A Europa é a força propulsora do rock impulsionado pelas mulheres neste milênio, tendo a Suécia como o motor dessa tendência, como já mostramos em texto anterior, mas a Holanda, a Alemanha e a Bélgica oferecem boas opções para quem busca vozes femininas em um hard/stoner rock - ou mesmo em um gótico/sinfônico, como no caso da banda Beyond the Black.
Existe uma sensação de que nunca as cantoras ou bandas formada por mulheres tiveram tanta exposição como agora. Aparentemente, é só uma impressão, mas é um fato que estamos prestando mais atenção a um número cada vez maior de cantoras que já estão na praça há um bom temo.
- O Avatarium é uma banda originada na Suécia e, por algum tempo, foi um projeto paralelo de Leif Edling, o baixista e chefão do Candlemass, o maior nome do doom metal.Com o tempo, foi se afastando por conta de falta de tempo e deixou a direção por conta do guitarrista Marcus Jidell (também da banda Soen, e ex-Evergrey) e sua mulher, a cantora Jennie-Ann Smith, originalmente uma cantora de blues.
Foram quatro discos interessantes e pesados até o recém-lançado "Death, where Is Your Sting", com uma leve mudança de orientação musical.
O peso diminuiu, enquanto que o folk progressivo entrou em cena. Muita guitarra acústica em composições sutis e um pouco mais reflexivas, embora o tom lúgubre ainda permeie todas as músicas.
As canções mais cadenciadas com acento medieval ressaltam os ótimos vocais de Jennie-Ann, que evita o tom "angelical" para fugir de comparações com a ótima Candice Night, vocalista do Blackmore's Night, de Ritchie Blackmore (ex-Deep Purple), com quem é casada.
Nas referências, o nome a ser mencionado é outra diva, Annie Haslam, inglesa que canta no veterano Renaissance. "A Love Like Yours" tem uma veia pop, com um refrão realçado por um riff interessante de guitarra. A faixa-título, que vem a seguir, a melhor do curto álbum, também se sustenta em um refrão estupendo e uma interpretação dedicada da cantora.
Sem oscilações e pontos baixos, o disco mantém o pique em duas boas canções - "Psalms for the Living" e "God Is Silent", esta de conteúdo mais profundo, jogando ma carga em bem pesada no ouvinte.
Peso de guitarras, aliás, estremece o ambiente em "Stockholm", uma canção com ares mais modernos e agressivos, deixando sutilezas de lado e mergulhando fundo no heavy metal de ares oitentistas, mas sem abrir mão da estética hard/doom metal.
Este álbum vai decepcionar quem estava esperando algo mais pesado, na linha dos discos anteriores, mas apresenta uma banda madura e sem medo de experimentar.
- Depois de bons grupos de rock retrô, de inspiração setentista - Kadavar, Zodiac e Samsara Blues Experiment -, a Alemanha nos brinda com a incandescente Wucan, que tem como vocalista a ótima cantora Francis Tobolski.
Mesmo com a reunificação do país, em 1990, a antiga Alemanha Oriental, comunista, demorou a produzir bandas de rock com grande potencial de mercado - em grande parte por causa do isolamento autoritário/totalitário que predominava no então país-satélite da União Soviética.
Ok, é verdade que o Rammstein é de lá e que se tornou o maior fenômeno do rock alemão depois de Accept e Scorpions, mas é quase uma exceção. Os alemães orientais gostam mesmo é de underground e garagem, e a Wucan de Dresden, a metrópole incinerada pelas bombas dos Aliados no fim da II Guerra Mundial.
A banda foi formada em 2011 e lançou um EP e dois álbuns de estúdio até hoje. Francis Tobolsky, Tim George e Patrik Dröge são os membros fundadores da banda e permanecem na formação desde então.
O quarteto acaba de lançar um CD ao vivo que faz jus à fama de banda de palco e com energia transbordante. Gravado na cidade de Isernhagen em 2021, o disco mostra uma banda querendo recuperar o tempo perdido por conta do isolamento social causando pela pandemia e entrega o que promete.
O som lembra um pouco o começo da Blues Pills e do Avatarium, grandes bandas suecas com cantoras e que tem a base do som pesado no blues.
