerado alienígena na época e atingir um público que começava a saborear um rock com um pedigree mais pop e brasileiro – pena que não houve oportunidade para entrevistar André Christóvam.

Há importante ligação da banda com o gaitista Jefferson Gonçalves, também carioca e um monstro do instrumento, que seguiu os passos de seu professor, Flávio Guimarães (gaitista do Blues Etílicos) e aderiu à gaita diatônica, fazendo uma fusão de ritmos nacionais com o blues e se tornando referência internacional do instrumento.

E é sempre bom lembrar que uma das almas guitarreiras desse blues tropical é um gringo que é mais brasileiro que a maioria de nós. Greg Wilson veio muito menino do interior dos Estados Unidos para o Rio Grande do Sul acompanhando a família – o pai era missionário batista – e desde cedo soube conectar os dois mundos.

No Rio de Janeiro, abraçou o Blues Etílicos e abriu os portões do mundo nacional a uma gama imensa de influências, fazendo reverências ao saudoso Celso Blues Boy e a mais uma série de grandes músicos.

Nuno Mindelis, o grande guitarrista que saiu de Angola e aportou no Brasil em 1976, também dá declarações importantes sobre o que é esse blues brasileiro muito influenciado pelo rock como um todo e como foi possível desenvolver uma linguagem clara e personalizada em um país a milhares de quilômetros dos campos americanos de algodão. Com carreira internacional consolidada, faz questão da enfatizar o respeito que o mundo tem, pelos instrumentistas brasileiros.

Um detalhe importante do roteiro é a valorização dos gaitistas brasileiros, também reconhecidos internacionalmente.
 
Há depoimentos em profusão deles – Flávio Guimarães, Jefferson Gonçalves, Vasco Faé, Big Chico, Marcelo Naves e Sergio Duarte, ratificando a impressão que se confirma: a gaita é indissociável do blues nacional.

É um filme simples, que vai passar longe das premiações, mas que já tem o seu maior “prêmio”: o seu valor imenso e inestimável como fonte primordial de informação sobre o blues do Brasil.

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