"Live in Deutschlandfunk" é uma pequena, mas significativa amostra da performance incendiária e precisa, embora o último trabalho de estúdio, "Heretic Tongue", de 2022, tenha finalmente colocado o grupo em um patamar mais alto dentro da Alemanha
É o melhor trabalho do grupo e navega entre o hard rock setentista e um heavy mais cru dos anos 80. Os destaques são "Don't Break the Oath" e épica "Physycal Boundaries", esta com mais de 12 minutos e uma interpretação ótima de Tobolsky.
- As comparações com Evanescence e sua vocalista, Amy Lee, são inevitáveis, seja pelo som, seja pela performance e comportamento da cantora Jennifer Haben. A banda alemã Beyond the Black repete muito da trajetória da multiplatinada banda americana nos últimos tempos.
Após várias mudanças de formação, Haben praticamente assumiu funções de liderança, assim como Amy Lee, e passou a ditar os rumos artísticos do conjunto, que está menos pesado e progressivo, com elementos mais pop e acessíveis,
"Beyond the Black", o novo trabalho, lançado há pouco, empurra a banda para novos territórios, em risco calculado. Deu certo e o trabalho foi bem recebido.
Ela canta muito bem e evita alguns exageros observados em cantoras da vizinha Holanda na área do metal sinfônico. A voz é poderosa e versátil e, como uma atriz de musicais, capricha nas interpretações.
'Raise Your Head" é uma canção muito boa, tanto que ganhou uma versão orquestral magistral. Merecem destaque também "Wide Awake" e "Not In Your Name".
- A banda alemã WolveSpirit é mais antiga e optou por um hard rock mais simples e sem firulas, ao melhor estilo dos anos 80, mas sem o peso e a saturação de guitarras característicos do estilo.
A vocalista é Donna "Debbie" McCann, que tem uma voz rouba e mais grave, atuando em uma região vocal semelhante à de outra diva alemã, Doro Pesch (ex-Warlock).
O último trabalho, "Change the World", de 2022, é o melhor da carreira de 14 anos - como tem sido frequente em todas essas bandas do século XXI que têm mergulhado no som setentista e oitentista.
Debbie transmite muita segurança e, assim como as conterrâneas do Wucan e Beyond the Black, evita exagero e gritos agudos desnecessários, preferindo apostar no som de base bluesy que emulam algumas fases do Whitesnake em relação á base instrumental.
No último álbum, os destaques são a faixa-título, que é a mais "épica" e dramática do CD, com ótimo trabalho de guitarras, e as rápidas e bem acessíveis "Don't You Know" e "Fallen". Dá para arriscar dizer que Debbie é uma boa rival para Elin Larsson, do Blues Pills, hoje a melhor cantora dessa safra.
- A banda belga Black Mirrors ainda não tem o prestígio da conterrânea Brutus, mas não deve demorar para chegar no mesmo patamar. Assumidamente um grupo de stoner rock, é mais uma atuar na praia do Blues Pills e dos islandeses do Vintage Caravan. Não é tão peada, mas aposta em canções rápidas e de base blusey.
Marcella di Troia é a charmosa vocalista que tem presença de palco, Articulada e elétrica, não para quieta e tem uma energia comparável a Elin Larsson, da Blues Pills, embora sem a mesma potência vocal. Compensa isso com uma acurada técnica de interpretação e, assim como as outras cantoras já citadas, evita todo o tipo de exagero.
O trabalho mais recente da banda, "Tomorrow Will Be Without Us", ainda preserva a verve stoner, mas tem mais características de blues rock.
Enquanto as demais citadas neste longo especial com caras femininas novas (não tão novas assim) já se mostram mais sólidas em suas carreiras e em suas bandas, a Black Mirrors parecia estar em busca de sua vocação e seu caminho. Dentro dessa tendência, Marcella busca aquela segurança que Larsson tem de sobra.
Se ainda não é uma banda madura, Black Mirrors mostra boas qualidades em canções como a faixa-título, densa e dramática, e em "Ode to the My Unborn Child", em que melancolia e dureza aparecem em bom equilíbrio.
As letras são reflexivas e um pouco pessimistas, destoando bastante das bandas concorrentes, mas, ao mesmo tempo, oferecendo uma outra visão de mundo, o que é um ponto positivo na "disputa" por espaço.
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